Publicado em 3 de agosto de 2020 às 08:49
O sistema imunológico ativa uma rede complexa de células, moléculas e proteínas assim que o corpo humano percebe a chegada de uma ameaça, que pode ser um vírus, uma bactéria ou um tumor, por exemplo. >
Mas esse mesmo sistema pode danificar o corpo quando exagera na liberação de substância tóxicas para combater o invasor. Estudos mais recentes sobre os mecanismos da Covid-19 mostram que a chamada tempestade de citocinas, uma liberação de substâncias inflamatórias pelo sistema imunológico, tem um papel chave na piora da situação dos pacientes da doença.>
A defesa do corpo começa com a resposta imune, iniciada quando as células identificam o material genético do patógeno recém chegado. Todas as pessoas possuem esse tipo de resposta imunológica, que é composta por uma série de barreiras físicas e químicas para barrar ameaças.>
A imunidade inata não é específica, ela responde a todos os patógenos de uma maneira semelhante. "Todas as células do corpo conseguem responder à invasão em algum nível", explica Daniel Santos Mansur, imunologista da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).>
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A tempestade de citocinas é ativada nessa primeira fase da defesa. No caso dos vírus, que dependem da estrutura das células para seguir com a replicação, as substâncias inflamatórias podem destruir as células já infectadas, numa tentativa de impedir que a infecção se espalhe. Essas substâncias também funcionam como mensageiros, avisando o resto do corpo de que algo está errado.>
"O sistema imune é redundante, ele tem vários planos para agir e trabalha com equipes onde vários componentes vão se ajudar. Esses agentes ativados tentam cercar os vírus de várias formas", diz a virologista Jordana Alves Coelho dos Reis, do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).>
O aviso de que há um invasor no corpo - e de quem é esse invasor- ativa os linfócitos. Assim, tem início a resposta imune adaptativa. Os agentes que comunicam a chegada do patógeno também informam as características do invasor, o que prepara os linfócitos para darem uma resposta específica, explica Reis.>
Os linfócitos B são os responsáveis pela produção dos anticorpos, proteínas que carregam uma caixa de ferramentas para desativar o vírus. No caso do novo coronavírus, que possui um envoltório com espinhos usado para se ligar às células, alguns anticorpos podem se conectar a essa estrutura para impedir que o vírus faça novas infecções.>
"Na resposta adaptativa, cada patógeno vai despertar uma reação específica contra o agressor. Mesmo assim, essa resposta pode não funcionar, produzindo anticorpos que não são neutralizantes", diz Daniel Wagner de Castro, médico infectologista da Rede D'Or São Luiz.>
Estudos com pacientes recuperados de Covid-19 têm indicado que a quantidade de anticorpos neutralizantes no corpo pode cair muito rapidamente. Mas outras pesquisas mostram que um outro tipo de célula de defesa, os linfócitos T, parecem ter o potencial de conceder proteção contra novas infecções pelo Sars-cov-2.>
Os linfócitos T, também gerados pelos glóbulos brancos, estão subdivididos em diversos tipos, entre eles o CD4 e o CD8. O CD8, ou citotóxico, elimina os vírus ao destruir as células infectadas. O CD4, ou auxiliar, estimula outras moléculas a agirem ou produzirem substâncias de defesa.>
Os linfócitos B precisam de um empurrão do CD4 para poder produzir anticorpos mais eficientes, as imunoglobulinas G (IgG) por exemplo.>
A resposta adaptativa tem ainda a capacidade de memorizar a reação produzida para combater um determinado patógeno mesmo depois que a infecção termina e o invasor é eliminado do corpo.>
O objetivo das vacinas é criar essa memória no organismo, explica Mariane Amano, imunologista e pesquisadora no Hospital Sírio-Libanês.>
"Independente do método usado na vacina, a ideia é colocar no corpo pedaços do vírus para que nosso sistema fique pronto para ter uma resposta mais rápida em um segundo contato", afirma Amano.>
