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O dia em que um assalto a banco terminou em tiroteio com 9 mortes no ES

O dia em que um assalto a banco terminou em tiroteio com 9 mortes no ES

Ação criminosa parou a pequena cidade localizada na região Noroeste capixaba; três inocentes morreram

Publicado em 1 de junho de 2021 às 20:49

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30 de abril de 1991. A data pode não significar muito para a maioria dos capixabas, mas não sai da cabeça de moradores de Barra de São Francisco, cidade do Noroeste do Espírito Santo. Há 30 anos, o município assistiu a uma tentativa de assalto a uma agência do Banco do Brasil, no Centro, que resultou em nove mortes — três delas de inocentes.

Naquela tarde de terça-feira, seis homens armados entraram na agência pedindo que os funcionários esvaziassem os caixas, tirando todo o dinheiro movimentado durante o dia. O horário escolhido para o crime, segundo uma antiga trabalhadora que preferiu não se identificar, não foi por acaso. Às 15h, já sem acesso ao público, eram feitos balanços sobre as atividades do banco. Faltando poucos minutos para o encerramento das atividades, o grupo aproveitou para fazer reféns e tentar roubar 14 milhões de cruzeiros.

A testemunha lembra que os homens agrediram os funcionários do banco com coronhadas. Diz ainda que, ao contrário do horário, a data escolhida não foi a de maior movimentação financeira. Por conta do pagamento de aposentados, a ex-funcionária explica que o fluxo no banco costumava ser maior no início do mês, quando idosos iam até o local receber dinheiro em mãos.

Banco do Brasil, em Barra de São Francisco
Imagens da TV Gazeta na época mostram o Banco do Brasil após o assalto. (Cedoc | TV Gazeta)

“Um dia antes apareceram alguns homens bem estranhos lá. Antigamente não era como hoje, não tinha Pix nem nada, a gente telefonava, mandava dinheiro para a pessoa. Esses caras foram lá de jaqueta, usando tênis de marca, perguntando se algum dinheiro tinha chegado para eles. A gente falou que não. No dia seguinte, faltando cinco minutos para 15h, entraram perguntando sobre o gerente”, diz.

Barra de São Francisco, Noroeste do ES
Barra de São Francisco, atualmente, tem uma população superior a 45 mil pessoas. (Hugo Binda)

A notícia de que criminosos teriam entrado no Banco do Brasil correu rápido pela cidade. Ao passo que algumas pessoas foram do trabalho para casa, buscando evitar o meio do caminho, outras, como contam alguns moradores e até o então prefeito da cidade, optaram por pegar armas e tentar resolver o conflito.

Os homens agrediam funcionários e recolhiam dinheiro da agência, enquanto muita gente se aglomerava do lado de fora. Uma parte interessada em assistir ao assalto, mas outra, com armas, acreditou que fosse possível solucionar o crime ali mesmo.

Foi o caso do policial civil Brasilino Malaquias, o primeiro a tomar uma decisão na cena do crime. Ele estava saindo de uma outra agência bancária, na mesma avenida, onde resolvia pendência de caráter pessoal, quando viu a movimentação estranha.

“Ele trabalhava como investigador da Polícia Civil havia dez anos em Barra de São Francisco. Antes tinha sido diretor de escola, era muito conhecido na cidade. Eu estava em casa, mas as pessoas me contaram que ele estava saindo do banco, voltando para a delegacia, quando gritaram por ele na hora do assalto. Não tinha policial nenhum na hora", conta a viúva Arlinda Gomes Moraes.

Pela falta de policiais na avenida, Malaquias tomou a decisão de abordar um dos suspeitos. Segundo a esposa, o policial "enfrentou o assaltante sozinho". Malaquias, porém, não contava com uma falha em seu principal instrumento de trabalho. "Ele com certeza deu ordem de prisão para o assaltante, mas o revólver dele ‘mascou’ todinho, não saiu um tiro. E eu já tinha falado com ele que o revólver estava ruim, precisava trocar. O cabo estava quebrado. Falei que ele ia morrer novo porque queria resolver o 'trem' sozinho", contou Arlinda, a viúva.

Logo que Malaquias tentou e não conseguiu abrir fogo contra um dos suspeitos, que fazia uma pessoa refém, a movimentação de pessoas ficou ainda maior. A tentativa de assalto se transformou em tiroteio na avenida principal da cidade. O investigador da Polícia Civil foi morto ali mesmo.

Naquele intervalo de tempo, outros policias de Barra de São Francisco chegaram. Tiveram o apoio de agentes de segurança de Mantena, cidade que faz divisa, já no Estado de Minas Gerais. Ao longo das investigações sobre a participação dos policiais no combate ao crime,  eles foram identificados como militares de Aimorés, também em Minas Gerais.

