O contrato de obras é um instrumento essencial na construção civil, oferecendo segurança jurídica, financeira e patrimonial tanto ao contratante quanto ao contratado. Ele formaliza direitos, deveres e responsabilidades, prevenindo conflitos e estabelecendo parâmetros claros para a execução de construções e reformas.
Em um setor que movimenta milhões de reais e representa, para muitas pessoas, o maior investimento de suas vidas, temos muitos empreendedores na construção, tais como arquitetos e engenheiros que ainda não estão formalizados tecnicamente e deixam de lado os contratos. Mais do que definir prazos e valores, o contrato deve detalhar o objeto da obra, incluindo etapas, serviços terceirizados, materiais sob responsabilidade do prestador e critérios de qualidade.
Os prazos precisam estar claros, com início, término e condições de prorrogação, enquanto o orçamento deve apresentar valor global, forma de pagamento, critérios de reajuste e vinculação dos desembolsos à execução das etapas.
Adiantamentos devem ser respaldados por recibos e notas fiscais, e a previsão de uma reserva de contingência ajuda a lidar com imprevistos, como atrasos na entrega de materiais ou alterações no projeto.
É essencial prever cláusulas de garantias e penalidades, como multas, mecanismos de reparação e instrumentos de fiscalização. O acompanhamento da execução, por visitas técnicas, relatórios periódicos ou profissionais independentes, garante transparência e previne desgastes na relação contratual. Do ponto de vista jurídico, o contrato de obras pode se dar por empreitada ou administração de obras.
Na empreitada, o empreiteiro se responsabiliza integralmente pelo resultado final, incluindo materiais, mão de obra e prazos. Já na administração de obras, o administrador coordena e supervisiona a execução por terceiros, sem assumir responsabilidade direta pelo resultado. Essa distinção define quem arca com os riscos, a extensão das obrigações e a forma de remuneração.
O contrato também deve prever mecanismos para reajustes de preços e alterações no projeto, estabelecendo índices de correção, periodicidade, limites máximos e aditivos contratuais que reflitam mudanças em prazos, valores ou especificações técnicas.
Contratos mal elaborados podem gerar falta de definição do objeto, cronogramas confusos e previsões insuficientes sobre reajustes, comprometendo a segurança jurídica e ocasionando prejuízos financeiros.
Para enriquecer esta discussão, entrevistei a contadora e administradora, especialista em INSS de Obras Julyana Tabosa e a advogada especializada em Direito Imobiliário e Direito da Construção Vanessa de Amorim, que são especialistas nas áreas contábil e jurídica e auxiliam na abordagem dos aspectos fundamentais dos contratos de obras.
Quais sãos aspectos tributários mais relevantes a serem observados em um contrato de obras?
Julyana Tabosa: A construção civil é um dos setores que mais movimentam a economia brasileira, empregando milhões de pessoas e gerando investimentos em todo o país. Mas junto com o crescimento desse mercado, surgem também responsabilidades tributárias que, se não forem bem definidas nos contratos, podem gerar dores de cabeça tanto para quem executa a obra quanto para quem contrata.
Um dos maiores problemas está na falta de clareza sobre quem deve arcar com cada imposto. Esse detalhe, muitas vezes tratado de forma superficial ou até ignorado, pode resultar em multas, retenções indevidas ou até em processos judiciais.
O principal imposto que recai sobre os serviços de construção civil é o ISS (Imposto Sobre Serviços), de competência municipal. A alíquota varia entre 2% e 5%, conforme a cidade. O contrato deve deixar explícito se esse imposto está incluso no valor do serviço ou se será cobrado à parte.
Outro ponto crítico é o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Nas contratações por empreitada, é comum que o contratante retenha 11% do valor da nota fiscal para garantir o recolhimento previdenciário. Isso acontece porque a legislação prevê responsabilidade solidária: se o prestador não recolher, o contratante pode ser cobrado pela Receita Federal. Vale destacar que, com o apoio de profissionais especializados em INSS de obras, é possível revisar a apuração e identificar reduções legais no valor devido, trazendo economia significativa e mais segurança para o contratante.
Além disso, existem tributos federais como IRRF (Imposto de Renda Retido na Fonte), CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), PIS e Cofins, que em determinados casos também podem ser retidos diretamente pelo contratante. Esses encargos variam conforme o porte e o regime tributário da empresa contratada, e por isso merecem atenção redobrada.
Não se pode esquecer ainda dos encargos trabalhistas, como FGTS, férias e 13º salário, quando a execução do serviço envolve empregados com carteira assinada. Esses custos, embora não sejam impostos diretos sobre o contrato, precisam estar previstos na formação do preço.
Para evitar litígios e surpresas desagradáveis, o contrato de prestação de serviços na construção civil deve dedicar espaço específico à questão tributária. Alguns cuidados são indispensáveis:
- Clareza sobre responsabilidades: especificar se os impostos estão incluídos no preço contratado ou se serão destacados à parte.
