Há dez anos, a paisagem da Zona Portuária do Rio de Janeiro se transformava com a inauguração do Museu do Amanhã, projeto de Santiago Calatrava que se tornou um dos ícones arquitetônicos e culturais da cidade, tanto que, hoje, é dificil imaginar a cidade sem o museu emblemático que já atraiu mais de 8 milhões de visitantes e se posiciona entre os mais frequentados da América Latina.
Para marcar a data, o Museu inaugurou uma programação especial que se estende ao longo de 2026. “Esse marco é uma amostra do acolhimento genuíno que o Museu recebeu por parte dos brasileiros e dos tantos turistas estrangeiros que aportaram aqui. E muito nos orgulha o fato de sermos um museu popular, frequentado por pessoas de todas as classes sociais, e por sermos a primeira experiência museal de muita gente”, afirma o diretor executivo do Museu do Amanhã, Cristiano Vasconcelos.
As comemorações começaram no dia 17 de dezembro, data do aniversário, com a abertura da exposição Oceano – O Mundo é um Arquipélago, patrocinada pela Repsol e com apoio da Fundação Grupo Boticário. A mostra propõe um mergulho sensorial, simbólico e político na importância do oceano para a vida no planeta. Ao entrar na sala escura, banhada por tons profundos de azul, o visitante é imediatamente deslocado para uma experiência imersiva que evoca a sensação de estar sob as águas.
Com curadoria assinada por Fabio Scarano, Camila Oliveira e Caetana Lara Resende, a exposição articula ciência, arte e ancestralidade, convidando a uma reconexão profunda com o oceano. Como afirma o curador Fabio Scarano, “a expectativa é de restaurar a nossa relação com o oceano, relembrando que viemos dele, somos feitos dele, e que precisamos navegá-lo para dar origem a novos amanhãs. Assim, a exposição, mais que ensinar, nos faz sentir intimidade, respeito e familiaridade pelo oceano”.
Organizada a partir dos eixos Memória, Atenção e Antecipação, a mostra dialoga com os Sete Princípios da Cultura Oceânica da Unesco, que reconhecem a existência de um único oceano global e sua influência decisiva sobre o clima, os ecossistemas e a vida humana. Assim, mais do que apresentar dados, a exposição convida à escuta e à percepção do oceano como um sistema vivo, sensível e inteligente.
O percurso expositivo se desenvolve por meio das salas Mergulho, Vida, Borda, Arquipélago e Naufrágio, conduzindo o visitante por diferentes estados de relação com o mar: da origem à crise, da interdependência à necessidade de transformação.
O conceito de arquipélago é emprestado do filósofo Édouard Glissant, da Martinica, que compreende o arquipélago como um espaço onde interdependência e diferença coexistem. Nessa seção, são apresentadas obras contemporâneas que exploram as conexões culturais, simbólicas e afetivas com o mar, entendido como uma hidrovia que nos une em escala planetária.
Para Fabio Scarano, “agimos na modernidade como se fôssemos ilhas absolutas, autônomas, seja individualmente, seja nos nossos continentes. Esse modo de vida desconectado da interdependência do mundo nos conduz a um estado de policrise — mudanças climáticas, perda de biodiversidade e guerras —, cuja consequência inevitável é o naufrágio”.
A chamada “era do naufrágio” é apresentada como um período necessário de transformações individuais e coletivas. Em um texto presente na exposição, lê-se: “as crises climáticas, políticas e sociais sugerem um modo de vida que precisa urgentemente afundar. A ciência vem mostrando a nossa irresponsabilidade ambiental e, ainda assim, o que mais precisamos para interrompermos essa experiência de autodestruição?”. Assim, o naufrágio não é tratado como fim, mas como passagem, um meio para uma transformação inevitável.
A exposição, no entanto, não se encerra no colapso. Ao final do percurso, a instalação Travessia, esforço coletivo aponta para a possibilidade de outros rumos, reforçando a ideia de que nenhum futuro se constrói sozinho e de que navegar por novos amanhãs exige cooperação, escuta e responsabilidade compartilhada.
