Cássia Clésio é advogada especializada em planejamento imobiliário e traz, quinzenalmente, temas ligados ao dia a dia de quem está pensando em comprar, vender, construir, regularizar, investir ou alugar um imóvel.

Síndrome do edifício doente afeta saúde e bem-estar de quem vive ou trabalha em ambientes construídos

Estudos recentes apontam que cerca de 30% dos edifícios ao redor do mundo apresentam algum tipo de problema que pode favorecer o surgimento dessa síndrome

Publicado em 16/09/2025 às 01h58
Atualizado em 16/09/2025 às 04h58
Mofo é causado pela ação de fungos e pode deixar a casa com aparência de velha
Entre as causas mais comuns está a presença de fungos e bactérias em locais com umidade. Crédito: Shutterstock

A síndrome do edifício doente (SED) é uma condição ainda pouco conhecida por grande parte da população, mas que afeta diretamente a saúde e o bem-estar de quem vive ou trabalha em ambientes construídos.

Trata-se de um conjunto de sintomas físicos e psicológicos que aparecem em pessoas que passam longos períodos em determinados edifícios e que, muitas vezes, desaparecem quando essas pessoas se afastam desses locais. Esses sintomas podem incluir dores de cabeça, cansaço excessivo, irritação nos olhos e na garganta, alergias, dificuldade de concentração, entre outros desconfortos que, inicialmente, parecem não ter uma causa evidente.

Estudos recentes apontam que cerca de 30% dos edifícios ao redor do mundo apresentam algum tipo de problema que pode favorecer o surgimento dessa síndrome. Entre as causas mais comuns estão a má ventilação, o uso de materiais tóxicos na construção, a presença de fungos e bactérias em locais com umidade, além de falhas na manutenção dos sistemas de ar-condicionado. Tudo isso contribui para que o ar interno fique contaminado e para que o ambiente, que deveria ser seguro, torne-se prejudicial à saúde.

No Brasil, alguns profissionais já se dedicam à arquitetura e engenharia com foco em construções mais saudáveis, o que reforça a importância do tema. A legislação também vem evoluindo nesse sentido, exigindo, por exemplo, o cumprimento do Plano de Manutenção, Operação e Controle (PMOC), Lei 13. 589, para sistemas de climatização, justamente para garantir a qualidade do ar em ambientes fechados.

Com o objetivo de enriquecer ainda mais essa discussão e trazer perspectivas técnicas sobre o tema, realizamos entrevistas com duas profissionais atuantes com vasta experiência em projetos e diagnósticos voltados à saúde dos ambientes construídos e contribuíram com visões práticas sobre os desafios e soluções nesse campo.

Christiane Corrêa é arquiteta, especificadora, especialista em construção saudável, certificada pelo Healthy Building Certificate (HBC) Selo Casa Saudável, onde atua como gestora comercial no Brasil. Fundadora e CEO da Lorum Inovações, empresa que conecta arquitetos, designers de interiores, engenheiros e marcas do setor da construção civil a soluções inovadoras e sustentáveis, desenvolve estratégias que integram saúde, bem‑estar e ESG ao mercado.

Melina Silva é arquiteta, geobióloga e palestrante. Profissional com especialização em engenharia diagnóstica (patologia das edificações) e certificação em arquitetura saudável. Expertise em projeto de impermeabilização, vasta experiência em licenciamento e legalização de obras junto à secretaria municipal de urbanismo, 20 anos na busca de soluções para tornar ambientes mais saudáveis.

1. Na sua visão técnica, quais fatores arquitetônicos mais contribuem para o surgimento da síndrome do edifício doente?

Christiane Corrêa: na minha experiência, as causas começam muito cedo, ainda na fase de projeto. Estudos de implantação, como análise de ventos, orientação solar e integração com a paisagem, são muitas vezes negligenciados, e isso influencia diretamente na ventilação natural, conforto térmico, acústico e na qualidade do ambiente interno.

