Crítico de cinema e colunista de cultura de A Gazeta

Projeto Feijoada mostra a força da música do interior do ES

A banda de Cachoeiro de Itapemirim lança o single "Pra Te Receber", com uma sonoridade um pouco diferente, mas ainda com assinatura do sambalanço que marca a carreira do Projeto Feijoada

Vitória
Publicado em 06/11/2020 às 05h01
Banda Projeto Feijoada
Banda Projeto Feijoada. Crédito: Divulgação

Meu caminho se cruzou com o de Flávio Marão há bastante tempo, por volta de 1999, na época do festival "Rock Por Essas Bandas", realizado no saudoso estúdio sa11a, em Jardim Camburi, onde hoje passa a movimentada rodovia Norte Sul. Eu participava com minha banda da época e Marão com a sua, o Sk8 na Mente, que, fortemente influenciada pelo Planet Hemp, fazia uma mistura de rap, hardcore, mas com uma dose de samba e malandragem.

Nossos caminhos voltaram a se cruzar anos mais tarde, quando eu já trabalhava em A Gazeta e ele estava à frente do Projeto Feijoada, um projeto meio samba de roda, meio samba rock, mas tudo com muita qualidade e uma assinatura particular na maneira de compor e cantar de Marão, que mistura métricas de rap sempre com muita brasilidade e alto astral, sempre com um sorrisão do rosto.

Em 2011 a banda lançou o CD "Se Joga Malandro", uma pérola pouco explorada da música capixaba, e o disco que os levou a uma turnê na Europa. Em 2015, com o lançamento do DVD "Pode Chegar (Ao Vivo"), registro de um showzaço que fez no IlhAcústico, em Vitória, a banda atingiu a maturidade musical. O DVD é um registro de todas as influências que acompanham Flávio Marão ao longo da vida, cheio de canções autorais, mas também com músicas de Jorge Ben, Chico Science, Caetano Veloso, entre outros.

De lá pra cá, a banda passou por algumas mudanças de formação, mas se manteve ativa com os lançamentos dos singles "Vou Pra Beira do Mar" e "Tamo Junto Nega". Este ano, ainda, a banda resolveu disponibilizar nas plataformas digitais a live de 10 anos. "Não era a nossa intenção, era uma live, mas a captação ficou tão boa que resolvemos lançar", explica Flávio.

O novo "ao vivo", ou a "live", como prefere o vocalista, traz o primeiro registro de "Pra Te Receber", música que agora ganhou uma versão de estúdio e foi lançada como novo single. "A versão ao vivo é mais suja, mais acelerada, eu falo no meio da música... Por isso decidimos gravar uma versão mais limpa, em estúdio, para o ouvinte ter uma experiência melhor com a música", analisa.

O resultado é ótimo e traz uma sonoridade distinta. Tudo o que o Projeto Feijoada fez até hoje está lá, mas com timbres mais pop, tudo fruto da vontade de Marão de experimentar e até uma pitada de rap. A letra, composta de maneira colaborativa já durante a quarentena, dialoga com o momento em que vivemos - "existe um mundo lá fora pedindo pra você olhar pra dentro / Eu vou cuidar da nossa casa pra te receber / Quando tudo isso passar". 

Confira na entrevista abaixo Flávio Marão falando sobre a carreira da banda, as dificuldades impostas pela pandemia, influências e sobre a opção da banda de trabalhar com singles.

A vida da banda nos últimos anos foi  cheia de idas e vindas, lançamentos espaçados de singles, mudanças. Como está o Projeto Feijoada hoje, como foram os últimos anos?

A gente sempre teve lançamento bem espaçado por causa de grana, por planejamento, mas mais por causa de grana. O momento bom foi depois de 2015, certamente depois do lançamento do DVD. Fizemos mais shows, aparecemos mais, fomos premiados... Os últimos anos foram muito bons, tranquilos, de planejamento, tocando bem.

“Pra Te Receber” já tinha sido lançada no “Ao Vivo” que disponibilizaram este ano. Por que lançá-la agora, em versão de estúdio, como single?