As vacinas são a principal maneira de aumentar o poder do sistema imunológico.>
Para Cristhieni Rodrigues, médica infectologista do Hospital Santa Paula, um sistema imunológico em bom estado depende do equilíbrio do organismo. Contribuem uma alimentação equilibrada, sono regular, controle do estresse e atividades físicas. Exercícios físicos exagerados e sem descanso podem ter um efeito contrário, porém.>
A médica também alerta que a obesidade pode causar uma sobrecarga do sistema imunológico que prejudica uma resposta mais eficiente contra doenças.>
Os suplementos de vitaminas devem ser usados em casos específicos de pacientes que não conseguem tirar os nutrientes necessários dos alimentos e com acompanhamento médico, diz Rodrigues.>
Aguardar imunidade coletiva natural é perigoso, dizem especialistas A pandemia da Covid-19 reviveu um conceito antigo da medicina conhecido como imunidade coletiva, cujo princípio é simples: quando uma parcela suficiente de pessoas é imune a determinado patógeno, seja por já ter tido contato com o vírus no passado e ter desenvolvido anticorpos de memória, seja por vacinação, o parasita tem dificuldade de encontrar novos hospedeiros e a taxa de contágio vai caindo até, por fim, definhar.>
Segundo Daniel Santos Mansur, da UFSC, esse conceito é muito útil quando temos a vacina, mas ela não está disponível para todos. Políticas de vacinação tendem a priorizar as populações mais vulneráveis, podendo assim atingir uma imunidade coletiva quando uma determinada parcela da população já está imunizada.>
Especialistas estimam em cerca de 60% a parcela de pessoas vacinadas necessárias para impedir o contágio. Essa taxa varia de acordo com a forma de disseminação da doença e seu potencial infeccioso.>
No caso da gripe comum -disseminada pelo vírus influenza-, a circulação do vírus é diminuída quando cerca de 30% a 40% da população é vacinada contra a doença.>
Um estudo publicado no último dia 24 no medRxiv estipulou qual seria a taxa de imunidade coletiva e índice de reprodução (R0) necessários para conter a pandemia em quatro países: Bélgica, Inglaterra, Portugal e Espanha.>
Segundo os pesquisadores, tendo como base modelos epidemiológicos de disseminação e transmissão do Sars-CoV-2 calculados para populações heterogêneas e considerando a chance de infecção individual, a imunidade coletiva chegaria quando cerca de 10% a 20% da população já se infectou.>
Essas estimativas, no entanto, são baseadas em cálculos matemáticos e não há ainda certeza se a imunidade de grupo será atingida nesse patamar. Vale ressaltar que ainda é incerto por quanto tempo os anticorpos contra Covid-19 permanecem na população.>
Os autores concluem que aguardar por uma imunidade coletiva natural é perigoso, sendo necessária cautela frente à população mais vulnerável ao risco de contágio e propagação da doença em suas comunidades.>
Para Natália Pasternak, pesquisadora do ICB-USP e presidente do Instituto Questão de Ciência, esses números são estimativas que os cientistas podem tomar como base para avaliar modelos epidemiológicos, mas é importante deixar claro que essa taxa não se comportará da mesma maneira em diferentes cidades.>
Outra pesquisa, realizada na Espanha, apontou que apenas 5% da população possui anticorpos contra Sars-CoV-2. Os autores afirmam que adotar uma estratégia de imunidade coletiva natural seria catastrófico, implicando em um número muito maior de óbitos e um colapso ainda mais severo do sistema de saúde.>
Em Manaus (AM), segundo levantamento sorológico batizado de Epicovid, realizado pela Universidade Federal de Pelotas (Ufpel) em parceria com o Ministério da Saúde, cerca de 12,5% da população apresentou sorologia positiva para Sars-CoV-2. A capital amazonense acumula, até o momento, 35.592 casos e 2.013 óbitos.>
"Não parece ser uma estratégia factível agora [aguardar a imunidade coletiva], mas podemos usá-la quando a vacina estiver pronta", finaliza Mansur.>
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