Ambientes com pouca ventilação cruzada, escassez de luz natural e escolhas de materiais que liberam compostos orgânicos voláteis (COVs) criam uma base para a má qualidade do ar. Mas um edifício saudável vai além desses aspectos mais evidentes. É essencial considerar também o projeto hidráulico e a qualidade da água, o cuidado com a poluição eletromagnética, a qualidade acústica dos ambientes e a integração com áreas verdes e espaços comuns.

Todos esses fatores precisam ser pensados de forma integrada desde o início. Quando o espaço não contempla saúde, conforto e bem‑estar dos usuários desde as primeiras decisões construtivas, a tendência é contribuir para sintomas físicos e emocionais ao longo de toda a vida útil da edificação. A recente atualização da NR‑1 reforça justamente isso: riscos psicossociais como estresse, ansiedade e sobrecarga também estão diretamente ligados ao ambiente físico, não apenas aos processos de trabalho, ampliando ainda mais a responsabilidade técnica nessa etapa inicial.

Melina Silva: a OMS reconhece um edifício doente quando 20% dos usuários apresentam questões de saúde resultantes da qualidade do ar interno, mas precisamos entender que, não só pelo ar interno as pessoas adoecem. Como profissional certificado em arquitetura saudável eu posso afirmar que questões como infiltração, poluição eletromagnética e influência telúrica também contribuem para o adoecimento do imóvel e das pessoas, consequentemente.

A umidade é um dos elementos mais problemáticos em uma edificação, pois controlar seus efeitos é tarefa muito árdua. Minha especialização em Engenharia Diagnóstica me mostrou o quanto essa tarefa pode ser difícil e eu digo que pode ser uma das mais perigosas, pois as pessoas aprenderam a conviver com a umidade dentro de casa, entendendo ser somente “uma mancha na parede", resumindo a questão à problemas meramente estéticos, ignorando todo o malefício à saúde que existe por trás disso.

2. Projetos arquitetônicos recentes já contemplam diretrizes específicas para prevenção dessa síndrome? Se sim, quais medidas são adotadas?

Christiane Corrêa: sim. É possível perceber que muitos projetos atuais já partem de premissas mais amplas, considerando não apenas a estética e funcionalidade, mas também o impacto direto na saúde e no bem‑estar dos usuários. Conceitos de arquitetura bioclimática vêm sendo aplicados para aproveitar melhor o clima local, a orientação solar e os ventos predominantes, garantindo conforto térmico e eficiência energética desde a concepção.

Também é cada vez mais comum a incorporação de estratégias de biofilia, integrando áreas verdes, elementos naturais e vistas para o exterior, o que contribui para reduzir o estresse e promover uma conexão maior com o ambiente. O uso de materiais de baixo impacto, com certificações que asseguram baixa emissão de compostos orgânicos voláteis, além de soluções voltadas à qualidade acústica e ao planejamento cuidadoso de instalações hidráulicas e elétricas.

Outro ponto que tem ganhado atenção é o aspecto emocional: alinhados à atualização da NR‑1, muitos projetos já preveem áreas de descanso, ambientes de descompressão, layouts que favorecem a privacidade e o equilíbrio entre produtividade e bem‑estar, além da criação de espaços coletivos mais humanizados. Esses elementos, quando integrados, tornam o projeto muito mais alinhado ao conceito de construção saudável e à prevenção da Síndrome do Edifício Doente.

Melina Silva: infelizmente, esse é um tema pouquíssimo abordado na faculdade de arquitetura e quando é, acontece de forma absolutamente rasa. A começar pela umidade, os profissionais da área atribuem a responsabilidade ao engenheiro civil que por sua vez aos "produtos impermeabilizantes".

Como profissional atuante em ambas as cadeiras (arq. e eng.) entendo ser uma responsabilidade de coparticipação, pois a estanqueidade da edificação depende e muito do partido arquitetônico, pois existem técnicas aplicadas no projeto de impermeabilização que podem alterar significativamente o conceito arquitetônico e ainda, soluções arquitetônicas podem dispensar ou mesmo tornar inviável um sistema de impermeabilização de qualidade. Ainda hoje, muito pouco é pensado para evitar a SED.

