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É servidor público federal. Graduado em Direito pela FDV. Pós-graduado em Direito Civil

Passaporte da vacina: liberdade de ir e vir constitucional não é absoluta

Não há coerção vacinal, mas prevalece um livre-arbítrio para que cada um adote as decisões que considere mais adequadas. No entanto, como qualquer ato praticado em sociedade, possíveis ônus podem advir de tais decisões

  • Alexandre Fortuna Lopes É servidor público federal. Graduado em Direito pela FDV. Pós-graduado em Direito Civil
Publicado em 14/10/2021 às 02h02
Vacinação contra a Covid
Passaporte da vacina será exigido em eventos no ES. Crédito: Pixabay

A atual pandemia do vírus Sars-CoV-2 (Covid-19) e a gênese do esquema vacinal como medida hábil a conter o potencial de disseminação do vírus fizeram emergir inúmeros questionamentos a respeito da pertinência de um passaporte vacinal, bem como da legitimidade jurídica de tal medida.

No cenário de incontáveis óbitos e severo impacto na economia mundial resultante das medidas emergenciais para conter o poder destrutivo do Sars-CoV-2, o desenvolvimento célere de vacinas tornou-se premente para a retomada da “vida normal”. Assim, a comunidade científica global reuniu esforços intelectuais e materiais em torno do desenvolvimento dos imunizantes.

A rápida produção das vacinas gerou desconfianças em parcela da sociedade e a propagação de um segundo vírus: o da desinformação. Tal fenômeno enseja a veiculação de diversas fake news em torno da segurança e da eficácia dos imunizantes.

Esse movimento faz com que muitos países adotem estratagemas para incentivar tal parcela da população a se vacinar, de forma a poder se alcançar a imunidade de rebanho vacinal. Ao lado de sorteios e entradas gratuitas em atrações turísticas para quem se vacinasse, lançou-se mão do passaporte da vacina como documento de demonstração obrigatória para acessar desde partidas esportivas até como requisito para manutenção de contrato de emprego.

Algo que se assemelha, em grande medida, ao que o Brasil enfrentou na Revolta da Vacina no início do século XX, em que a comprovação de vacinação contra a varíola era indispensável para inúmeros atos da vida civil. Paralelamente, a população rejeitava o imunizante à época e, como o vírus, alastraram-se fake news como a de que a vacina gerava feições bovinas nos vacinados.

Pouco mais de um século depois e com expressivos avanços em termos científicos, os problemas são parecidos. A população brasileira até então só se via compelida a se vacinar em viagens a determinados destinos estrangeiros, como na exigência de imunização em relação à febre amarela.

No que tange à faixa etária infantil, essas exigências são mais usuais, na medida em que o Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que a vacinação é dotada de obrigatoriedade, sendo a sua desobediência passível de penalização por multa. A matrícula em escolas é um dos exemplos em que a obrigatoriedade da carteira vacinal completa, para cada faixa etária, faz-se presente no nosso Estado do Espírito Santo e em São Paulo. Também é medida vinculante para o pagamento do salário-família.

Diante dessas celeumas, o Supremo Tribunal Federal (STF), em fins de 2020, decidiu que a vacinação forçada não é possível, mas que são constitucionais sanções e restrições aos cidadãos que recusem a vacinação contra a Covid-19. De forma complementar, o STF entendeu, recentemente, que a exigência do passaporte de imunização no município do Rio de Janeiro é perfeitamente válida.

É preciso entender-se que a liberdade de ir e vir consagrada constitucionalmente não é absoluta, tampouco se sobrepõe a todos os outros direitos fundamentais. A esse respeito, Immanuel Kant ensinava que a liberdade de arbítrio apenas seria justa se coexistisse com a liberdade alheia, que não poderia ser vulnerada.

Em confronto com a liberdade de ir e vir dos não vacinados em uma pandemia, depara-se a garantia do direito à saúde coletiva e até mesmo à vida, bem como o princípio constitucional da solidariedade. Aliás, a compreensão correta para combater um vírus pandêmico é de que todo o esforço para extirpá-lo e minorar os danos sociais deve ser coletivo, não bastando atos individuais isolados no esforço de conter a circulação do vírus.

A analogia ventilada sobre essa situação consagra o raciocínio apresentado: a liberdade individual de usar bebida alcoólica e posteriormente dirigir precisou ser cerceada em prol do direito coletivo a um trânsito mais seguro.

Conclui-se que não há uma coerção vacinal, mas prevalece um livre-arbítrio para que cada um adote as decisões que considere mais adequadas em suas convicções. No entanto, como qualquer ato que seja praticado em sociedade, possíveis ônus podem advir de tais decisões: é o que acontece com o passaporte vacinal.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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