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É advogado; diretor estadual do Instituto Brasileiro de Consumidores e Titulares de Dados; Diretor Jurídico do Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor; membro da Comissão Especial de Defesa do Consumidor do Conselho Federal da OAB

Obsolescência programada: a tecnologia a favor da deslealdade com os consumidores

O dano que essa prática de aumento artificial da demanda causa na sociedade vai além da má-fé com o consumidor, mas passa pelo incentivo ao consumo exagerado e ao gasto desnecessário dos mais diversos recursos

  • Felipe Gomes Manhães É advogado; diretor estadual do Instituto Brasileiro de Consumidores e Titulares de Dados; Diretor Jurídico do Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor; membro da Comissão Especial de Defesa do Consumidor do Conselho Federal da OAB
Publicado em 30/06/2023 às 12h11

Todo produto possui uma vida útil, que é o tempo médio que ele resiste ao uso antes de se desgastar ou apresentar problemas que o levem a não atingirem o fim econômico a que se destina. É o que se chama de obsolescência, que pode ser categorizada em dois grandes grupos: a obsolescência tecnológica e a obsolescência programada.

Excetuando a natural obsolescência tecnológica ou funcional, que é a substituição de produtos por outros em virtude de novas tecnologias que a humanidade desenvolve com o tempo, a obsolescência programada é uma prática desleal que consiste em mecanismos utilizados por alguns fabricantes para induzir o consumidor a comprar o mesmo produto várias vezes, encurtando o ciclo produtivo do capital.

De modo geral, são exemplos desses mecanismos a obsolescência de qualidade, que consiste em fabricar produtos frágeis para se deteriorarem mais rápido, ou com problemas pré-constituídos, programados para se apresentar após o término da garantia; a obsolescência de função, que caracteriza-se pelo lançamento de produtos novos aos poucos no mercado, com pequenos upgrades, para induzir o consumidor a comprar um produto supostamente mais funcional, sendo que a empresa já detinha a tecnologia para fazê-los; a obsolescência psicológica, que ocorre quando o fornecedor utiliza da publicidade para levar os consumidores, principalmente os jovens, a sentir a necessidade de trocar seus produtos em boas condições de uso, por modelos mais novos, por estarem supostamente "fora de moda"; e a obsolescência de design, que se dá quando o fabricante lança produtos que desempenham as mesmas funções, mas com design diferente, levando o consumidor a crer que são melhores, mais modernos ou de mais qualidade.

Não raras vezes, a obsolescência de qualidade pode esbarrar na garantia legal (art. 18 do Código de Defesa do Consumidor) ou contratual do produto, obrigando o fornecedor a repará-lo ou substituí-lo, ou até mesmo fora do prazo de garantia, por determinação judicial, levando-se em consideração o vício oculto, a má-fé do fabricante ou o tempo médio de vida útil.

A fim de esquivar-se desse obstáculo legal que visa equilibrar as relações de consumo, pode estar surgindo uma nova modalidade de obsolescência, a obsolescência estética, que consiste na fabricação dos mais diversos tipos de produtos com pequenos componentes que se desgastam sozinhos em curto espaço de tempo e tornam o produto anti-estético, com aparência de velho ou desgastado, mas sem interferir na sua utilidade, levando o consumidor a substituí-lo por outro mais novo e bonito, meramente.

Uma pequena estampa em uma camisa, a logomarca do fabricante em um tênis, uma parte de um produto que se desbota, a pintura de um veículo que perde o brilho com mais rapidez são alguns exemplos. Note que nesses casos o produto continua desempenhando suas funções, mas ele fica, na acepção da palavra, feio.

Existem, em algumas empresas, departamentos de desenvolvimento dedicados a estudar exatamente o tempo de desgaste de materiais e inseri-los cirurgicamente nos produtos, com a precisão temporal quase exata do início da deterioração do item.

O dano que essa prática de aumento artificial da demanda causa na sociedade vai além da má-fé com o consumidor, mas passa pelo incentivo ao consumo exagerado, ao gasto desnecessário dos mais diversos recursos, inclusive hídricos e energéticos chegando ao – talvez mais grave – dano ambiental, sob a perspectiva do descarte de toda a sorte de materiais e a consequente poluição do planeta.

Essa escalada capitalista de consumo cada vez mais substitui as necessidades humanas pelas necessidades da indústria, onde o valor de troca toma o lugar do valor do uso e consumo serve ao capital, ao invés do contrário.

Obsolescência programada
Lixo eletrônico. Crédito: Pixabay

Nesse cenário, as empresas que prezam pela durabilidade de seus produtos ampliarão seu know-how no mercado e podem majorar suas vendas com o redirecionamento de sua publicidade com foco na qualidade.

Já o consumidor precisa estar atento aos tipos de obsolescência existentes e, quando se deparar com um produto que apresente desgaste precoce, defeito ou vício, mesmo que estético, deve comunicar ao fabricante e, caso não encontre solução, acionar os órgãos de defesa do consumidor e comunicar o fato nas plataformas oficiais de reclamação na internet. A informação é a maior aliada para educar as pessoas para o consumo consciente.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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