É professor Ufes. Um olhar humanizado sobre a economia e sua relação com os avanços sociais são a linha principal deste espaço. Escreve quinzenalmente às quintas-feiras

Se praticássemos hoje o que conhecemos do passado

Reviver e atualizar suas práticas que vêm sendo abandonadas pela adoção da produção em escala insustentável pode ser um bom instrumento para a construção de um futuro melhor do que o presente

Publicado em 16/11/2023 às 00h30

Na mesma linha em que foi escrito o último artigo aqui publicado, a relação entre saberes no presente e no passado vai hoje ser explorado só que no sentido inverso. Sem qualquer saudosismo do tipo "no passado era melhor", mas simplesmente instigando o pensamento crítico sobre custos sociais, culturais e econômicos quando saberes e práticas do passado são desconsiderados no presente.

Pensamento crítico necessário diante de crises diversas pelas quais passam os humanos. Uma dessas crises é a relacionada à perda de capacidade de produzir alimentos saudáveis, principalmente em pequena e média escalas. Perda provocada por propagandas do agronegócio e por ações governamentais que privilegia a produção agropecuária baseada em uso intensivo de agrotóxicos e medicamentos.

Na medida em que esse tipo de privilégio aumenta e se intensifica ao longo do tempo, práticas seculares são abandonadas e a cultura da produção de alimentos se torna majoritariamente um negócio do agro pop. O resultado econômico disso é a crescente concentração de poder nas mãos de poucas multinacionais que oligopolizam a produção e a comercialização de insumos e a comercialização de alimentos em escala mundial. E, pior, a manipulação de preços dos alimentos derivada de práticas oligopolistas.

Incentivar práticas como a de povos originários e quilombolas de produção de alimentos saudáveis pode ser caminho necessário para que o conhecido e praticado no passado contribua hoje para a equação da fome e da subnutrição. Caminho adotado por pequenos agricultores na agroecologia e tornada exemplar em escala mundial pelo Movimento dos Trabalhadores sem Terra.

Elevados custos sociais e econômicos também presentes nas práticas de obsolescência tecnológica programada que transforma em lixo muito rapidamente máquinas, equipamentos e aparelhos eletrodomésticos. Sob o argumento ambientalmente insustentável de que é mais barato comprar novo do que tentar consertar cada vez mais o mundo produz lixo.

Mais barato que se resume a aspectos financeiros. Se custos econômicos, sociais e ambientais da produção de novos bens forem adicionados ao preço de novos produtos e serviços, a equação certamente será outra.

A prática de reutilização de bens que podem ser consertados e até atualizados tecnologicamente existiu no passado. Foi abandonada ao longo das últimas décadas em função de todo o incentivo oferecido ao aumento da produção industrial. Aumento ambientalmente insustentável e que sequer se justifica pela alegação do aumento de postos de trabalho.

As evidências são claras de que na produção de alimentos pela agricultura familiar; e na recuperação e conserto de bens e serviços industrializados (inclusive vestuário, móveis e da construção civil) a geração de oportunidades de trabalho é bem maior do que se dá no agronegócio e na produção em escala de novos bens e serviços.

De acordo com especialistas, efeitos no Estado costumam ser moderados. Mesmo assim, fenômeno é monitorado
Produção de alimentos. Crédito: Freepik

Oportuno, portanto, que a práticas do passado que foram sendo perdidas ao longo do tempo sejam oferecidas políticas públicas semelhantes às que são oferecidas para incentivar o agronegócio e a industrialização a qualquer custo.

Políticas públicas de incentivos fiscais e creditícios, de apoio à capacitação de pessoas e à produção de estudos e pesquisas que sempre estiveram presentes para quem produz em escala, nem sempre ambiental e socialmente sustentáveis. Políticas públicas que precisam ser redesenhadas para apoiar micro, pequenas e médias empreendimentos no campo e na cidade.

No passado elas geraram mais trabalho, distribuíram melhor a renda entre pessoas e entre regiões. Reviver e atualizar suas práticas que vêm sendo abandonadas pela adoção da produção em escala insustentável pode ser um bom instrumento para a construção de um futuro melhor do que o presente.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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