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Juízes denunciados por venda de sentença agora são réus no TJES

Alexandre Farina e Carlos Alexandre Gutmann  foram presos preventivamente, respondem a um processo administrativo e também a uma ação penal

Vitória
Publicado em 18/11/2021 às 18h46
Data: 27/12/2019 - ES - Vitória - Fachada da sede do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo - Editoria: Política - Foto: Carlos Alberto Silva - GZ
Tribunal de Justiça do Espírito Santo julgou denúncia envolvendo magistrados do Judiciário estadual. Crédito: Carlos Alberto Silva

Os juízes Alexandre Farina e Carlos Alexandre Gutmann agora são réus no Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES). Os desembargadores da Corte decidiram, nesta quinta-feira (18), receber a denúncia apresentada pelo Ministério Público Estadual (MPES) contra os dois e ainda em face de outros quatro acusados, entre eles o ex-policial civil Hilário Frasson.

Farina, Gutmann e os demais foram alvo da Operação Alma Viva, que apurou a venda de uma sentença na Comarca da Serra.

Farina foi denunciado pelos crimes de corrupção passiva, concurso de pessoas – que é uma espécie de associação criminosa, mas não permanente – e crime continuado (prática dois ou mais crimes da mesma espécie).

Para o MPES, Gutmann, por sua vez, incorreu em corrupção passiva e concurso de pessoas.

Hilário, preso e condenado como mandante do assassinato da ex-mulher, Milena Gottardi, cometeu, ainda segundo o Ministério Público no âmbito da Alma Viva, os crimes de corrupção passiva e concurso de pessoas.

Com o recebimento da denúncia, eles passam a responder a uma ação penal. Vão ter direito a ampla defesa. Não quer dizer que já foram considerados culpados. Ao final do processo, podem ser condenados ou absolvidos.

PRISÕES

Farina está preso preventivamente no Quartel do Comando Geral da Polícia Militar, em Maruípe, Vitória. Já Gutmann, que inicialmente também foi mantido no local, obteve a prisão domiciliar para cuidar das filhas.

A relatora do caso, desembargadora Elisabeth Lordes, disse que vai tratar do pedido de revogação das prisões posteriormente.

"OVO DA SERPENTE"

A sentença que foi negociada, de acordo com o Ministério Público, dizia respeito ao registro de um terreno que mede 631.597 metros quadrados, localizado no bairro Pitanga, na Serra.

A tabeliã do cartório do Cartório do 1º Ofício da 2ª Zona da cidade ingressou com uma ação de suscitação de dúvida para saber se havia impedimento para registrar o imóvel, que já era alvo de disputa judicial.

"Estamos diante do ovo da serpente, o início de toda a trama criminosa", afirmou o procurador de Justiça Josemar Moreira, na sessão do TJES do último dia 28, quando o julgamento foi iniciado.

A empresa Cecato Negócios Imobiliários Ltda, da qual Eudes Cecato é sócio, pleiteava o registro, mas "os documentos levados a registro pela empresa expressamente tratavam de direitos possessórios, não de propriedade", "indicando potencial fraude".

O empresário, logo, tinha interesse em uma decisão favorável, para que pudesse registrar o terreno.

Para isso, ainda segundo a denúncia, Eudes comprou a sentença. A decisão, justamente beneficiando o empresário, foi proferida por Gutmann, que atuava como juiz substituto na Vara da Fazenda Pública Estadual, Registro Público e Meio Ambiente da Serra, em março de 2017.

O Ministério Público sustenta que Alexandre Farina, que na época era titular da 1ª Vara Criminal da Serra, "liderou a negociação". Hilário, por sua vez, intermediou o pagamento e o esquema.

A palavra "propina" é mencionada 25 vezes na denúncia, que tem 137 páginas. Em mensagens trocadas via WhatsApp entre Farina e Hilário, a vantagem indevida é chamada de "vaca", de acordo com o entendimento do MP.

A relatora do caso no Tribunal de Justiça, desembargadora Elisabeth Lordes, votou,na sessão do último dia 11, pelo recebimento da denúncia.

Lordes votou contrariamente, no entanto, a um pedido do Ministério Público para que os denunciados paguem, conjuntamente, R$ 11.027.746,40 como reparação por danos morais coletivos.

O terreno faz parte de uma disputa entre particulares, não é uma área pública. 

E não é comum que se peça reparação por danos coletivos, liminarmente, no âmbito de ação penal. A desembargadora entendeu que essa pretensão poderia ser tratada, devido aos mesmos fatos, em uma eventual ação de improbidade administrativa.

Ela também considerou uma questão complexa a forma para se chegar ao cálculo para o dano coletivo a ser reparado.

"Não desconsidero danos à coletividade, principalmente à imagem do Judiciário", ponderou Lordes.

"Inviável aferir (o valor), o que pode gerar atraso na conclusão do feito, em especial devido à complexidade da questão. (Trata-se) da relação entre particulares e não valor efetivamente pago e recebido pelos denunciados", complementou, na ocasião.

O julgamento havia sido interrompido por um pedido de vista (mais tempo para analisar o processo) por parte do desembargador Willian Silva, que votou, nesta quinta, acompanhando integralmente o voto da relatora.

ESPANTO

A desembargadora Eliana Munhós fez o mesmo. E elogiou Lordes por ter refutado o pedido de pagamento de dano moral coletivo.

"Quando vi o pedido fiquei um pouco espantada", asseverou Munhós. "A meu ver, isso apenas alimenta a mídia a respeito desse lamentável fato que macula o Poder Judiciário", afirmou.

"É incomum, não digo pouco usual. Pesquisei na jurisprudência e não vi fixação liminar de dano moral coletivo (...) quando nem sequer há comprovação de dano ao erário", destacou.

"ÁRVORE ENVENENADA"

As defesas dos réus e a Associação dos Magistrados do Espírito Santo (Amages) alegaram que as provas foram colhidas ilegalmente; que a procuradora-geral de Justiça, Luciana Andrade, usurpou competências do Tribunal de Justiça e que promotores de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) atuaram nas investigações, o que não poderia ter ocorrido.

"O ovo quebrou, talvez por açodamento dos colegas de vossa excelência", afirmou o advogado Rivelino Amaral, que atua na defesa de Eudes Cecatto, dirigindo-se ao procurador Josemar Moreira, ainda no último dia 28.

"O Ministério Público não pode intimar juiz de Direito", sustentou o advogado. As defesas dos réus alegaram que somente o próprio TJES poderia enviar intimação aos juízes, que têm prerrogativa de foro (foro privilegiado) na Corte.

Advogado de Gutmann, Israel Jório afirmou que o Ministério Público age "de maneira midiática e sensacionalista", que Gutmann é inocente e que não há, nos autos, registros de transcrição de conversas entre o juiz e os outros denunciados.

"O Gaeco levou a procuradora a erro. Pedimos a ilicitude da prova", destacou Rafael Freitas de Lima, advogado de Farina.

"É a teoria dos frutos da árvore envenenada. Vai jogar tudo fora? Sim, talvez por açodamento. Não acredito em má-fé do Ministério Público", alegou Rivelino Amaral.

Essas teses, no entanto, foram rejeitadas pela maioria dos integrantes do tribunal.

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