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É padre e pároco da paróquia Santa Teresa de Cacultá 

Perseguição policial com tiros é lembrada em dia de Santa Teresa de Calcutá

Ficamos perplexos, estarrecidos e, mesmo diante de tamanha tragédia, não ouvimos uma palavra sequer nem do governador  nem do prefeito de Vitória

  • Kelder José Brandão Figueira É padre e pároco da paróquia Santa Teresa de Cacultá 
Publicado em 03/09/2023 às 10h30

Celebramos nesta semana, na próxima terça-feira, dia 5, a vida de Santa Teresa de Calcutá, padroeira da paróquia que compreende as comunidades do Território do Bem, em Vitória. A vida de Santa Teresa de Calcutá foi marcada pela entrega total a Deus e uma confiança inabalável na providência divina.

Fiel ao amor de Deus, Santa Teresa de Calcutá perdeu a vida opaca, sem brilho, de conforto e segurança que tinha, educando as filhas dos abastados ingleses que exploravam os pobres da Índia. E teceu uma vida nova, resplandecente, plena de sentido e da graça de Deus, andando pelas ruas de Calcutá e das periferias do mundo, junto com suas irmãs, as Missionárias da Caridade, cuidando dos mais excluídos dentre os excluídos, os não amados e não queridos, como ela os chamava.

As ações de Santa Teresa de Calcutá junto aos mais empobrecidos e abandonados fez de sua vida “um sacrifício vivo, santo e agradável a Deus”. Um verdadeiro “culto espiritual”. Ela não se conformou com o mundo e procurou transformá-lo, transformando a si mesma “na maneira de pensar e de agir, procurando distinguir a vontade de Deus, isto é, o que é bom, o que lhe agrada, o que é perfeito”, como exorta São Paulo à Comunidade dos Romanos (Rm 12, 1-2).

Durante os onze dias de preparação para a Festa de Nossa Padroeira, nós peregrinamos pelas comunidades, subindo e descendo morros e escadarias, andando pelas baixadas e pelas praças, indo em todos os cantos de nossa paróquia. Fizemos um movimento lindo, vibrante e potente, rezando pela paz, enfrentando a escuridão da noite e as trevas da violência; a chuva bendita que molha a terra e os tiros malditos que matam a vida; desafiando o medo e a morte, para dar um testemunho autêntico e fiel da nossa fé em Deus e da nossa confiança na intercessão de nossa padroeira Santa Teresa de Calcutá.

Durante onze dias a nossa padroeira caminhou conosco, nas suas relíquias sagradas, um simples e frágil fio de cabelo, muito semelhante à nossa fé que é simples e frágil, mas que resiste ao tempo e às ameaças que nos são impostas, quando nos comprometemos com o Reino de Deus. Nossos hinos e preces pelas ruas da paróquia silenciaram os fuzis, rifles e pistolas.

Nesses dias, unidos pela fé e comprometidos com a vida, denunciamos as injustiças e maldades que são praticadas em nosso meio, principalmente, pelos agentes de segurança pública, que deveriam cuidar e proteger a vida do povo, em especial, a vida dos mais vulneráveis e empobrecidos, como tem acontecido em nossa paróquia e demais periferias da Grande Vitória, com a política de violência e morte, que testemunhamos diariamente em nosso Território.

Movimentação policial e de equipes de socorro na Avenida Leitão da Silva, em Vitória
Movimentação policial e de equipes de socorro na Avenida Leitão da Silva, em Vitória. Crédito: Leitor | A Gazeta

Com nossa padroeira Santa Teresa de Calcutá, aprendemos que qualquer vida deve ser defendida e cuidada, não nos cabendo escolher quem pode e deve viver, pois qualquer forma de vida é uma vida. Contraditoriamente a isso, o tiroteio que aconteceu na tarde da última segunda-feira (28) envolvendo a Guarda Municipal e a Polícia Militar, deixou novamente um rastro de sangue, com pessoas mortas e feridas e colocou em risco diversas vidas, além de disseminar o terror pelas casas invadidas pela polícia, demonstrando a irresponsabilidade e o despreparo dos agentes de segurança, tanto do Município, quanto do Estado, mostrando que eles têm transformado a Grande Vitória em um parque de bangue-bangue.

Ficamos perplexos, estarrecidos e, mesmo diante de tamanha tragédia, não ouvimos uma palavra sequer nem do governador  nem do prefeito de Vitória. O sangue que está sendo derramado nas ruas de nossa paróquia recairá sobre eles, da mesma maneira que o sangue de Cristo derramado nas ruas de Jerusalém recaiu sobre todos que gritaram crucifica-O! Como também recaiu sobre Pilatos, que lavou as mãos diante do sangue inocente derramado.

Todos que se calam e que se omitem diante da violência que está sendo praticada no meio dos empobrecidos pelos agentes de segurança pública são cúmplices dessa violência, principalmente, quem exerce função pública. E nós nos tornamos cúmplices e alimentamos a tirania e o cinismo quando tentamos justificar o injustificável. Quem pode determinar e julgar de antemão o valor de uma vida? Que humanidade é essa e que cristãos somos nós que não nos sensibilizamos com o sangue de morte de um outro vivente e nos silenciamos quando os mortos são pobres, negros, alguns deles chamados de criminosos?   

As experiências do viver e os encontros que vivenciamos sempre podem nos deslocar, mudar os nossos rumos que traçamos, pois nada nessa vida está dado como definitivo, nem supostamente o bem, nem supostamente o mal. É certo que as autoridades públicas não responderão à dita justiça dos homens, porque as leis são feitas por elas e para beneficiá-las, mas elas não escaparão da justiça divina.

Como Santa Teresa de Calcutá fez deixando-se seduzir pelo amor de Deus, percamos a nossa vida, para encontrá-la em Cristo, desprezando o que passa, para obtermos o que é eterno. E o que é eterno não tem medida, o que é eterno é o amor que tecemos e expressamos ao não julgar de antemão quem merece nosso cuidado e proteção. Que Santa Teresa de Calcutá continue guiando nossos passos nesse Território do Bem, do amor maior.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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