Quando se fala em saneamento básico, é comum pensar apenas em obras locais: uma nova rede de esgoto no bairro, uma estação de tratamento no município vizinho, ou a melhoria no abastecimento de água de uma cidade específica. Mas o desafio do saneamento ultrapassa os limites geográficos e administrativos. Ele exige visão integrada, cooperação entre municípios e uma gestão regional eficiente. E é exatamente isso que propõe o modelo de saneamento regionalizado, previsto no novo marco legal do setor.
A ideia é simples, mas poderosa: rios, aquíferos e bacias hidrográficas não respeitam divisas políticas. A água que corre em um município hoje pode atravessar outros cinco amanhã. O esgoto lançado sem tratamento em uma cidade contamina o rio que abastece a cidade vizinha. Portanto, é impossível resolver os problemas ambientais e de saúde pública de forma isolada. O que afeta um, atinge todos.
O modelo regionalizado, ao integrar os serviços de coleta e tratamento de esgoto, cria condições para um planejamento mais racional, escalas de investimento maiores e maior eficiência operacional. Ele também facilita o acesso a recursos federais e atrai investimentos privados, por meio de concessões e parcerias público-privadas (PPPs), fortalecendo a capacidade técnica e financeira das regiões envolvidas.
Mais do que uma questão de gestão, o saneamento regionalizado é uma estratégia de sobrevivência ambiental. Os rios brasileiros estão adoecendo. Em muitos casos, mais de 70% da poluição vem de esgoto doméstico lançado sem qualquer tipo de tratamento. E não basta que uma cidade faça sua parte: se o município vizinho continuar despejando resíduos sem controle, o problema persiste para todos.
No Espírito Santo, a aplicação prática dessa visão já está em curso com a PPP de esgotamento sanitário da Cesan, que integra municípios em dois grandes blocos. O Bloco 1, que inclui a capital Vitória, receberá R$ 1,08 bilhão em investimentos e R$ 3,85 bilhões em custos operacionais ao longo de 25 anos. O Bloco 2, com cidades como Guarapari e Viana, contará com R$ 399,6 milhões em investimentos e R$ 1,39 bilhão em operações por 23 anos.
O projeto promove a universalização da coleta e tratamento de esgoto com destaque para as bacias dos rios Santa Maria da Vitória e Jucu, fundamentais para o abastecimento da Grande Vitória. Essa iniciativa garante que o esgoto seja interceptado e tratado de forma integrada, preservando os cursos d’água que cortam diversos municípios.
Esse esforço de integração no saneamento encontra respaldo institucional no Espírito Santo, que desde 2021 conta com a Microrregião de Águas e Esgoto do Estado do Espírito Santo (MRAE-ES), instituída pela Lei Complementar Estadual nº 971/2021. A MRAE-ES reúne os 78 municípios capixabas em um modelo de governança compartilhada, com o objetivo de promover a gestão associada dos serviços de saneamento, em consonância com os princípios da regionalização estabelecidos pelo novo Marco Legal do Saneamento (Lei nº 14.026/2020).

O Colegiado Microrregional, composto por representantes do Estado e pelos prefeitos municipais, exerce função deliberativa e normativa, sendo responsável pela aprovação de metas, padrões e diretrizes que asseguram decisões técnicas, integradas e sustentáveis. Essa estrutura fortalece a capacidade de planejamento conjunto, garantindo soluções mais eficientes e equitativas para os desafios comuns vivenciados pelos municípios capixabas, além de posicionar o Espírito Santo como referência nacional na implementação efetiva da regionalização.
Além disso, regiões metropolitanas ou aglomerados urbanos enfrentam realidades interdependentes: trabalhadores que vivem em um município e trabalham em outro, famílias que consomem água de sistemas compartilhados e empreendimentos industriais e turísticos que afetam múltiplas localidades. A infraestrutura de saneamento precisa acompanhar essa dinâmica.
Com a regionalização, é possível criar blocos de municípios que compartilham soluções e que pensam o território de forma articulada. Um exemplo prático é o tratamento conjunto do esgoto ao longo de um rio. Em vez de cada cidade construir uma estação de tratamento em seu perímetro, pode-se criar um sistema integrado com maior capacidade, menor custo por metro cúbico tratado e maior impacto ambiental positivo.
Do ponto de vista da saúde pública, os ganhos também são evidentes. Menos esgoto lançado in natura significa menos doenças de veiculação hídrica, como hepatite, cólera e diarreia, que ainda afetam milhões de brasileiros. Estudos mostram que cada real investido em saneamento retorna até quatro reais em economia com saúde.
Portanto, a regionalização do saneamento não é apenas uma diretriz técnica: é uma exigência ética, ambiental e social. Exige diálogo entre municípios, liderança estadual, participação das comunidades e compromisso com o futuro. É pela via da cooperação que conseguiremos recuperar nossos rios, proteger nossas fontes de água e garantir dignidade à população.
Se queremos um país mais justo, saudável e sustentável, devemos tratar o saneamento como um desafio coletivo — e a regionalização é o caminho para isso.
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