
Durante anos, queimei as têmporas tentando decifrar a alma do mercado imobiliário. Com suas marés de otimismo e refluxos de cautela, suas bolhas e seus picos, sempre me pareceu mais do que um mercado — parecia um organismo. Vivo, pulsante, às vezes mitológico. Tentar compreendê-lo pela lógica fria dos números era frustrante. A resposta para tudo parecia estar naquela velha tríade que os manuais repetem como mantra: localização, localização, localização.Mas o óbvio sempre me deu calafrios.
A resposta que eu procurava não estava na planta baixa nem no gráfico de absorção. Estava nas ruas. Em 2022, estive em Bilbao, no País Basco. Fui por paixão: arquitetura e viagem. Mas voltei com um entendimento que reorganizou meu olhar. Em 2023, um presente do amigo Juarez Gustavo — o livro “Acupuntura Urbana”, de Jaime Lerner — fechou o ciclo.
Bilbao, que antes era uma cidade industrial, triste, cinza e desacreditada, virou um ícone mundial de transformação urbana. O Museu Guggenheim foi o catalisador. Uma única obra, pública, impactante, reverteu o declínio e disparou um novo tempo. Chamaram isso de Efeito Bilbao: quando um projeto — seja cultural, arquitetônico ou de infraestrutura — é capaz de redesenhar a autoestima de um lugar inteiro.
E então, tudo fez sentido. O mercado imobiliário reage, sim, à localização. Mas, principalmente, à percepção que se constrói em torno dela. E essa percepção vem do que se vive, do que se sente, do que se compartilha. Vem da acupuntura urbana, do lugar vivido, da calçada habitada, da praça reinventada.
Lerner ensina que uma cidade não precisa esperar décadas nem bilhões para mudar. Com pequenas intervenções certeiras — como uma agulha no ponto exato da acupuntura — é possível gerar ondas de transformação.
Eis alguns exemplos locais: o Parque Atlântico em Jardim Camburi, a ciclovia da Rio Branco, a Esquina da Cultura (hoje Festival de Inverno de Guarapari), o Cais das Artes. Lugares que deixaram de ser apenas espaços urbanos para se tornarem experiências. A cidade começa a respirar diferente quando a acupuntura urbana é aplicada com sensibilidade.
Mas há um lugar onde isso tudo tem acontecido com um vigor que salta aos olhos — e aos ouvidos. Anchieta. Do Santuário São José de Anchieta à restauração das praias, passando pela nova orla de Castelhanos (hoje eleita a mais bonita do Espírito Santo), até a delicadeza da lojinha da Eliane em Iriri, o município inteiro está vivendo um novo tempo. Um tempo que combina capricho, identidade e protagonismo.
Não é só obra pública. É sensibilidade. É uma estética da convivência, onde cada barraca padronizada na areia, cada café novo que brota da coragem de um pequeno empreendedor, cada festival de moqueca ou de forró, se tornam parte de uma narrativa maior. A cidade como palco, a acupuntura urbana como motor, o urbanismo como forma de dizer: “Você é bem-vindo aqui”.
Isso é o verdadeiro luxo. Não é o acabamento em mármore — é a experiência de pertencer. Iriri, Ubu e Anchieta não estão apenas crescendo. Estão se tornando lugares para se viver. E o mercado imobiliário? Ele responde. Porque, no fundo, ninguém quer apenas comprar um imóvel. Quer comprar um pedaço de vida boa.
Se quiser entender o que é o Efeito Bilbao com sotaque capixaba, vá a Anchieta. Vá com tempo. E ouça com os olhos.
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