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É coronel PMES. É presidente do Conseg JC e diretor da Feconseg-ES

Viralização e alarmismo: o desafio da segurança pública em Jardim Camburi

A viralização de conteúdos isolados, que não representam a realidade do bairro, acaba criando uma percepção distorcida de caos e de descontrole, mesmo quando os indicadores mostram melhora

  • Jailson Miranda É coronel PMES. É presidente do Conseg JC e diretor da Feconseg-ES
Publicado em 08/12/2025 às 14h51

Jardim Camburi, o bairro mais populoso do Espírito Santo e maior que a maioria dos municípios do Estado, representa hoje um laboratório social relevante para o debate sobre segurança pública, participação comunitária e o papel da comunicação. É um território onde convivem progresso urbano, forte atividade econômica, grande diversidade populacional e um fenômeno moderno que tem afetado diretamente a sensação de tranquilidade: a disseminação de vídeos, relatos e imagens de crimes nas redes sociais, frequentemente sem checagem, sem contexto e sem responsabilidade.

O que antes era uma legítima preocupação com a segurança, hoje, em muitos casos, se converte em alarmismo. A viralização de conteúdos isolados, que não representam a realidade do bairro, acaba criando uma percepção distorcida de caos e de descontrole, mesmo quando os indicadores mostram melhora. A informação, quando mal utilizada, deixa de ser aliada e se torna combustível para o medo.

A imprensa profissional, apesar da pressão por audiência, ainda opera com filtros éticos, apuração, checagem e contextualização. Já nas redes sociais, o critério é outro: o que vale é o que viraliza. A lógica é emocional, não informativa. O conteúdo que impacta mais — e não o que mais esclarece — acaba dominando as métricas digitais, contaminando o sentimento coletivo.

Estudiosos como Marcos Rolim destacam que a sensação de insegurança pode ser fabricada, intensificada e distorcida pela repetição de conteúdos alarmistas. Nos anos 1990, nos Estados Unidos, pesquisas mostraram redução de indicadores de criminalidade, mas a maioria das pessoas continuava acreditando no aumento da violência. Por quê? Porque suas referências vinham da mídia e não da realidade vivida. Esse fenômeno, embora antigo, se tornou ainda mais potente com as redes sociais.

Esse mesmo comportamento foi identificado recentemente em Jardim Camburi. Na última reunião do Conselho Comunitário de Segurança com Cidadania (Conseg JC), representantes da 12ª Companhia Independente da Polícia Militar apresentaram dados oficiais demonstrando redução de roubos a pedestres em relação ao mesmo período do ano anterior, inexistência de “ondas de arrastão” — apesar da grande circulação desses boatos — e aumento de prisões e apreensões. Ou seja, a presença policial e a eficiência operacional melhoraram. Mais prisões não significam aumento de criminalidade, mas sim maior efetividade das ações.

Casos muito compartilhados nas redes, como furtos em condomínios, foram atribuídos a um único indivíduo, reincidente, com dependência química, já identificado e responsabilizado. A 5ª Delegacia de Polícia instaurou procedimento, solicitando sua responsabilização criminal e encaminhamento à internação compulsória ao judiciário. Apesar disso, o episódio ganhou dimensão incorreta nas redes sociais, criando a impressão de que havia “uma quadrilha atuando”. A desinformação transformou um caso pontual em sensação de medo comunitário.

O professor Gaudêncio Torquato, referência em comunicação organizacional, explica que a imagem atua no campo dos símbolos e emoções, e que a narrativa repetida, mesmo sem base factual, molda o imaginário coletivo. Quando cenas de crimes se multiplicam nas redes sociais, mesmo que isoladas, acabam causando a impressão de que tudo está pior — mesmo quando os fatos, os dados e a ação comunitária demonstram melhoras.

Esse cenário revela que a segurança pública não é feita apenas por meio de prisões, patrulhamento e tecnologia. Ela envolve, decisivamente, comunicação, confiança e participação social. Por isso, o trabalho desenvolvido pelo Conseg Jardím Camburi tem se destacado. A integração entre Polícia Militar, Polícia Civil, Polícia Penal, Guarda Municipal, secretarias da Prefeitura de Vitória (Segurança Urbana, Meio Ambiente, Saúde e Assistência Social), associações de moradores, lideranças comunitárias e sociedade civil tem promovido um modelo de corresponsabilidade na segurança pública.

Esse modelo dialoga com o conceito ampliado de ordem pública, que abrange três pilares: salubridade pública, tranquilidade pública e segurança pública. Não basta combater o crime. É preciso garantir condições de convivência harmoniosa, proteção social, urbanismo ordenado, acolhimento de vulneráveis, cuidado ambiental e, sobretudo, informação responsável.

Assaltante rouba celular e agride senhor em Jardim Camburi
Assaltante rouba celular e agride senhor em Jardim Camburi em maio deste ano. Crédito: Videomonitoramento

Informar é essencial. Alarmar, não. A exposição sensacionalista de crimes nas redes sociais pode prejudicar investigações, criar pânico, difundir boatos e minar a confiança nas instituições. Por outro lado, a divulgação equilibrada, legítima e responsável fortalece o tecido social, promove transparência e apoia a prevenção.

Jardim Camburi prova que segurança pública não se constrói apenas com viaturas. Ela se constrói com comunidade, diálogo, inteligência, participação e comunicação consciente. O medo divide; a informação responsável aproxima. Como escreveu Antonio Gedeão:

“Onde Sancho vê moinhos, Dom Quixote vê gigantes.”

A forma como vemos — e comunicamos — a realidade define o que ela será.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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