Publicado em 9 de março de 2023 às 13:30
BRASÍLIA, DF - Jair Bolsonaro (PL) e o então chefe da Receita Federal Julio Cesar Vieira Gomes conversaram por telefone em dezembro sobre a liberação das joias presenteadas pela Arábia Saudita e apreendidas na alfândega do aeroporto de Guarulhos (SP).>
Pessoas com conhecimento do episódio confirmaram à reportagem a ocorrência da ligação, o que representa o primeiro indicativo de participação direta do então presidente da República na tentativa de liberação do material avaliado em R$ 16,5 milhões.>
Há divergência apenas sobre de quem teria partido a ligação, se de Bolsonaro para Julio Cesar ou o contrário.>
Essa conversa entre eles contradiz a versão que o ex-presidente apresentou durante evento no final de semana nos Estados Unidos, quando tentou se desvincular do caso, dizendo não ter ficado sabendo dos presentes barrados na alfândega e negando tentativa de trazê-los de forma ilegal.>
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Uma das versões da conversa é a de que o então secretário da Receita Federal ligou para Bolsonaro e o informou da existência das joias apreendidas na alfândega de Guarulhos.>
A partir daí, o ex-ajudante de ordens e homem de confiança de Bolsonaro, coronel Mauro Cid, teria sido destacado para acertar com Julio Cesar os trâmites burocráticos para o desembaraço do material.>
Por essa versão, Bolsonaro não teria conhecimento da existência das joias até a ligação do secretário da Receita.>
A outra versão para o caso também confirma a ligação telefônica entre os dois, mas afirma que foi Bolsonaro quem ligou para Julio Cesar, dias depois de Mauro Cid ter feito um telefonema inicial pedindo uma apuração sobre a existência de joias apreendidas pela Receita.>
As duas versões são coincidentes no sentido de que o tema da conversa entre presidente da República e chefe da Receita foi no sentido de liberar as joias para posterior entrega ao Palácio do Planalto.>
Procurados, Mauro Cid e Julio Cesar não quiseram se manifestar. A reportagem não conseguiu falar com a defesa de Bolsonaro.>
A apreensão de joias vindas da Arábia Saudita na Receita Federal foi revelada pelo jornal O Estado de S. Paulo na última sexta-feira (3). A existência de um segundo conjunto de joias e sua ida ao acervo privado de Bolsonaro foi revelada pela Folha de S.Paulo no domingo (5).>
Documentos e relatos confirmam que, no final de dezembro, houve uma mobilização na Presidência e na Receita na tentativa de liberação do material apreendido pela Receita.>
Nos dias 27 e 28 foi preparado o ofício encaminhado para a Receita em que Cid solicita a liberação das joias e um email da chefia da Receita para a superintendência do órgão em São Paulo, também no sentido da liberação do material.>
O ofício de Cid enfraquece a versão de que Bolsonaro soube apenas em dezembro da existência das joias uma vez que o coronel cita no documento que "foram meses para obter os documentos comprobatórios, tal como exigido pela Nota da Receita Federal," para conseguir a liberação.>
A operação da cúpula do Executivo culminou com o envio a Guarulhos em 29 de dezembro — a dois dias do final da gestão Bolsonaro — do sargento da Marinha Jairo Moreira da Silva, em avião da Força Aérea Brasileira. Ele não conseguiu retirar o material.>
Funcionários da Receita Federal em São Paulo, especialmente na alfândega do aeroporto, resistiram às tentativas de liberação das joias sob o argumento de que não havia comprovação de que o material seria destinado ao patrimônio público, entre outras irregularidades formais.>
O caso teve início de outubro de 2021, quando uma comitiva chefiada pelo então ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque voltou de viagem oficial à Arábia Saudita. O militar Marcos André dos Santos Soeiro tentou entrar no país com as joias em sua bagagem pessoal, sem declaração à alfândega. Acabou parado no aeroporto de Guarulhos, e o material foi apreendido.>
A Receita afirma ter orientado o governo sobre como desembaraçar o material, que poderia ser liberado sem pagamento de tributo caso fosse destinado ao patrimônio público, mas que isso nunca ocorreu.>
Documentos posteriores à apreensão mostram que o Ministério de Minas e Energia tentou, entre outubro e novembro de 2021, reaver as joias alegando que elas seriam analisadas para incorporação "ao acervo privado do Presidente da República ou ao acervo público da Presidência da República".>
Após essas tentativas fracassarem, em dezembro de 2022, com Bolsonaro já derrotado e a poucos dias de deixar a Presidência, foi realizada a última ofensiva para reaver as joias.>
A suposta resistência do governo em declarar como bem público as joias e relógios avaliados em R$ 16,5 milhões contraria frontalmente entendimento fixado pelo Tribunal de Contas da União desde 2016, segundo o qual só presentes que sejam de uso pessoal ou de caráter personalíssimo podem integrar o acervo privado de um presidente.>
O Regulamento Aduaneiro (decreto 6.759/2009) e instruções normativas da Receita Federal também não dão margem para que presentes de estado sejam transportados acondicionados em bagagem pessoal.>
Caso isso ocorresse, seria preciso a declaração à alfândega de que o destino era privado, com pagamento de 50% de tributos sobre o valor que exceder US$ 1.000 (pouco mais de R$ 5.000).>
Bolsonaro se manifestou sobre o assunto ainda no sábado (4), após evento nos Estados Unidos. Ele disse que não pediu nem recebeu qualquer tipo de presente em joias do governo da Arábia Saudita.>
"Eu agora estou sendo crucificado no Brasil por um presente que não recebi. Vi em alguns jornais de forma maldosa dizendo que eu tentei trazer joias ilegais para o Brasil. Não existe isso", afirmou.>
Segundo ele, a Presidência notificou a alfândega. "Até aí tudo bem, nada de mais, poderia, no meu entender, a alfândega ter entregue. Iria para o acervo, seria entregue à primeira-dama. E o que diz a legislação? Ela poderia usar, não poderia desfazer-se daquilo. Só isso, mais nada.">
Nesta quarta-feira (8), o subprocurador-geral do Ministério Público junto ao TCU (Tribunal de Contas da União) encaminhou representação à corte com pedido de apuração do caso das joias.>
A comitiva liderada por Bento Albuquerque ainda trouxe um segundo conjunto de joias da Arábia Saudita que não foi apreendido pela Receita.>
Como mostrou a Folha de S.Paulo, o outro pacote, que inclui relógio, caneta, abotoaduras, anel e um tipo de rosário, todos da marca suíça de diamantes Chopard e supostamente destinados a Bolsonaro, estava na bagagem de um dos integrantes da comitiva e não foi interceptado pela Receita.>
No último dia 29 de novembro, a praticamente um mês de Bolsonaro encerrar o mandato, o assessor especial do Ministério de Minas e Energia Antônio Carlos Ramos de Barros Mello entregou os itens ao Palácio do Planalto. Na versão de Mello, eles estavam sob a guarda da pasta.>
Esse caso também está na mira da investigação aberta pela PF e é alvo de apuração conduzida pela Receita Federal.>
Nesta quarta, Bolsonaro confirmou à CNN Brasil que esse segundo pacote de joias foi incorporado ao acervo privado dele e negou ilegalidades.>
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