3. Como a ventilação, a iluminação natural e os materiais utilizados na construção impactam na qualidade do ambiente interno?

Christiane Corrêa: esses três aspectos são verdadeiros pilares quando falamos em um ambiente saudável. A ventilação adequada permite a renovação do ar, diluindo poluentes e mantendo níveis mais equilibrados de umidade e temperatura. A iluminação natural, além de reduzir a necessidade de luz artificial, contribui para regular nosso ritmo circadiano, influencia na produtividade e ajuda a melhorar o humor e a percepção de bem‑estar. A escolha de materiais também tem impacto direto: materiais de baixo impacto ambiental e com baixa emissão de compostos orgânicos voláteis evitam a liberação de toxinas que podem causar irritações, alergias e outros problemas de saúde.

Hoje sabemos que esses fatores não se limitam ao aspecto físico; eles dialogam também com a saúde emocional e a experiência do usuário. Um ambiente bem ventilado, bem iluminado e com materiais saudáveis reduz sensações de cansaço, desconforto e até de estresse, pontos que, de acordo com a NR‑1, também precisam ser considerados ao avaliar riscos psicossociais no espaço de trabalho e convívio.

Melina Silva: a atenção à ventilação é indispensável na qualidade do ar interno e, tanto a iluminação quanto os materiais aplicados são grandes aliados nessa tarefa, mas não somente.

A iluminação tem papel na prevenção da proliferação de microorganismos deletérios à saúde e à construção, além de influenciar no ciclo circadiano que impacta não somente o sono, o que já seria muito, mas também nos hormônios e todo o sistema biológico.

Já os materiais aplicados, além de impactar na liberação de COV'S (Compostos orgânicos voláteis), também podem ser responsáveis pela emanação de gases radioativos, como o radônio (considerado pela OMS a 2a maior causa de câncer pulmonar), impactando em questões de saúde respiratória grave. Devemos ainda considerar os efeitos neurológicos que os revestimentos têm sobre nosso comportamento.

4. A manutenção predial (filtros de ar, vedação, limpeza de dutos etc.) pode ser considerada um fator determinante na prevenção dessa síndrome?

Christiane Corrêa: sem dúvida. Um edifício pode ter sido projetado com todos os cuidados técnicos e princípios de construção saudável, mas, se a manutenção não for contínua e criteriosa, a qualidade do ambiente interno se deteriora ao longo do tempo. A troca periódica de filtros, a limpeza e inspeção de dutos, a verificação de vedações e a revisão de sistemas de climatização são medidas indispensáveis para garantir que o ar circule de forma adequada e livre de contaminantes.

Vale lembrar que no Brasil existe o PMOC, exigido pela Lei nº 13.589/2018, que torna obrigatória a implementação de planos de manutenção em sistemas de climatização em edifícios de uso coletivo. Essa exigência reforça a importância de manter registros, cronogramas e procedimentos adequados para preservar a qualidade do ar interno e a saúde dos ocupantes.

Dutos de ar sujos são um dos grandes inimigos invisíveis da saúde e da produtividade em ambientes de trabalho. O acúmulo de poeira, fungos e bactérias nesses sistemas compromete a qualidade do ar, podendo desencadear problemas respiratórios, alergias e mal-estar geral entre os ocupantes. Essa condição, muitas vezes negligenciada, aumenta o risco de absenteísmo e impacta diretamente o desempenho das equipes. Por isso, manter cronogramas de manutenção é essencial para garantir a higienização periódica de dutos e sistemas de climatização e fazer cumprir o PMOC.

Dentro da manutenção predial também é essencial monitorar infiltrações, umidade excessiva e focos de mofo, que comprometem a qualidade do ar, favorecem alergias e problemas respiratórios e impactam diretamente a saúde dos ocupantes.