À época, o presidente do Sindicato dos Policias Civis, delegado Custódio Serrati Catellani, afirmou que o mau estado da arma de Malaquias era uma "vergonha" e a ocasião mostrava que a Polícia Civil "não tinha condições de dar segurança a quem quer que seja".

Dias após o crime, o então prefeito da cidade Enivaldo dos Anjos condenou a ação dos policiais na troca de tiros. Em entrevista à TV Gazeta em 2 de maio de 1991, o prefeito disse ter havido "imprudência", já que, segundo ele, "a polícia tinha de resguardar a integridade física dos reféns, através da negociação". Enivaldo afirmou que a forma como os policiais agiram resultou na morte de inocentes.

Prefeito Enivaldo dos Anjos criticou a ação dos policiais
Prefeito Enivaldo dos Anjos criticou a ação dos policiais. (Cedoc | Jornal A Gazeta 3 de maio de 1991)

A reportagem de A Gazeta procurou Enivaldo dos Anjos, que 30 anos após o crime voltou a ser prefeito na cidade. Ele manteve o posicionamento, dizendo que houve imprudência. "O erro de estratégia possibilitou os ocorridos."

"A falta de estratégia bem estruturada causou transtorno muito maior e acabou resultando em mortes, especialmente de pessoas que não tinham relação com o crime. A primeira abordagem não deveria ter sido feita na rua. Assim que foram abordados de forma mais direta, eles [assaltantes] atiraram em duas pessoas. No meio da cidade, todo mundo que era autoridade se sentiu na condição de tomar uma decisão. Até a própria população, sem nenhum comando. As pessoas agiram por ímpeto pessoal, não houve orientação", declara.

O prefeito ainda disse que os suspeitos do assalto não foram mortos logo depois da tentativa de roubar o banco. Alguns deles teriam conseguido fugir para Mantena, onde foram capturados pela polícia mineira. Enivaldo reclama da conduta dos agentes de Minas Gerais: "Ao ser comunicada, a polícia mineira fez um cerco e prendeu os assaltantes. Mas trouxeram de volta para a cidade, soltando no meio da rua. Isso causou um outro transtorno. Um deles foi jogado no meio da rua e ali foi fuzilado".

Por outro lado, o então delegado de Barra de São Francisco, Fábio Coelho Lessa, disse que a imprudência foi do investigador Brasilino Malaquias. Segundo Lessa, o policial civil "se emocionou demais". O delegado ainda classificou à época a ação dos policiais como "um trabalho quase perfeito".

Delegado de Barra de São Francisco culpou Brasilino Malaquias, morto durante tiroteio
Delegado de Barra de São Francisco culpou Brasilino Malaquias, morto durante tiroteio. (Cedoc | Jornal A Gazeta 3 de maio de 1991)

A troca de tiros entre policiais, posteriormente investigados, e os suspeitos resultou na morte de nove pessoas. A cobertura da imprensa na época já mostrava que os seis homens que tentaram assaltar o banco morreram pela ação da polícia.

A ação dos policiais provocou uma divisão entre os cidadãos. Na edição do dia 3 de maio de 1991, o Jornal A Gazeta mostrou que alguns munícipes participaram de uma manifestação em apoio aos policiais. "Depois de serenados os ânimos devido ao massacre, a população se dividiu, uns achando que os policiais foram precipitados e outros defendendo a ação que transformou Barra de São Francisco num banho de sangue", relatou o jornal.

Parte da população manifestou contentamento com a ação dos policiais
Parte da população manifestou contentamento com a ação dos policiais . (Cedoc | Jornal A Gazeta 3 de maio de 1991)

Além de Brasilino Malaquias, policial que teve problema com a arma, o motorista de táxi Antônio Lopes Faustino, que estava nas proximidades, e Luciene Matos Ferreira, comerciante que se encontrava dentro do banco, também morreram. De acordo com publicações de notícias à época, uma funcionária do banco foi baleada durante a troca de tiros. Ela ficou gravemente ferida e foi encaminhada para o Hospital Oswaldo Cruz, em São Paulo. Não há informações sobre o desfecho em relação a ela. 

Trinta anos após o crime, quem perdeu um ente querido ainda lamenta o ocorrido. Luciana Ferreira é comerciante, assim como a irmã, que foi baleada e morreu na Avenida Jones Santos Neves. Luciene Matos Ferreira tinha 19 anos e as idas ao banco eram frequentes na atividade profissional dela. Mas naquele dia, quando ela voltava à ativa após um período de férias, ela não retornou viva para casa.

