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É advogada trabalhista e previdenciária

O que a pejotização diz sobre a nova realidade das relações trabalhistas

Do ponto de vista jurídico, a pejotização pode até aumentar a segurança contratual e a liberdade para ajustar relações de trabalho de acordo com a realidade de cada setor, mas há ressalvas

  • Edilamara Rangel É advogada trabalhista e previdenciária
Publicado em 11/07/2025 às 14h42

A pejotização é a prática de mascarar relações empregatícias como uma prestação de serviços por pessoa jurídica, com o objetivo de evitar o pagamento de encargos trabalhistas e previdenciários. O termo "pejotizar" surgiu para descrever a ação de transformar um trabalhador em pessoa jurídica.

Essa nova demanda produz uma expansão de processos que reflete mais a institucionalização de relações de trabalho precárias do que um empreendedorismo genuíno. A transformação do trabalhador em "empresário de si mesmo" não representa emancipação, mas sofisticação dos mecanismos de exploração.

Os dados são impactantes: segundo o Tribunal Superior do Trabalho (TST), houve um aumento de 57% no volume de ações em 2024, comparado ao ano anterior, cuja razão gira em torno das mudanças do empregador em relação ao empregado após a reforma trabalhista.

Sob o argumento de fraude à relação trabalhista, profissionais registrados como pessoa jurídica (PJ) ou autônomos têm ido à Justiça do Trabalho em busca do reconhecimento de direitos. Do ponto de vista jurídico, a pejotização pode até aumentar a segurança contratual e a liberdade para ajustar relações de trabalho de acordo com a realidade de cada setor, mas há ressalvas.

Vale lembrar que o ordenamento brasileiro consagra princípios como a livre iniciativa e a autonomia contratual, assegurados constitucionalmente. Quando bem utilizada, a contratação PJ nada mais é que o exercício desses princípios — empresa e profissional acordando livremente os termos de uma prestação de serviço.

Muitos juristas apontam que a legislação trabalhista vigente, a CLT de 1943, não acompanhou as evoluções sociais e econômicas das últimas décadas. Com mais de 80 anos, a CLT resiste à modernização. A pejotização, porém, é um fenômeno mais amplo de mercantilização do trabalho.

Esse fenômeno ganhou popularidade entre as empresas brasileiras em busca de flexibilidade, redução de encargos trabalhistas e tributários e economia de custos. Em 2017, a reforma trabalhista causou mudanças substanciais na legislação, facilitando a terceirização de atividades-fim das empresas e a contratação de trabalhadores como MEIs ou pessoas jurídicas.

Essa flexibilização abriu caminho para a "pejotização", a fim de explorar oportunidades oferecidas por esse novo cenário legal, abandonando os elementos que caracterizam a relação empregatícia - não eventualidade, subordinação, onerosidade e pessoalidade.

Carteira de trabalho digital
Carteira de trabalho digital. Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O grande problema é que estão sendo admitidas como legítimas situações nas quais empresas são constituídas com o único propósito de fraudar a lei trabalhista. Ocorre que, além de terceirizar atividades para empresas com funcionários e capital social relevantes, passou a ser prática comum no Brasil a contratação de micro e pequenas empresas (MPE) compostas apenas por seu sócio-proprietário. A quem interessa uma nação de trabalhadores sem direitos? Pejotizar significa muitas vezes comprometer brutalmente a arrecadação tributária e previdenciária, reduzindo a capacidade estatal de financiar políticas públicas essenciais.

É importante que empresas e trabalhadores avaliem cuidadosamente os riscos e benefícios dessa modalidade de contratação, buscando orientação jurídica para evitar problemas futuros. Além disso, a discussão sobre a pejotização deve levar em consideração a necessidade de garantir a proteção dos direitos trabalhistas e a sustentabilidade do sistema previdenciário.

Por isso, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu todos os processos que tratam da legalidade ou não da pejotização, enquanto avalia o tema. Essa decisão pode trazer mais clareza sobre o assunto, influenciando a futura jurisprudência em torno dessa questão.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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