Na mesma linha em que foi escrito o último artigo aqui publicado, a relação entre saberes no presente e no passado vai hoje ser explorado só que no sentido inverso. Sem qualquer saudosismo do tipo "no passado era melhor", mas simplesmente instigando o pensamento crítico sobre custos sociais, culturais e econômicos quando saberes e práticas do passado são desconsiderados no presente.
Pensamento crítico necessário diante de crises diversas pelas quais passam os humanos. Uma dessas crises é a relacionada à perda de capacidade de produzir alimentos saudáveis, principalmente em pequena e média escalas. Perda provocada por propagandas do agronegócio e por ações governamentais que privilegia a produção agropecuária baseada em uso intensivo de agrotóxicos e medicamentos.
Na medida em que esse tipo de privilégio aumenta e se intensifica ao longo do tempo, práticas seculares são abandonadas e a cultura da produção de alimentos se torna majoritariamente um negócio do agro pop. O resultado econômico disso é a crescente concentração de poder nas mãos de poucas multinacionais que oligopolizam a produção e a comercialização de insumos e a comercialização de alimentos em escala mundial. E, pior, a manipulação de preços dos alimentos derivada de práticas oligopolistas.
Incentivar práticas como a de povos originários e quilombolas de produção de alimentos saudáveis pode ser caminho necessário para que o conhecido e praticado no passado contribua hoje para a equação da fome e da subnutrição. Caminho adotado por pequenos agricultores na agroecologia e tornada exemplar em escala mundial pelo Movimento dos Trabalhadores sem Terra.
Elevados custos sociais e econômicos também presentes nas práticas de obsolescência tecnológica programada que transforma em lixo muito rapidamente máquinas, equipamentos e aparelhos eletrodomésticos. Sob o argumento ambientalmente insustentável de que é mais barato comprar novo do que tentar consertar cada vez mais o mundo produz lixo.
Mais barato que se resume a aspectos financeiros. Se custos econômicos, sociais e ambientais da produção de novos bens forem adicionados ao preço de novos produtos e serviços, a equação certamente será outra.
A prática de reutilização de bens que podem ser consertados e até atualizados tecnologicamente existiu no passado. Foi abandonada ao longo das últimas décadas em função de todo o incentivo oferecido ao aumento da produção industrial. Aumento ambientalmente insustentável e que sequer se justifica pela alegação do aumento de postos de trabalho.
As evidências são claras de que na produção de alimentos pela agricultura familiar; e na recuperação e conserto de bens e serviços industrializados (inclusive vestuário, móveis e da construção civil) a geração de oportunidades de trabalho é bem maior do que se dá no agronegócio e na produção em escala de novos bens e serviços.
Oportuno, portanto, que a práticas do passado que foram sendo perdidas ao longo do tempo sejam oferecidas políticas públicas semelhantes às que são oferecidas para incentivar o agronegócio e a industrialização a qualquer custo.
Políticas públicas de incentivos fiscais e creditícios, de apoio à capacitação de pessoas e à produção de estudos e pesquisas que sempre estiveram presentes para quem produz em escala, nem sempre ambiental e socialmente sustentáveis. Políticas públicas que precisam ser redesenhadas para apoiar micro, pequenas e médias empreendimentos no campo e na cidade.
No passado elas geraram mais trabalho, distribuíram melhor a renda entre pessoas e entre regiões. Reviver e atualizar suas práticas que vêm sendo abandonadas pela adoção da produção em escala insustentável pode ser um bom instrumento para a construção de um futuro melhor do que o presente.
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