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Facções criminosas devem ser combatidas com lei antiterrorista, defende juiz do ES

Carlos Eduardo Lemos propõe mudanças na legislação para o combate às organizações criminosas em livro que será lançado nesta quinta-feira (14)

Vitória
Publicado em 11/08/2025 às 03h30
Livro
Crédito: Arte - Camilly Napoleão com Adobe Firefly

A lei antiterrorismo no Brasil precisa passar por mudanças e se tornar uma ferramenta de combate às organizações criminosas. Quem defende a modificação é Carlos Eduardo Ribeiro Lemos, juiz criminal e professor de direito penal há mais de trinta anos. Ele relata que a atual legislação é restritiva e não classifica os atos das facções como terrorismo, diferente da definição de outros países.

A proposta está no livro — “Terrorismo à brasileira. A guerra é real. A cegueira é legal” — onde ele busca conscientizar a sociedade e a classe política sobre a gravidade da situação, ressaltando a expansão internacional de facções como o PCC e a influência do crime organizado até na política. O objetivo é mobilizar a sociedade para exigir mudanças legislativas e políticas de segurança mais eficazes. Confira pontos da entrevista:

As falhas na lei

Lemos aponta que no Brasil a definição de terrorismo é limitada por um filtro, exigindo que as ações tenham motivações religiosas, políticas ou ideológicas. Esta restrição exclui as facções criminosas, cujo interesse é o domínio territorial e o lucro. "Um exemplo: uma pichação em apoio ao Estado Islâmico é terrorismo, mas queimar 32 ônibus e aterrorizar a população não é", observa.

Em seu livro relata que de 2004 a 2025 foram queimados 97 coletivos do sistema Transcol no Espírito Santo. "Um prejuízo de cerca de R$ 80 milhões causado pelas facções que é cobrado da comunidade, porque o custo será repassado", diz.

Facções mais fortes e violentas

Na avaliação de Lemos, estamos vivendo uma distopia, onde nos acostumamos com a violência. "No Rio de Janeiro, por exemplo, as pessoas veem um carro passando com quatro pessoas com fuzil para fora e acham que é uma situação normal", pondera.

No Espírito Santo, nos primeiros episódios da queima de ônibus em 2005, cita que participou das investigações e das ações de combate. "As pessoas não param para refletir, mas já naquela época eu decretei mais de 10 prisões de pessoas que estavam dentro do sistema prisional, de onde comandavam os ataques a ônibus da Grande Vitória".

O levantamento está em seu  livro, onde relata que as facções atuam de forma extremamente violenta. "No Brasil temos grupos criminosos organizados, estruturados, com expressivo potencial ofensivo, mas ao contrário do mundo, que se preocupa com os efeitos reais das ações desses grupos, aqui nada se fala".

E cita que o  PCC já não é considerado mais uma facção. "Internacionalmente já é, no mínimo, um cartel, que além de traficar, produz a droga. É dono da produção de maconha do Paraguai e vende para as facções rivais. Já está em 28 países. No livro mostro  documentos oficiais que revelam que o PCC movimenta mais de 1 bilhão de dólares por ano".

A fé e o crime

Foram dois anos de preparação para  do livro, com pesquisa documental e visitas a comunidades dominadas pelo tráfico. "Algumas passagens vão surpreender. Tive a oportunidade de acompanhar o Bope, a Core, andar no Caveirão em comunidades do Rio, levando tiros de fuzil. O que se vê são as facções dominando o território do Brasil e não se faz nada, se finge que é uma criminalidade normal e não é".

Relata que no Jacarezinho, comunidade do Rio, o policial chamou a  sua atenção para um grupo de criminosos correndo armado com mais de 80 fuzis. "Em algumas comunidades eles possuem mais fuzis do que o batalhão da região. E parece que é mais um dia normal. Isso me incomoda muito".

Em outro ponto relata que as igrejas pentecostais estão sendo usadas até para lavar dinheiro do tráfico através do dízimo. "E por facções que vendem armas para Vitória".

Situação no ES

No Espírito Santo, segundo Lemos, não há território dominado pelo tráfico. "O Estado consegue entrar em todos os territórios. Mas uma das coisas que eu mostro no livro é que tudo o que acontece no Rio, em matéria de crime, é exportado pro resto do Brasil. O que está acontecendo hoje, em no máximo 10 anos vai estar aqui se nada for feito".

E cita como exemplo a evolução da apreensão de fuzil  no Estado. "Em 2010 não tínhamos nenhum apreendido. De 2019 a 2024 nós tivemos 19 fuzis, mais de 200 metralhadoras e submetralhadoras apreendidas com facções criminosas. Então temos que agir agora. Não podemos esperar mais".

Lei precisa mudar

Lemos relata que o seu livro tem o objetivo de fazer mais do que uma denúncia."É um chamado a uma honestidade institucional, a coragem política dos nossos representantes, a responsabilidade jurídica, porque precisamos de novas ferramentas para fazer o enfrentamento dessas facções".

A mudança na legislação, pondera, precisa ser urgente. "Nosso objetivo é que o livro sirva como uma ferramenta de discussão e para influenciar senadores, deputados federais e o presidente da República, que são os responsáveis por modificar a lei penal. A meta é iniciar um movimento nacional de conscientização da sociedade para que ela possa cobrar essa pauta dos candidatos nas próximas eleições. Temos que nos preparar porque essas facções também estão de olho no parlamento".

Porque a mudança é necessária?

O magistrado destaca que o simples fato de ser membro de uma de uma organização ligada ao terrorismo já é um crime, com pena que pode chegar a 30 anos. E observa que o Brasil  só tem uma condenação por terrorismo, de um grupo de jovens e o planejamento para um suposto ataque durante as Olimpíadas.

"Mas nós temos ataques das facções todos os dias, com fechamento de escolas, parando o transporte público, dando ordem para fechar o comércio e calando toda uma comunidade pelo medo. E hoje, isso não é terrorismo", assinala..

Ele avalia que mudando a lei, tornando-a um pouco mais aberta, com alcance maior, permitirá uma  eficácia maior no combate a estes grupos criminosos. "Não tenho dúvida disso".

Lançamento

O livro será lançado nesta quinta-feira (14), às 19 horas, no auditório da FDV e será aberto ao público. "Farei uma palestra relatando um pouco da situação que vivenciamos", acrescenta Lemos.

Além de ser juiz criminal e professor de direito penal há quase 30 anos, Carlos Eduardo Lemos foi integrante da missão especial de combate ao crime organizado, designada pelo Ministério da Justiça em 2002. Atualmente integra o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça.

Lemos e o juiz Alexandre Martins de Castro Filho foram autores de uma denúncia de corrupção e venda de sentenças no sistema prisional capixaba, envolvendo autoridades e presos, com desvios de verbas e favorecimentos, e que culminaram no assassinato de Alexandre, em 2003.

* A colunista vai tirar uns de descanso e volta na próxima semana. Até lá.

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