Essas rotinas também envolvem atenção ao uso de produtos de limpeza com baixa emissão de COVs. Um espaço negligenciado transmite sensação de descuido e insegurança, e isso impacta não apenas a saúde física, mas também o estado emocional de quem utiliza o edifício.

Outros cuidados relevantes incluem a inspeção de sistemas hidráulicos, como a limpeza de reservatórios de água e o controle de micro‑organismos, a manutenção de instalações elétricas e luminárias para garantir eficiência e reduzir riscos, ações de controle de pragas e revisão periódica de revestimentos internos, prevenindo o acúmulo de sujeira e partículas. Esses detalhes, quando monitorados de forma preventiva, complementam o conceito de manutenção predial integrada e reforçam o compromisso com a saúde, a segurança e o bem‑estar de todos os usuários.

Melina Silva: a manutenção predial é uma ferramenta importante na prevenção e identificação de questões que venham a adoecer a edificação e consequentemente as pessoas, sem sombra de dúvidas, mas não pára por aí. Uma manutenção de qualidade começa no empenho técnico do profissional vistoriador e posteriormente no profissional responsável pela execução dos reparos e/ou elaboração das medidas preventivas.

Existe ainda um fator muito importante a ser considerado: A valorização técnica por parte dos contratantes pois, nosso mercado está sempre em busca pelo menor preço e quem oferece o menor preço são, na grande maioria, profissionais que não se atualizam e quando muito, são profissionais com alguma formação técnica.

5. Você costuma considerar ou recomendar o uso de certificações de imóveis saudáveis e sustentáveis (como WELL, LEED ou Selo Casa Saudável)? Na sua experiência, essas certificações contribuem efetivamente para a prevenção da Síndrome do Edifício Doente?

Christiane Corrêa: sim, recomendo sempre. Certificações como LEED e Selo Casa Saudável (HBC) se complementam e oferecem diretrizes claras para integrar saúde, bem‑estar e sustentabilidade ao ambiente construído, indo muito além de requisitos estéticos ou de eficiência energética. Elas estabelecem parâmetros que contemplam qualidade do ar, conforto acústico, iluminação natural, seleção de materiais de baixo impacto e baixa emissão de COVs, eficiência de sistemas hidráulicos e elétricos, além de aspectos que favorecem o equilíbrio emocional dos usuários.

Como gestora comercial do HBC no Brasil, trago essa visão para minha atuação como consultora e mentora, ajudando marcas, profissionais e equipes técnicas a aplicarem, na prática, os princípios de uma construção saudável e sustentável. Para mim, essas certificações não são apenas um selo, mas um guia estratégico que traduz valores em ações concretas e conecta diretamente com o meu propósito de promover ambientes mais saudáveis, produtivos e alinhados ao futuro que queremos construir.

Além disso, elas funcionam como um compromisso contínuo: estimulam boas práticas desde a fase de projeto, passam pela execução e se estendem à manutenção ao longo da vida útil do edifício, ajudando a reduzir riscos físicos e psicossociais. O resultado são ambientes mais seguros, confortáveis e alinhados às demandas atuais de mercado e de saúde integral dos ocupantes, um verdadeiro legado que se constrói a cada decisão técnica bem fundamentada.

Melina Silva: antes de qualquer coisa, precisamos entender que sustentabilidade e saudabilidade são disciplinas complementares, mas não são a mesma coisa, onde, a primeira foca no bem-estar do planeta em si e a segunda, no bem-estar das pessoas que no planeta vivem, além de vegetais e animais. 

Dito isso, sim, penso que a sustentabilidade é fator impreterível para a manutenção da vida em nosso planeta e entendo que, se o planeta continuará vivo, ele precisará de pessoas pra habitar aqui. Certo? Daí, a saudabilidade. Do que adianta um planeta vivo se as pessoas não estarão por aqui? Devemos ainda lembrar que viver mais não é sinônimo de viver bem, para isso, precisamos cuidar da nossa saúde e bem-estar e nesse caso, a arquitetura e engenharia tem um papel indispensável.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

A Gazeta integra o

Saiba mais
Saúde arquitetura

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.