Crítico de cinema e colunista de cultura de A Gazeta

Rodrigo Novo encanta ouvintes com suas melodias no intimista "Sítio"

Após o ótimo EP "Lá e Cá", o músico capixaba Rodrigo Novo volta com um disco completo delicado, cheio de camadas e belas melodias para contar uma história diferente para cada ouvinte

Vitória
Publicado em 26/10/2020 às 06h00
Atualizado em 16/11/2020 às 12h51
Músico Rodrigo Novo
Músico Rodrigo Novo gravou "Sítio". Crédito: Bárbara Bragato/Divulgação

"Sítio" conta uma história, mas não necessariamente a história cantada por Rodrigo Novo em seu primeiro disco completo após a estreia solo no ótimo EP "Lá e Cá". Íntimo e intimista, o disco lançado na semana passada, nas palavras do músico, "tem toda uma introspecção nele, algo que me traz principalmente sentimentos de reflexão, mas perpassa pela solitude, tristeza, pelo amor e pela alegria também".

Como o nome indica, "Sítio" foi gravado em um processo de imersão em um sítio para onde Rodrigo foi ao lado do produtor Henrique Paoli, do músico Felipe Duriez e de Ricardo Ton, responsável por toda a captação. A opção, que pareceria perfeita em tempos de pandemia, se deu antes, no final de 2019. "Sempre achei incrível essas estadias artísticas meio bucólicas(...) Não sou lá um grande instrumentista, então achava interessante um lugar em que pudéssemos deixar o tempo correr e fazer as coisas com calma", explica.

O clima bucólico do sítio na região de Biriricas é facilmente identificável - "Sítio", o disco, é tranquilo e bonito, com a voz calma de Rodrigo entoando letras que provavelmente despertarão sentimentos diferentes em cada ouvinte; segundo o músico, há vários "personagens" nas músicas.

Um dos nomes mais legais da nova geração da música capixaba, Rodrigo convida três contemporâneos para o disco. André Prando canta na ótima "Amásia", música de autoria de Vitor Hertel que se encaixaria bem no repertório de rock, psicodelia e música brasileira de Prando. Já Ana Muller empresta sua voz à singela "Ir Dormir", que cresce um absurdo quando a voz feminina entra em cena. 

O talentoso duo A Transe entrega uma música composta em parceria com Rodrigo Novo, "Miragem". "Ela (a música) não estava programada para entrar, mas gostamos tanto que decidimos levá-la para o sítio e criar em cima dela durante a gravação. Deu tudo certo, acabou sendo muito especial. Acho que a Fran e o Ferdi (Francesca Pera e Fernando Zorzal, respectivamente) carregam muita verdade em tudo que eles cantam e tocam, é de ouvir e refletir sempre, é para se emocionar".

"Sítio" ainda tem um "feat" com Felipe Duriez, que, apesar de ter tocado várias guitarras no disco, tem participação especial em "Pássaro" com várias linhas de guitarra slide. "Foi muito importante para chegarmos aonde queríamos", pondera Rodrigo.

Confira abaixo a entrevista completa em que Rodrigo fala sobre o processo de composição do disco, suas diferenças para o EP de estreia, pandemia e possíveis interpretações para suas canções.

Apesar de o disco levar o seu nome, ele tem uma pegada de banda na maior parte do tempo. Era sua intenção? O que o isolamento em um sítio ajudou na sonoridade do trabalho? A ideia inicial já era gravar lá ou foi motivado pela pandemia?

