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'É cedo para o Brasil sair da quarentena', dizem pesquisadores

'É cedo para o Brasil sair da quarentena', dizem pesquisadores

Segundo grupo ligado à Universidade de São Paulo, país tem adotado medidas mais brandas de isolamento, menos adoção e vê doença avançar pelo território

Publicado em 2 de maio de 2020 às 11:35

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Mulher olhando pela janela: nova rotina com coronavírus e isolamento
Mulher olhando pela janela: nova rotina com coronavírus e isolamento. (Alexandre Chambon/Unsplash)

As medidas adotadas por governadores e prefeitos para conter o avanço do coronavírus se revelaram insuficientes para assegurar o grau de isolamento social necessário para frear o contágio da população, de acordo com um grupo de pesquisadores ligados à Universidade de São Paulo (USP).

Na avaliação dos especialistas, a falta de determinação das autoridades e as disputas políticas entre as várias esferas de governo envolvidas com o controle da pandemia têm contribuído para o descumprimento das medidas tomadas para reduzir a circulação de pessoas e aglomerações nas ruas.

Dados analisados pelos pesquisadores mostram que a adesão da população à quarentena foi maior em países europeus que adotaram medidas mais rigorosas do que as postas em prática no Brasil, como a Espanha e a Itália, onde a Covid-19 matou dezenas de milhares de pessoas nos últimos meses.

"A experiência internacional tem mostrado que a persistência na implementação dessas medidas é essencial para controlar a transmissão do vírus e evitar o colapso dos sistemas de saúde pública", afirma a cientista política Lorena Barberia, coordenadora do grupo e uma das responsáveis pelo novo estudo.

A maioria dos estados brasileiros adotou medidas drásticas em março, quando ainda havia poucos casos confirmados de infecção pelo novo coronavírus. Todos fecharam escolas e estabelecimentos comerciais, proibiram aglomerações e recomendaram às pessoas que ficassem em casa para se proteger.

A paralisia de muitas atividades econômicas tem alimentado pressões pelo relaxamento das medidas. Nas últimas semanas, governadores de pelo menos nove estados permitiram a reabertura do comércio em setores não essenciais, e cinco reduziram restrições a aglomerações, segundo o estudo.

"Muitas pessoas veem o aumento do número de casos confirmados e mortes no Brasil como prova de que o isolamento não ajudou a controlar a doença, mas a verdade é que muitas autoridades têm transmitido mensagens confusas e isso contribui para que a adesão da população à quarentena diminua", diz Barberia.

Para comparar as medidas adotadas e seus efeitos no Brasil e em outros países, os pesquisadores usaram informações reunidas por um grupo da Universidade de Oxford que monitora políticas de combate ao coronavírus no mundo inteiro e dados do Google sobre a circulação de pessoas nas ruas.

O grupo de Oxford criou um índice para avaliar o grau de rigidez das políticas, que varia numa escala de 0 a 100. Quanto maior o número, maior o rigor das medidas. Os pesquisadores brasileiros ajustaram os números para que refletissem também o empenho dos governos na implementação das restrições.

Segundo o estudo, países como Argentina, Espanha e Itália atingiram índice 95 ao adotar medidas rigorosas e também impor multas para garantir seu cumprimento. Na Espanha, a circulação de pessoas nas ruas diminuiu 74% em relação aos níveis observados antes da epidemia, de acordo com o Google.

No Brasil, o índice de rigidez das medidas atingiu 38 com o relaxamento ocorrido em alguns estados, a falta de fiscalização e a ausência de penalidades, segundo os pesquisadores. Os dados do Google indicam que o Brasil conseguiu reduzir em apenas 42% a circulação de pessoas com essas medidas.

Informações coletadas pela InLoco, empresa brasileira que usa dados de aplicativos em telefones celulares para analisar a circulação nas cidades, sugerem que o grau de adesão às medidas de isolamento diminuiu em abril em todos os estados, mesmo onde não houve afrouxamento das restrições impostas.

No fim de março, a maioria dos estados brasileiros tinha alcançado redução de 70% ou mais nos deslocamentos para atividades classificadas como não essenciais, segundo a InLoco. Na segunda quinzena de abril, a redução era de no máximo 60% na maioria dos estados, de acordo com o estudo.

Os pesquisadores afirmam que abandonar o isolamento agora, ainda que gradualmente, provocaria aumento rápido do número de infecções e mortes, sobrecarregando hospitais. Os ganhos obtidos com a reativação da economia não compensariam a perda de controle sobre a evolução da doença, dizem.

Além de políticas de isolamento mais rigorosas, inclusive estabelecendo penalidades para quem as ignorasse, o grupo sugere que os governos tomem medidas para reforçar a proteção assegurada até aqui aos trabalhadores que correm mais risco de perder renda e ficar sem ocupação na quarentena.

"Políticas mais robustas de apoio a empresas e trabalhadores afetados pela crise aumentariam a confiança da população nas autoridades e contribuiriam para sustentar as medidas de isolamento por mais tempo, reduzindo as pressões na linha de frente do combate ao coronavírus", afirma Barberia.

O grupo responsável pelo estudo faz parte da Rede de Pesquisa Solidária, iniciativa que reúne pesquisadores da USP e outras instituições acadêmicas públicas e privadas para estudar as políticas de combate à pandemia no Brasil. Os boletins publicados pela rede estão disponíveis neste endereço: https://www.iea.usp.br/pesquisa/nucleos-de-apoio-a-pesquisa/observatorio-inovacao-competitividade/boletins.

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