A irmã relata que por conta do horário de fechamento do banco, um amigo teria pedido um favor, o que fez com que Luciene ficasse mais tempo na agência. Foi quando os criminosos armados entraram no local. Luciene Matos foi socorrida e chegou a ser transferida para o hospital Santa Maria, em Colatina, mas não resistiu aos ferimentos e morreu no mesmo dia. Sua partida precoce deu nome a um bairro da cidade. A Vila Luciene, em Barra de São Francisco, é uma homenagem à jovem que morreu em 30 de abril de 1991.

Luciene Matos, 19 anos, morreu no dia do tiroteio
Luciene Matos, 19 anos, morreu no dia do tiroteio. (Arquivo da família)
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Ficamos todos assustados, pois nunca acontecia nada na cidade e quando aconteceu, parecia filme de terror. É muito triste perder alguém, mas da forma como foi, além da dor da perda, fica a revolta de como aconteceu

Luciana Ferreira
Irmã de Luciene, morta durante o assalto
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Luciana disse que a família entrou na Justiça contra o Estado por causa do envolvimento de policiais, mas não soube informar em que estágio está o processo.

O roteiro do crime

À época a polícia afirmou que os crimes começaram a ser cometidos horas antes em Mantenópolis, onde os homens roubaram um carro do modelo Gol. O motorista foi deixado em um matagal. Com o veículo, os suspeitos passaram pela cidade de Pancas, próximo a Barra de São Francisco.

Armas foram recolhidas no dia do assalto
Armas apreendidas após a tentativa de assalto. (Cedoc | TV Gazeta)

A primeira tentativa de assalto a uma agência, também do Banco do Brasil, terminou com êxito em Pancas. Foram levados sete milhões de cruzeiros reais, segundo reportagem do Jornal A Gazeta. Ainda de acordo com a apuração na época, o outro veículo usado na ação em Barra de São Francisco era um Chevette marrom que havia sido roubado de um tesoureiro da Prefeitura de Água Doce do Norte, outra cidade próxima.

Segurança em pauta

A tentativa de assalto no município capixaba provocou um anseio por reforço na segurança de agências bancárias. Duas semanas após a chacina, A Gazeta noticiou um encontro entre gerentes de instituições financeiras e as polícias Militar e Civil. Foi ventilada a ideia de implementar novos postos de policiamento nas rodovias, com a estratégia de diminuir as possiblidades dos assaltantes.

A testemunha que detalhou a entrada dos homens na agência em Barra de São Francisco disse que os funcionários do banco não foram avisados sobre um reforço na segurança. Porém, conta que o Banco do Brasil providenciou apoio psicológico.

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Mexeu muito com o emocional da gente. No dia seguinte já tinha psicólogo para conversar com a gente. A volta ao trabalho foi horrível. Até hoje tenho medo, não fico de costas. Ainda tenho esses caras na memória

X
Ex-funcionária do Banco do Brasil
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À reportagem, o BB informou que devido ao tempo decorrido, não dispõe de registros sobre a ocorrência. Disse ainda que o banco "sempre adotou soluções de segurança com o objetivo principal de assegurar a integridade de seus clientes, usuários e funcionários".

Suspeitos mortos no tiroteio

A abordagem dos policiais foi criticada pelo prefeito da cidade e também por José Leopoldo Silva Neves, que era o gerente da agência do Banco do Brasil em Barra de São Francisco e foi baleado no braço durante a ação.

Gerente do Banco do Brasil disse que os policiais não tentaram negociar com suspeitos
Gerente do Banco do Brasil disse que os policiais não tentaram negociar com suspeitos. (Cedoc | Jornal A Gazeta 14 de maio de 1991)

Dias depois do ocorrido, o então titular da Delegacia Especializada em Crimes Contra Vida, delegado Gercino Cláudio Soares, e o promotor José Paulo Calmon Nogueira da Gama anunciaram que iriam interrogar os sete policiais militares que participaram do tiroteio na cidade. Entre cabos, sargentos e chefes de operação, todos tiveram as armas recolhidas.

Em contato com a reportagem de A Gazeta, a Polícia Civil do Espírito Santo informou que o Inquérito Policial foi concluído e remetido à Justiça no ano de 1991. O processo contra os policiais teve início menos de um ano após o ocorrido e foi considerado de natureza militar.

Em novembro de 1993, consta no site do Tribunal de Justiça do Espírito Santo uma "sentença absolutória", ou seja, quando não há pena ou punição imposta. A mesma sentença foi anulada em agosto de 1995. Não há peças anexadas ao processo, mas em 29 de abril de 1996, um dia antes de completar cinco anos da chacina, o TJES incluiu uma "sentença absolutória". O processo foi arquivado em 1998.

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