- Previsão de retenções: detalhar quais tributos serão retidos na fonte pelo contratante e em que percentual.
- Comprovação fiscal: exigir que o prestador apresente comprovantes de recolhimento de ISS, INSS e FGTS, reduzindo riscos futuros.
- Ajustes legais: prever cláusulas de reajuste no valor caso haja mudança significativa na legislação tributária.
- Alerta para solidariedade: deixar claro que, em certas situações, o contratante pode ser chamado a responder pelos débitos do contratado, especialmente em matéria previdenciária.
Um contrato bem elaborado na construção civil vai além de definir prazos e valores: ele deve deixar claro como serão tratados os tributos e encargos, evitando riscos de autuações fiscais e disputas judiciais. Por isso, contar com orientação jurídica e contábil especializada é essencial para garantir segurança e transparência tanto para quem contrata quanto para quem executa a obra.
Como deve ser feita a previsão e controle de custos durante a execução do contrato?
Julyana Tabosa: Construir ou reformar um imóvel é, para muitas pessoas, o maior investimento da vida. O sonho da casa própria ou de uma reforma planejada pode, no entanto, se transformar em frustração quando os custos fogem do controle. Por isso, a previsão detalhada de despesas no contrato e o acompanhamento próximo durante a execução da obra são medidas fundamentais para garantir segurança financeira.
Um contrato de prestação de serviços na construção civil não deve se limitar a valores globais e prazos. Ele precisa conter um orçamento discriminado, indicando claramente os itens que serão responsabilidade da construtora, como mão de obra (salários e encargos), materiais e equipamentos e serviços terceirizados (elétrica e hidráulica especializada).
Essa transparência inicial ajuda o proprietário a entender exatamente pelo que está pagando. Um erro comum é ignorar os custos invisíveis. Lembre-se de reservar verba para Impostos e Taxas, como alvarás e Habite-se), e para os adicionais de projeto, como paisagismo e decoração. Outro cuidado essencial é prever uma reserva de contingência de 10% a 15% do valor da obra para imprevistos.
Esses custos inesperados costumam ser regra, e não exceção, na construção. Alterações do projeto, atrasos na entrega de materiais e ajustes de execução são comuns e, sem margem de manobra, podem pesar no bolso. Na elaboração do contrato é possível trazer segurança através de alguns pontos: O reajuste de preços deve indicar como será aplicado em caso de aumento de insumos.
Essa clareza possibilita que o contratante consiga se manter seu planejamento ajustado às previsões, e não ser pego de surpresa. As medições também podem estar amarradas a critérios, como por exemplo, pagamentos que sejam vinculados a etapas concluídas, evitando adiantamentos sem execução.
Garantias e multas funcionam também como proteção contra atrasos ou descumprimento do combinado. E relatórios de prestações de contas, incluindo relatórios de gastos e notas fiscais reforçam a transparência na relação do contrato. Encargos tributários, como INSS e ISS, também não devem ser negligenciados, pois além de influenciarem o custo final, recolhimentos incorretos podem gerar problemas futuros até para o dono do imóvel.
Mesmo sem experiência técnica, o contratante pode acompanhar de perto a obra com visitas periódicas, conferindo o andamento em relação ao cronograma. Quem busca mais segurança, contratar um engenheiro ou arquiteto independente para fiscalizar em nome do proprietário é uma estratégia eficaz. Esse profissional garante que tanto os aspectos técnicos quanto os financeiros sejam respeitados.
Que boas práticas você recomenda para manter a conformidade contábil e fiscal durante toda a vigência do contrato?
Julyana Tabosa: Zero tolerância com dinheiro “por fora”. Seja rigoroso. Toda despesa precisa de comprovação formal. Exija notas fiscais em cada compra de material ou prestação de serviço, registrando seu nome, CPF e endereço da obra. Essa é a única prova aceita pelo Fisco para atestar os custos da construção.
Documente a Mão de Obra: Se você contrata uma construtora ou empreiteira, exija que o contrato detalhe a responsabilidade pelo recolhimento de impostos e encargos. Se contratar autônomos ou diaristas diretamente, você assume obrigações previdenciárias. Nunca pague serviços sem um recibo claro ou contrato. A documentação é sua defesa legal.
Segundo, o c adastro CNO e regularização do INSS. A obra precisa existir formalmente para o governo. Após a emissão do alvará de construção, prefeituras são obrigadas a informar à Receita Federal. Se o dono da obra não registra no CNO (Cadastro Nacional de Obras), a obra é clandestina para fins fiscais.
O contratante deve se preocupar com o recolhimento das contribuições sociais (INSS) referentes à mão de obra. Ao final da construção, o sistema SERO (Serviço Eletrônico para Aferição de Obras) fará o cálculo do INSS devidoe deduções dos créditos devidamente vinculados à obra. As NFe’s de materiais que você guardou são vitais, pois abatem o valor a pagar, provando que parte do custo não foi mão de obra.
Terceiro ponto é a declaração inteligente no Imposto de Renda.