Sim, era intencional que tivesse um arranjo com diferentes instrumentos no disco, apesar de ser um projeto solo, eu gosto muito de banda e de tocar com outras pessoas, daí naturalmente já foi pensado para ter pessoas comigo tocando. Bem, acho que a forma como fizemos esse mergulho no disco e imersão num sítio ajudou a gente a dedicar mais tempo para a gravação da obra de uma forma mais relaxada. É claro que tínhamos um cronograma para cumprir e horários, mas como estávamos todos juntos, acordando e dormindo na mesma casa, isso deixou o processo render mais fácil. E também não tem muitos fatores externos que possam atrapalhar. Acho que isso contribui pro disco numa forma que deixa a criatividade mais acessível também, algumas coisas de arranjos e composição, por exemplo, nasceram no sítio mesmo, outras ideias foram modificadas, e a gente foi descobrindo isso com tranquilidade. O disco acaba que fica mais com a cara da gente, tem muita verdade impressa ali que a imersão no sítio ajudou demais. Ricardo Ton, por exemplo, que fez toda captação, teve bastante tempo para ajustar cada detalhe que ele queria para cada instrumento, esse é um tipo de coisa que num estúdio na cidade às vezes não proporciona. "Sítio" teve duas etapas de gravação: uma no fim do ano passado, que foi a gravação da maioria dos arranjos e instrumentos, com a imersão no sítio, e a outra em março deste ano, no estúdio Funky Pirata, onde foram gravadas as vozes. Em ambos os casos ainda não estávamos em uma pandemia declarada. Terminando a segunda etapa, estava começando o isolamento, fechamos o estúdio e fomos todos cada um para sua casa em quarentena. A ideia de gravar no campo aconteceu por dois motivos principais: eu sempre achei incrível essas estadias artísticas meio bucólicas que artistas ou bandas já fizeram, sempre me pareceram bastante eficazes. Ainda mais porque eu não sou lá um grande instrumentista, então achava interessante um lugar em que pudéssemos deixar o tempo correr e fazer as coisas com calma; outro motivo seria porque, desde o início, esse projeto foi feito com poucos recursos financeiros e eu tinha acesso a um sítio que tinha bastante potencial para isso. 

O EP “Lá e Cá” me parece um disco mais “alegre”. No que você acha que “Sítio” difere do “Lá e Cá” e como essa transformação tomou forma?

"Sítio" difere em diversos aspectos em comparação com o EP, na minha opinião. Realmente é um disco mais introspectivo, reflexivo, sensível. Acho que principalmente tem um amadurecimento geral, nos processos de composição, produção, arranjos, etc. Desde lá eu mudei muito, naturalmente, conhecendo e estudando coisas novas, isso se externaliza na forma de escrever, tocar algum instrumento também. "Lá e Cá" foi um EP bastante experimental. Eu mesmo produzi e o Ricardo Ton gravou, ambos marinheiros de primeira viagem, ainda descobrindo diversas coisas, como o mundo da produção num estúdio caseiro. E são músicas que amo, minhas primeiras composições de fato, que queria mostrar para o mundo. O disco atual eu vejo que tem uma proposta mais afirmada, um propósito claro no decorrer da obra, não é à toa que virou um álbum. Desde a forma que nasceram as composições até agora, aqui conversando com você, tudo está dentro de um tratamento vamos dizer mais "sério".

Qual foi o papel do Paoli na produção? O que ele levou pro “Sítio”?

Henrique Paoli foi o produtor musical do disco, responsável também por toda união do arranjo, além de ter sido um dos músicos que gravou também, junto comigo e Felipe Duriez. Foram apenas três músicos, pois não dava para carregar muita gente pro sítio, questões financeiras (risos). Ele embarcou comigo desde o início. Apresentei as composições, fizemos uma pré-produção, depois fomos gravar. Ele também editou os áudios. Depois acompanhamos de perto (e on-line, já na quarentena) as etapas de mixagem e masterização, feitas por Jackson Pinheiro e Alexandre Barcelos, respectivamente. Como músico, Paoli gravou as baterias, percussões e teclados, principalmente, em algumas músicas também tocou violão, banjo e guitarra. Como éramos só nós três, nos revezamos um bocado nos instrumento nas gravações.

Você está lançando um disco completo, um trabalho elaboradíssimo, e talvez não possa apresentá-lo nos palcos por um bom tempo. Como está sendo pra você conviver com esse paradoxo de produzir e lançar, mas não poder se apresentar?

É foda mesmo, estou e estamos com muita vontade de tocar, acho que vários músicos, né!? Realmente não vejo a hora de poder subir nos palcos com esse projeto, fico só sonhando (risos). Mas tem que ser assim, o momento é muito delicado e sério, então acaba que já me acostumei com a ideia de levar o lançamento de outra forma, por enquanto, no mundo virtual. Vou fazer lives e estou feliz com a ideia, espero que seja bom,  já vi várias lives incríveis na quarentena. A saúde do mundo em primeiro lugar!

