É graduado em Direito pela Ufes e assessor jurídico do Ministério Público Federal (MPF). Questões de cidadania e sociedade têm destaque neste espaço. Escreve às sextas-feiras

Morte de transexual por policiais militares deve ser esclarecida

Estatísticas evidenciam que as normas penais existentes, que punem de forma genérica crimes de homicídio e lesões corporais, por exemplo, têm sido insuficientes para prevenir e combater os crimes motivados por ódio a membros do grupo LGTBQIA+

Publicado em 15/07/2022 às 02h00

Na madrugada da última quarta-feira (12), uma mulher trans, de 34 anos, conhecida como Lara Croft foi morta a tiros por um policial militar, no bairro Alto Lage, em Cariacica. Segundo informou a Polícia Militar, Lara teria sido morta após entrar em confronto com militares, mas moradores da localidade contestam a versão oficial, surgindo indícios de execução motivada por transfobia.

Muito embora a nota oficial da Polícia Militar informe que a transexual estaria em “atitudes suspeitas” e teria “resistido à abordagem”, numa primeira análise, no mínimo, parece ter havido uso desproporcional da força pelos agentes públicos. Isso porque a PM disse que tiveram de ser feitos cinco disparos com arma de fogo porque Lara teria tentado agredir os militares com um barbeador.

A imagem dessa cena faz lembrar o trecho da célebre entrevista de Clarice Lispector ao jornalista Júlio Lerner, quando cita uma de suas crônicas em que Mineirinho foi morto com 13 tiros: “Qualquer que tivesse sido o crime dele, uma bala bastava. O resto era vontade de matar”.

Não parece ser proporcional que policiais militares, agentes públicos que representam o poder cogente estatal e que deveriam estar treinados, supostamente para revidar uma tentativa de agressão com uma lâmina de barbear tenham que atirar cinco vezes quando haveria outras formas de resolver a celeuma.

Mesmo porque os militares devem fazer uso progressivo da força, isto é, selecionar adequadamente, entre as opções de força disponíveis, aquela que seja mais condizente com a resposta a uma suposta agressão. Aliás, o Código de Processo Penal Militar é claro ao estabelecer que o recurso ao uso de armas só se justifica quando absolutamente necessário para vencer a resistência ou proteger a incolumidade do executor da prisão.

A violência policial, a sensação de impunidade quanto a militares que cometem crimes e a letalidade de operações policiais preocupam porque as forças militares constituem importante instituição pública, representando o próprio Estado. E a relação entre Estado e sociedade deve ser pautada em confiança e legalidade constitucional. Daí a importância de dar uma resposta eficaz à sociedade quando algum agente público, sobretudo os militares, decide navegar pelas águas da criminalidade.

Mais grave ainda se mostra o fato diante dos inúmeros relatos de que a morte de Lara Croft teria como motivação o fato de sua transexualidade, tendo alguns moradores destacado que “Lara tinha o costume de fazer piadas com os policiais quando eles abordavam alguém no bairro e que os PMs não gostavam e já teriam a ameaçado” e que o militar “partiu pra cima dela, deu vários socos na cabeça e vários tiros nela e ela não teve como reagir, ele matou ela sentada”.

Estatísticas evidenciam que as normas penais existentes, que punem de forma genérica crimes de homicídio e lesões corporais, por exemplo, têm sido insuficientes para prevenir e combater os crimes motivados por ódio a membros do grupo LGTBQIA+. A proteção estatal insuficiente caracteriza, pois, inconstitucionalidade e ilegalidade. Mesmo com a criminalização da homotransfobia, lamentavelmente, essa população continua muito vulnerável.

A morte de Lara Croft deve ser imediatamente esclarecida, não apenas por decorrer de possível motivação transfóbica, mas, por conta dos inúmeros indícios de abuso de autoridade, que impõem o dever de atuar do poder público.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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