A versão ao vivo é mais acelerada, porque você está tocando ao vivo, tem o áudio um pouco mais sujo por conta da captação ao vivo, que é diferente da captação de estúdio. Ela foi gravada numa live, a gente lançou porque o áudio ficou legal. Aí a gente decidiu gravar numa parada mais limpa, num estúdio, com bpm (batidas por minuto) cadenciado, para o ouvinte ter uma experiência melhor com a música.

Como foi essa experiência “colaborativa”? As participações vieram de gente que você conhece ou era gente aleatória?

A experiência colaborativa foi muito maneira. Eu fiz um desafio, porque na época tava rolando esse negócio de desafio na internet, no começo da quarentena, e as pessoas foram me mandando ideias no direct. Aí eu peguei, montei um quebra-cabeças, vi que tinha conexão com a galera, que estava escrevendo a mesma coisa e montei a música com mais palavras. Eu lapidei, coloquei harmonia... São pessoas que eu conheço, mas que não são músicos. O Diego Lyra e o Pereira são músicos, mas o resto não. A experiência foi fantástica, eu nunca tinha feito música assim.

O “Pode Chegar” tinha uma pegada bem samba rock, já as músicas mais recentes tem influências novas, com uma pegada mais pop mesmo. É uma mudança intencional? O que você acha que difere nas fases da banda?

Eu acho que a banda vem mudando. Eu sempre fui um cara que gosta de misturar coisas, de descobrir novas sonoridades, eu sempre fui dessa onda, é da minha raiz. Tenho referências que vão de Chico Science a... sei lá, Claudinho e Buchecha (risos). É por isso que a sonoridade vem mudando. "Pra te Receber" tem uma influência mais pop. É intencional no sentido de descobrir sonoridades, tentar novas coisas, caminhar pra um ou outro lado. A gente está se descobrindo como banda, descobrindo um novo nicho.

Muitas músicas lançadas desde o início da pandemia falam de passagem de tempo, do “quando isso tudo passar” da letra de “Pra te Receber”. Foi uma tentativa sua de um olhar positivo pra isso tudo, uma esperança?

O momento que a gente tá vivendo, né? Não tem como. As pessoas estão cantando muito em cima desse tema e é normal. A gente está vivendo uma parada que a gente nunca viveu. A música fala justamente disso, de um olhar positivo, reflexivo sobre tudo isso. O que é mais legal é que, por exemplo, muita gente produziu sobre esse tema, mas grupos de samba, de sambalanço eu não vi. Vi gente da MPB, do rock, do pop rock... Da nossa vibe, mais alegre e tal, não vi ninguém escrevendo. É muito legal trazer uma onda positiva, uma letra reflexiva à tona.

Como você, como músico, tem lidado com a pandemia e a impossibilidade de shows?

Tá sendo muito difícil porque estamos acostumados com a noite, a tocar todo final de semana. Foi muito difícil ficar em casa e ter que me adaptar à situação. Até agora tem sido difícil porque todo mundo voltou a trabalhar, menos a gente.

Sendo uma banda do interior do Estado, como tem acompanhado essa nova cena que surge na Capital? Há novos nomes também surgindo em Cachoeiro e proximidades?

Eu tenho acompanhado a cena que surge na capital: a Gavi, o André Prando, o Dan Abranches, que é mais novo que essa galera ainda e é de Cachoeiro. A Gavi também é de Cachoeiro, mas agora mora em São Paulo. Realmente, de trabalho autoral (no interior) tem essa galera que foi pra Capital. Daqui da região, quem tem um som mais diferenciado em trabalho solo é mais a gente mesmo. De Vitória tem também o Diego Lyra, que vai lançar um trabalho solo também.

Vocês já têm dois discos ao vivo, um lançado este ano, há planos para um álbum de estúdio num futuro próximo?

A gente tem dois discos ao vivo, o DVD e a live, que não tava prevista, mas achamos legal e lançamos. Por enquanto pretendemos lançar singles e talvez um EP. Um álbum é uma coisa mais complexa, que requer muitas músicas, então estamos preferindo lançar singles.

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