A obra altera o seu patrimônio e deve ser refletida corretamente no IRPF. Gastos com a construção, ampliação ou reforma são lançados anualmente na ficha “Bens e Direitos”, somando-se ao valor do terreno. Esses valores não são deduções, mas acréscimos de patrimônio.
Manter esse custo de aquisição atualizado e comprovado reduz o Ganho de Capital (e o imposto sobre ele) que você pagará ao Fisco, caso decida vender o imóvel no futuro. Investir em segurança com informação contábil não é um luxo. Mas te garante a averbação legal da construção e a tranquilidade de ter um patrimônio 100% regularizado.
Vanessa de Amorim Souza de Moraes é uma advogada especializada em Direito Imobiliário e Direito da Construção, atuando em Florianópolis, Santa Catarina. Ela é sócia fundadora do escritório Vanessa Amorim Advocacia e Consultoria, que oferece serviços de prevenção, gestão e solução nessas áreas do direito.
Quais são os principais pontos que não podem faltar em um contrato de obras para garantir segurança jurídica entre as partes?
Vanessa de Amorim: A Identificação das partes, contendo os dados completos do contratante e do contratado, incluindo CPF/CNPJ, endereço e representantes legais. O objeto do contrato contendo uma descrição detalhada da obra, especificando o escopo, projetos técnicos, plantas e especificações.
Os prazos. A definição clara dos prazos para início, execução e entrega da obra, incluindo regras para prorrogação e atrasos. A responsabilidades das partes. Quais são as obrigações do contratante e do contratado. As garantias. O período de garantia para serviços e materiais, abrangendo vícios ocultos e defeitos estruturais.
A forma de pagamento. As condições financeiras, valores, forma e cronograma de pagamento, retenções legais e multas por inadimplência. As penalidades. Ou seja, multas e sanções para descumprimento, atrasos ou falhas na execução. Motivos para Rescisão. As condições para rescisão unilateral ou bilateral, consequências financeiras e direitos das partes. Essas seriam as cláusulas mínimas e indispensáveis em um contrato de obras.
2. Há diferenças jurídicas relevantes entre contrato de empreitada e contrato de administração de obras?
Sim, há diferenças. O Contrato de Empreitada é um contrato típico previsto no Código Civil, na qual o empreiteiro se obriga a realizar uma obra ou serviço determinado, mediante preço certo, assumindo a responsabilidade pela execução e entrega da obra pronta. O objeto é a entrega do resultado final (obra concluída), com responsabilidade direta, ou não, sobre materiais, mão de obra e cumprimento do projeto.
Já o Contrato de Administração de Obras é um contrato em que o administrador atua como representante do proprietário, gerenciando, fiscalizando e coordenando a execução da obra por terceiros (empreiteiros, fornecedores), sem assumir diretamente a execução ou responsabilidade pela obra em si.
O administrador presta serviços técnicos e administrativos, cobrando honorários pela gestão. Por fim, existem diferenças jurídicas relevantes entre os contratos de empreitada e de administração de obras, especialmente quanto à responsabilidade pela execução, riscos assumidos, natureza da obrigação (resultado vs. meio) e forma de remuneração. Essas diferenças impactam diretamente a segurança jurídica e os direitos e deveres das partes.
3. De que forma o contrato de obras pode ser adaptado em casos de reajuste de preços ou alterações no projeto inicial?
Caso o contrato não contenha cláusula específica que estabeleça as condições para reajuste dos valores contratados, indicando o índice oficial aplicável (ex.: IGP-M, INCC, IPCA) e periodicidade (geralmente anual), poderá ser realizado um termo aditivo definindo a forma, ou a nova forma, de reajuste e se incidirá sobre o valor total ou sobre parcelas específicas, e o momento em que será aplicado.
Pode-se prever limites máximos para reajustes ou mecanismos de revisão caso haja variações extraordinárias nos custos (ex.: alta expressiva do preço dos insumos). Para alterações no projeto inicial é necessário que o contrato preveja que quaisquer alterações no projeto inicial deverão ser formalizadas por meio de ordens de serviço ou aditivos contratuais, assinados pelas partes. Essas alterações devem ser acompanhadas de orçamento detalhado, indicando impacto no preço, prazos e especificações técnicas.
4. Quais são os erros mais comuns que você observa em contratos de obras mal elaborados?
A falta de definição clara do objeto e escopo da obra. Isso porque, na maior parte das vezes o contrato é vago na descrição do que será executado, deixando margem para interpretações divergentes e disputas sobre o que está ou não incluído. A ausência de cláusulas específicas sobre prazos e cronogramas, também é um motivo constante de discussão sobre contratos de obras. Por fim, a inexistência ou insuficiência de previsão sobre reajustes de preços.
Esses erros tão comuns comprometem a segurança jurídica e podem gerar prejuízos financeiros às partes, contratante e contrato. Um contrato bem elaborado deve ser claro, detalhado e equilibrado, contemplando todas as especificidades da obra e das partes.
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