Professora da Ufes, coordenadora da Cátedra Sérgio Vieira de Mello ACNUR/ONU para refugiados e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ufes e da ANDHEP

Aumento de casos de feminicídio no ES mostra que algo não está funcionando

Se os números da violência voltam a subir, parece que algo não está bem colocado, verbas talvez não estejam sendo bem direcionadas para combater o problema

Publicado em 29/09/2021 às 02h00
Violência contra a mulher
Violência contra a mulher: ES conseguiu reduzir índices de mortes, mas número voltou a subir. Crédito: Pixabay

Durante quase toda a primeira década dos anos 2000, o Espírito Santo esteve no primeiro lugar em violência contra mulheres no país. E mais: Vitória foi por muito tempo a capital mais violenta do Brasil para mulheres viverem. A partir de 2013, tão alarmante que eram os números, o índice começa a diminuir, tendo atingido de fato durante a segunda década um platô. Todavia, os dados referentes aos números de feminicídios que ocorreram no Estado durante este ano de 2021 fazem acender os alertas novamente, pois estamos diante de um novo aumento no número de casos de violência de gênero aqui.

A primeira década deste século foi um momento de muito debate sobre os direitos das mulheres. Após terem sido estabelecidos os parâmetros para a efetivação dos direitos das mulheres no mundo na 4ª Conferência Mundial sobre a Mulher das Organização das Nações Unidas, de 1995, usualmente conhecida como a Conferência de Pequim, aqui no Brasil o governo central, principalmente a partir de 2003, coordenou uma grande ação envolvendo as esferas municipais e estaduais para a realização de conferências onde fossem debatidas as questões relativas aos direitos das mulheres no Brasil.

Mesmo nessa toada para frente, que se via a partir das conferências, dos movimentos sociais, dos debates internacionais, o Espírito Santo parecia reproduzir ainda uma lógica inexplicável de violência contra as mulheres. Os números continuaram por algum tempo ainda altos. Foram feitas diversas ações e estabelecidas políticas públicas para a redução dos índices de violência, mas a mudança de paradigma veio mesmo com a Lei Maria da Penha, de agosto de 2006. Apesar da entrada em vigor da lei em 2006, foi somente a partir de 2014 que começam as reduções nos dados sobre violência de gênero no Estado.

Como se sabe, a lei não veio à toa, ela foi fruto, é certo, de um debate intenso nas conferências regionais, tendo sido exigida pelos movimentos de mulheres, mas foi a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no processo de Maria da Penha que obrigou o Estado brasileiro a estabelecer uma legislação específica para coibir e punir atos de violência de gênero.

Foi o caso 12.051, julgado em 4 de abril de 2001 que determinou ao Brasil que o sistema judiciário brasileiro desse andamento e julgasse o processo específico de Maria da Penha Maia Fernandes e que o culpado fosse condenado, mas também que o país deveria “prosseguir e intensificar o processo de reforma que evite a tolerância estatal e o tratamento discriminatório com respeito à violência doméstica contra mulheres no Brasil.”

Foi a partir de então que a luta se intensifica no Brasil, por um lado, mas que também as mentes conservadoras e patriarcais passam a criar empecilhos à existência de uma política pública para defesa dos direitos da mulheres. Tendo sido superadas algumas das adversidades do caminho (não todas, como por exemplo, a questão das mulheres trans ainda não constou do texto das leis), a Lei Maria da Penha é publicada no Diário Oficial da União no dia 8.8.2006.

Em seguida, continuando os números altos de violência contra mulheres, foi necessária ainda a edição da Lei do Feminicídio, publicada no Diário Oficial da União em 10.3.2015. Ambas as leis foram assinadas pela ex-presidenta Dilma Rousseff, na Lei Maria da Penha na capacidade de ministra-chefe da Casa Civil, e na Lei do Feminicídio, como presidenta da República.

O que nos faz pensar, a partir desse breve histórico, é a necessidade de que políticas públicas para mulheres sejam feitas por mulheres e com amplo debate na sociedade, em especial, com a participação delas, de todos espectros, incluindo-se mulheres trans, lésbicas e bissexuais, os movimentos de mulheres negras e mulheres indígenas, para que a interseccionalidade das posições e lugares de fala sejam respeitados.

Isso porque um governo federal como o presente, que retira a representatividade de mulheres nos seus quadros, não irá se preocupar em fazer justiça aos direitos das mulheres brasileiras em sua integralidade. O que se pauta é a defesa de uma concepção específica de mulher defendida pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

É por isso que se tem que observar que não se pode aceitar que a presença de qualquer mulher em um cargo de governo represente efetivamente a tutela dos direitos das mulheres, pois como já se demonstrou na figura do “feminismo institucional” mulheres são cooptadas para cargos públicos e passam a defender exatamente a mesma pauta patriarcal que por anos vigora nas esferas dos Três Poderes no Brasil.

Quando retornamos o nosso olhar, afinal, para o Espírito Santo, indagamos se as políticas que vêm sendo feitas para os direitos das mulheres aqui têm surtido os efeitos esperados. Pois, se os números da violência voltam a subir, parece que algo não está bem colocado, verbas talvez não estejam sendo bem direcionadas e as políticas públicas defendidas não representem todos os espectros dos movimentos feministas que existem no Estado. Mais um último dado para reflexão: enquanto os números de violência contra mulheres brancas caíram, os números em relação às mulheres negras dobraram.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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