O tema está sendo discutido em vários ambientes, nunca esteve tão em alta, desta forma uso a experiência espanhola para mostrar que a transformação dos centros históricos não começa nos prédios, mas nas ruas.
Essa pode ser a chave para o Brasil reencontrar vitalidade em seus espaços mais simbólicos. Quem caminha pelos centros históricos do Brasil reconhece de imediato os problemas: edifícios degradados, ruas com pouca vida, insegurança, ausência de comércio de proximidade e mobilidade difícil em ruas estreitas e abarrotadas de carros.
O patrimônio muitas vezes está vazio, sem uso, sem cumprir sua função de pulsar a vida da cidade. Mas a pergunta é: como reverter isso? Como transformar abandono em vitalidade, medo em confiança, esquecimento em pertencimento?
Recentemente troquei ideias com o arquiteto espanhol Eloy Calvo, de Oviedo, e ficou claro para mim um ponto central: a regeneração urbana começa pelo espaço público.
Na Espanha, a revitalização dos centros não se deu pela expropriação de imóveis privados, um tema delicado e impopular, mas pela ação direta em ruas e praças. A estratégia foi simples e poderosa: transformar trechos em ruas exclusivas para pedestres, construir subterrâneos para liberar superfície ou transformar imóveis decrépitos em estacionamentos, melhorar iluminação, colocar bancos, árvores, papeleiras e lixeiras, pavimentar de forma adequada.
Quando a rua melhora, a percepção de segurança aumenta. Quando a praça convida, o comércio volta. E quando o comércio volta, a vida retorna. Esse ciclo virtuoso mudou cidades como Oviedo, Pamplona, Bilbao, Salamanca.
Há uma lição clara: o coração de qualquer centro histórico é o pequeno comércio. Um café de esquina, uma padaria, uma mercearia, um sebo. É essa diversidade de usos que faz as pessoas quererem voltar a caminhar.
Mas isso não acontece sozinho. Foram necessários incentivos fiscais, linhas de crédito, apoio público para reduzir o risco do empresário que decide investir. Quando o poder público cria as condições, o privado responde.
Outro ponto é o reuso inteligente do patrimônio. Na Espanha, muitos prédios históricos ganharam vida como centros culturais, bibliotecas, residências ou equipamentos turísticos. Reabilitar antes de demolir: essa é a lógica. Apenas em casos extremos se permitiu substituir ou verticalizar, e mesmo assim com contrapartidas, como em Pamplona, onde se autorizou 30% a mais de unidades em áreas degradadas, desde que se criasse novo espaço público.
Nosso contexto tem diferenças marcantes: a insegurança é maior, a proteção ao automóvel é quase absoluta e a legislação dá grande peso à propriedade privada. Ainda assim, há um caminho claro:
- Atuar no espaço público: iluminação eficiente, mobiliário urbano, ajardinamento, peatonalização parcial, ou seja, favorecer pedestres.
- Facilitar o comércio de proximidade: incentivos fiscais e microcrédito para pequenos negócios.
- Reutilizar o patrimônio: novos usos culturais, turísticos e residenciais.
- Mobilidade inteligente: novos estacionamentos, em imóveis decrépitos ou em subterrâneos em pontos estratégicos, liberando superfície para pedestres.
- Verticalização seletiva: apenas em áreas críticas, sempre atrelada à criação de espaços públicos de qualidade.
Ressiginificar não é só demolir, é devolver vida às ruas e dignidade aos prédios. É transformar o medo em encontro e o vazio em pertencimento. A experiência espanhola deixa um recado simples: quando o espaço público convida, as pessoas voltam. Quando as pessoas voltam, a cidade renasce. É nisso que precisamos apostar. A cidade só tem sentido quando é vivida.
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