A celebração dos dez anos também apresenta ao público a primeira etapa da renovação da exposição permanente,, com o antigo espaço Antropoceno dando lugar à sala "Onde Estamos?", uma videoinstalação imersiva dirigida por Estevão Ciavatta Pantoja, que propõe uma reflexão sensível sobre o tempo presente. A curadoria é assinada por Fabio Scarano, Liana Brazil e Luís Roberto Oliveira.
Dez anos de futuros possíveis
Ao longo dessa década, o Museu do Amanhã consolidou-se como um espaço vivo de debate contemporâneo, com mais de mil atividades públicas que alcançaram cerca de 50 mil participantes diretos, além de programas educativos contínuos que impactaram mais de 27 mil pessoas.
Iniciativas que dialogam com ciência, cultura e sociedade se tornaram marcas da instituição, com destaque para a Cátedra Unesco de Alfabetização de Futuros, liderada por Fabio Scarano, e para o programa Mulheres na Ciência e na Inovação, voltado à equidade de gênero na produção científica.
De alcance internacional, o Museu do Amanhã integra hoje a rede FORMS (Futures-Oriented Museum Synergies), ao lado de instituições como o Futurium, de Berlim, e o Museum of the Future, de Dubai.
Essa vocação também se manifesta no diálogo constante com o território da Pequena África, onde o Museu está inserido. Projetos como Vizinhos do Amanhã, o coral Uma Só Voz e ações educativas com escolas da região reafirmam esse vínculo. Por conta disso, no aniversário de dez anos, uma nova instalação, um banco de praça revestido por azulejos produzidos por alunos de escolas públicas do entorno, passa a integrar o espaço externo do Museu.
Essa dimensão simbólica do lugar é sintetizada em um texto exposto no próprio edifício, que lembra que o Museu se ergue sobre o solo da Pequena África, território marcado pela dor da escravidão, mas também por saberes, espiritualidades e culturas que moldaram o Brasil.
Segundo o texto institucional, “Este chão onde o Museu do Amanhã se ergue torna tudo ainda mais eloquente: a Pequena África, onde desembarcaram milhões de africanos escravizados. Essas pessoas trouxeram consigo feridas, mas também saberes, ritmos, línguas e espiritualidades que transformaram para sempre a cultura brasileira. É impossível falar de amanhã sem escutar esses ecos: o futuro só pode ser fértil se estiver enraizado na memória dos que construíram a vida em meio às ruínas da violência.”
Para Ricardo Piquet, diretor do Instituto de Desenvolvimento e Gestão (IDG), que gere o Museu e acompanhou o projeto desde a concepção, hoje a instituição é referência internacional em museus voltados para o futuro, com projetos que aproximam a população da comunidade científica e inspiram a construção de amanhãs mais sustentáveis.
“Acreditamos na cooperação, nas diversas expressões da inteligência e na cultura como forças de transformação social. Cada projeto é um compromisso com o presente e um investimento nos futuros que desejamos”, afirma.
Outro texto exposto no Museu reforça a missão desse espaço, que já se consolidou como um dos mais importantes do Brasil e do mundo: “O Museu do Amanhã é um convite a compreender que cada gesto presente carrega consequências, cada escolha hoje abre ou fecha caminhos. O amanhã é processo, sempre aberto e em disputa. Pensar o amanhã é reconhecer que o tempo se curva às nossas escolhas e às nossas responsabilidades. É nessa dobra do tempo que se inscreve o museu: espaço de interrogação, imaginação e compromisso com futuros que só existirão se formos capazes de construí-los juntos”.
Diante de uma crise climática sem precedentes e de avanços ainda tímidos nas pautas ambientais, o Museu do Amanhã vem cumprindo um papel de enorme relevância ao unir ciência, arte e ancestralidade — e ao insistir, com consistência e sensibilidade, na imaginação de novos amanhãs.
LEIA MAIS ISABELA CASTELLO
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