
A decisão, inédita, do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados de suspender o mandato de Gilvan da Federal (PL) risca uma linha no chão, que não deve ser ultrapassada. Algo relevante para o próprio parlamento e para a política brasileira.
Mostra que a estratégia vazia e histriônica de ofensas constantes, principalmente contra mulheres, para chamar a atenção e agradar eleitores que se identificam com esse tipo de comportamento tem limite.
Se o limite não fosse imposto pela Câmara, poderia partir do Judiciário, sempre acusado de se intrometer em assuntos de outros Poderes, o que muitas vezes faz por inércia dessas mesmas instituições. Desta vez, o Legislativo não se omitiu.
Gilvan vai ficar 90 dias suspenso. O plenário da Câmara ainda vai analisar a decisão do Conselho de Ética, mas o cumprimento da medida é imediato e o deputado do Espírito Santo nem pretende apresentar recurso.
Há quem se apegue à liberdade de expressão irrestrita para defender que um deputado federal possa chamar uma colega, a deputada federal licenciada e ministra das Relações Institucionais Gleisi Hoffmann (PT-PR), de "prostituta".
Foi por ofensas como essa à petista, durante reunião da Comissão de Segurança da Câmara, no último dia 29, que a Mesa Diretora da Casa fez uma representação contra o parlamentar no Conselho de Ética.
Além da incivilidade dos ataques perpetrados por Gilvan, a questão é: pra quê?
É isso que o parlamento tem a oferecer? Os deputados federais recebem salário de R$ 46,3 mil para fazer rinha verbal em vez de debater ou produzir algo relevante?
Se fosse o contrário, um deputado do PT que se dispusesse a atacar uma mulher do PL com as mesmas palavras de baixo calão, estaria tudo bem?
É um nível que rebaixa todos os partidos, todos os parlamentares.
DE VITÓRIA PARA O BRASIL
Gilvan tem um histórico. Foi ofendendo, principalmente, as duas únicas vereadoras de Vitória (Karla Coser, do PT, e Camila Valadão, do PSOL) que ele, então também vereador da Capital, ganhou notoriedade, entre 2021 e 2022.
Em março de 2025, foi condenado pela Justiça Eleitoral a pagar R$ 10 mil a Camila, hoje deputada estadual, por violência política de gênero.
As marcas do político do PL são a bandeira do Brasil pendurada no ombro e o discurso de ódio. E, sim, tem gente que gosta. Não à toa, ele foi o segundo deputado federal mais votado do Espírito Santo em 2022, com 87.994 votos.
Gilvan é quase folclórico, como um personagem. Segue um roteiro que não é original, vários políticos do PL adotam postura similar.
Alguns da esquerda não chegam a imitar o palavreado, mas a tática de "lacrar" e "fazer VT", ou seja, performar algo que vai render vídeo para as redes sociais, está bem disseminada.
Afinal, a maioria dos eleitores não se informa sobre como os deputados votam, se fiscalizam ou não o poder Executivo e o inteiro teor de seus discursos.
Ver reels de um minuto no Instagram é mais fácil. Eu também vejo bastante, confesso, mas prefiro os protagonizados por filhotes de cachorro.
Não cabe aqui fazer um discurso maniqueísta de que Gilvan é "do mal" e personificar todos os problemas do parlamento nele.
O deputado do Espírito Santo é apenas oportunista e flexível o suficiente para fazer o que agrada a um nicho do eleitorado. O que ele faz, sem constrangimento, entretanto, já diz muito.
A questão é: até quando isso vai "colar"?
Coisas ultrajantes geram engajamento (visualizações, curtidas e comentários) nas redes sociais. Nunca o "falem mal, mas falem de mim" fez tanto sentido.
O que é muito emocionante para alguns, contudo, chega a despertar tédio em outros, de tão previsível e irrelevante (incluo-me no segundo grupo).
E até quando a Câmara dos Deputados vai se contentar em ser cenário de "cortes do Instagram"?
A Casa, sob a gestão de Arthur Lira (PP-AL), instituiu, em junho de 2024, novas regras para suspensão cautelar de mandato.
A resolução permite que a Mesa Diretora proponha a suspensão por até seis meses, decisão que deve ser deliberada pelo Conselho de Ética em até três dias úteis.
O rito foi aplicado pela primeira vez no caso de Gilvan.
A representação contra o deputado foi assinada pelo presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), e pelos demais integrantes da Mesa Diretora: Elmar Nascimento (União-BA), Carlos Veras (PT-PE), Lula da Fonte (PP-PE) e Delegada Katarina (PSD-SE). O primeiro vice-presidente da Câmara, Altineu Côrtes (PL-RJ), não assinou o documento.
Isso mostra que quase todo mundo já cansou.
É preciso observar se situações similares, envolvendo outros deputados, vão receber o mesmo tratamento.
O papel de quem comanda a Casa legislativa é essencial, deve ser pautado em regras objetivas e no mínimo de civilidade. Não é pedir muito.
Nos tempos de Gilvan na Câmara de Vitória, por exemplo, o então presidente Davi Esmael (Republicanos) era bastante permissivo com as cenas deploráveis protagonizadas pelo parlamentar.
Na Assembleia Legislativa do Espírito Santo, presidida por Marcelo Santos (União Brasil) e onde Camila Valadão atua desde 2023, não se vê esses tristes espetáculos, embora a bancada do PL seja bastante expressiva.
MUDANÇA DE COMPORTAMENTO
Em nota enviada à imprensa na terça-feira (6), o senador Magno Malta, presidente estadual do PL, criticou a suspensão do mandato do deputado e defendeu Gilvan, mas até Magno admitiu que o deputado "passou do ponto".
"O deputado Gilvan é amplamente conhecido por sua coragem, sinceridade e firmeza na defesa dos valores em que acredita", afirmou o senador.
Magno Malta
Senador e presidente estadual do PL
"(Gilvan) teve a humildade de reconhecer que, em meio ao calor dos debates, passou do ponto em alguns momentos, e, por isso, fez questão de pedir desculpas publicamente"
Gilvan parece já ter sentido a mudança de ares. E pode ser pragmático o suficiente para se adaptar.
No dia 9 de abril, afirmou desejar a morte do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Pegou mal, principalmente, para quem diz ser "Deus, pátria e família".
Um dia depois de dizer que queria "Lula morto e no quinto dos infernos", Gilvan desculpou-se.
Agora, na véspera de ter o mandato suspenso pelo Conselho de Ética, o deputado do Espírito Santo disse que vai "mudar de comportamento".
Ele negou ter se referido a Gleisi Hoffmann ao mencionar "amante" e "prostituta", mas o contexto das declarações do dia 29 de abril deixa pouca margem para dúvidas.
De qualquer forma, Gilvan pediu as clássicas desculpas a "quem se sentiu ofendido".
Vamos aguardar o desenrolar da história.
Nunca pensei que escreveria isso, mas espero que os membros da Câmara dos Deputados sigam um conselho de Odete Roitman:
"Não vamos pegar nenhum caminho que possa nos levar a cometer uma deselegância".
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