A moda há muito deixou de ser apenas vestuário para se tornar uma linguagem cultural e um indicador de tendências de comportamento, influenciando diretamente o mercado imobiliário. Nos últimos anos, essa convergência ganhou força no Brasil por meio dos chamados “branded residences” — empreendimentos que aliam arquitetura, design e experiência de marca para criar produtos imobiliários com forte apelo de lifestyle. No país, incorporadoras têm buscado parcerias com marcas globais e estúdios de design para oferecer imóveis que vão além da moradia tradicional, gerando valor agregado e atraindo público de alto padrão.
Essa tendência se fortaleceu globalmente com empreendimentos de marcas como Armani, Versace, YOO e Fendi, que compreenderam que o consumidor contemporâneo não busca apenas um imóvel, mas um modo de viver. No Brasil, esse movimento já começa a ganhar força, com edifícios que adotam conceitos de branding inspirados em coleções de moda, paletas de cor e narrativas de marca, criando experiências sensoriais completas desde a área comum até o interior das unidades. O imóvel, portanto, passa a ser tratado como um produto de desejo — conectado ao imaginário de luxo, lifestyle urbano e exclusividade que a moda domina há décadas.
Essa convergência entre moda e imóveis também revela uma oportunidade estratégica: empreendimentos com identidade de marca conseguem atingir nichos específicos, como jovens que buscam autenticidade, famílias que valorizam design, ou investidores que querem ativos diferenciados para aluguel de temporada. Além de aumentar o ticket de venda, esses projetos elevam o valor percebido, ampliam o ciclo de exposição nas redes sociais e criam comunidades engajadas em torno do conceito do empreendimento. Em um mercado cada vez mais competitivo, estética e storytelling tornam-se diferenciais tão relevantes quanto planta e localização.
Por outro lado, essa aproximação entre moda e construção civil levanta debates jurídicos importantes. Parcerias de co-branding exigem contratos minuciosos sobre uso de marca, responsabilidade pela entrega do conceito, padrões de qualidade e direitos autorais sobre design e ambientação. Da mesma forma, promessas comerciais precisam evitar interpretações que configurem publicidade enganosa ou indução estética não entregue na prática. Nesse sentido, o jurídico assume papel central na proteção de construtoras, designers e consumidores, garantindo segurança na viabilidade e transparência da proposta.
A incorporação de conceitos da moda ao mercado imobiliário — como branded residences, edifícios assinados e projetos com forte identidade estética — traz consigo debates jurídicos relevantes, especialmente no campo do **direito contratual, propriedade intelectual, direito do consumidor e responsabilidade civil. No Brasil, esses empreendimentos costumam envolver contratos complexos de co-branding e licenciamento de marca, regidos principalmente pela Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/1996) e pela Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/1998). O uso de marcas de moda, assinaturas de designers e conceitos estéticos exige definição clara sobre escopo de uso, prazo, exclusividade, padrões mínimos de qualidade e responsabilidade pela entrega do conceito prometido.
Do ponto de vista do consumidor, esses projetos estão integralmente submetidos ao Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990). Isso significa que imagens conceituais, memoriais descritivos, nomes de grifes e promessas de experiência de lifestyle podem vincular juridicamente o incorporador.
A jurisprudência brasileira já reconhece que material publicitário integra o contrato, o que aumenta o risco de discussões sobre publicidade enganosa ou descumprimento contratual caso o produto final não corresponda ao conceito vendido. Em empreendimentos “fashion”, o jurídico precisa alinhar marketing, arquitetura e memorial técnico para evitar judicialização futura.
Outro debate relevante está na proteção do design e da ambientação. Projetos de interiores assinados, fachadas icônicas e áreas comuns exclusivas podem ser protegidos como obras intelectuais, desde que atendam aos requisitos legais. Isso gera reflexos tanto na relação entre incorporadora e profissionais criativos (arquitetos, designers e curadores de moda) quanto no uso posterior desses espaços pelo condomínio. A ausência de cláusulas claras pode gerar conflitos sobre reprodução do design, alterações futuras e até uso de imagem do empreendimento para fins comerciais.
Há ainda impactos no direito condominial e imobiliário. Empreendimentos com forte apelo de lifestyle tendem a atrair locações temporárias, eventos, ativações de marca e uso intensivo das áreas comuns, o que exige atenção à convenção de condomínio, ao regulamento interno e à destinação do imóvel. Juridicamente, é fundamental definir desde a incorporação se o projeto admite usos híbridos, experiências de marca e exploração econômica de espaços, evitando conflitos entre moradores, investidores e administradoras.
Ademais, o avanço desse modelo também dialoga com ESG, sustentabilidade e compliance. A associação entre moda e imóveis frequentemente envolve discursos ligados à sustentabilidade, economia circular e bem-estar — temas que, se não forem comprováveis, podem gerar riscos jurídicos ligados ao greenwashing. Assim, o papel do jurídico é estruturar governança, contratos e comunicação de forma transparente, garantindo que o lifestyle vendido seja juridicamente sustentável, não apenas esteticamente desejável.
Por fim, a convergência entre moda e mercado imobiliário revela uma nova lógica de valor, na qual estética, identidade e experiência deixam de ser meros elementos visuais para se tornarem ativos econômicos e jurídicos relevantes. Empreendimentos guiados por lifestyle e branding exigem estruturas contratuais sólidas, atenção à propriedade intelectual, transparência na comunicação com o consumidor e alinhamento entre marketing, projeto e entrega.
Nesse contexto, o jurídico assume papel estratégico ao garantir segurança, previsibilidade e conformidade regulatória, permitindo que a criatividade da moda se traduza em valor imobiliário sustentável, inovador e juridicamente protegido.
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