Eu gosto de discos completos porque acho que eles contam uma história que normalmente funciona de acordo com a subjetividade de cada ouvinte. “Sítio”, pra mim, tem uma coisa curiosa de terminar positivo, pra cima, com “Cego”. Eu ouvi o disco algumas vezes e construí essa história de sair de uma fase ruim até voltar a enxergar (posso ter viajado, eu sei)… Qual a história que o disco conta pra você?

Que foda! Essa interpretação é parecida com a minha também! Acho que o disco tem toda uma introspecção nele, algo que me traz principalmente sentimentos de reflexão, mas perpassa pela solitude, tristeza, pelo amor e pela alegria também. Vejo também alguns personagens pelo disco, como esse que enxerga depois que você falou (risos), mas isso deixo para cada um ter os seus.

As letras parecem ser pessoais, mas a arte tem essa subjetividade pra quem consome. O que você espera que as canções transmitam às pessoas?

Eu acho que essas composições me abraçaram desde que eu as fiz, elas fazem parte de mim e de como enxergo as coisas, as pessoas, o mundo dentro de suas poesias e dentro das coisas abstratas e sutis que arte nos traz. Espero que as músicas possam abraçar as pessoas também, fazer sentido para suas vivências, que possam tocar as pessoas e que elas possam se identificar. Consequentemente, espero que elas sejam prazerosas de ouvir, que criem um sentimento que faça o ouvinte se sentir vivo. Tem sido um ano intenso e com muitas coisas trágicas acontecendo, e não só por causa da pandemia, talvez ela só tenha aflorado e deixado na cara muito do que já vinha acontecendo, mas sinto que esse disco faz parte desse momento, acho que, de uma maneira sensível, ele chama o ouvinte a mergulhar em si, a refletir e a se conhecer. Isso é valioso nos dias de hoje, precisamos disso para tentar nos relacionar com o universo à nossa volta de forma melhor, precisamos diminuir essas tragédias que vêm nos atravessando.

Rodrigo Novo

Músico

"Estou e estamos com muita vontade de tocar, acho que vários músicos, né!? Realmente não vejo a hora de poder subir nos palcos com esse projeto, fico só sonhando (risos). Mas tem que ser assim, o momento é muito delicado e sério, então acaba que já me acostumei com a ideia de levar o lançamento de outra forma"

Atualmente se lança muito single e bastante EP, mas pouco disco completo. Por que você optou por esse formato?

Pois é, eu adoro single e EP também. Vejo apenas como coisas diferentes, projetos diferentes, não tenho uma preferência. "Sítio" foi um projeto grande e intenso para mim, tinha várias músicas que eu enxergava com propostas parecidas e potencial, acho que por isso optei por um disco cheio, elas (as músicas) faziam sentido no mesmo projeto. Eu gosto muito de ouvir álbum, dar o play na ordem e deixar lá, ouvir outro dia de novo e ir entendendo o que ele me passa e que isso pode ir mudando também, é bem legal.

As participações do disco dão um recorte dessa nova música capixaba, que acho incrível porque tem uma identidade, mas também tem muita assinatura de cada um. Como você se vê no meio de uma cena autoral tão bacana?

Eu me sinto honrado demais! As participações do disco são de pessoas que admiro muito o trabalho! São amigos, com alguns já tinha trabalhado ou flertado pela cena musical daqui em algum momento, e realmente fez muito sentido eles estarem nas músicas que participaram, contribuíram demais para o que queríamos passar com as composições. Uma delas, "Miragem", com A Transe, é uma parceria de composição, inclusive. Estou amando também diversos trabalhos que estão chegando, tanto de artistas que já estavam ativos, quanto de novos artistas. Tenho a impressão até que a quarentena deu uma fervida a mais na galera. Espero que continue assim, o nosso Estado tem muita música feita com qualidade e verdade, para ser ouvida.

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