O Supremo Tribunal Federal está prestes a alterar radicalmente o sistema trabalhista brasileiro tornando válida, ao que tudo indica, de forma geral, a chamada “pejotização”. A partir dessa decisão as empresas poderão escolher livremente entre contratar empregados, com direito a férias, décimo terceiro, jornada máxima diária de oito horas, aviso prévio, licenças-médicas, cuidarem da segurança dos trabalhadores ou, então, mandarem o trabalhador abrir uma microempresa individual (MEI) e o contratarem tendo como único custo o valor do serviço. Difícil acreditar que alguma empresa escolherá a primeira opção com o risco do seu concorrente escolher a segunda.
Caso se confirme a decisão do STF, o mais provável é que gradualmente toda a força de trabalho passará a ser integrada por pessoas jurídicas. Empresas sem empregados não precisarão mais cumprir normas de segurança no trabalho, contratarem aprendizes e pessoas com deficiência, deixa de existir fiscalização trabalhista. Sem sindicatos de trabalhadores, adeus aos acordos e convenções coletivas de trabalho e os direitos decorrentes, como pisos salariais, planos de saúde coletivos, auxílio-alimentação, complementação de aposentadorias, entre outros.
Trata-se de abrupta eliminação de patamares mínimos de proteção aos trabalhadores, que ficarão sem normas para assegurar condições adequadas e seguras de trabalho, o encerramento de políticas públicas que vem obtendo sucesso na profissionalização de adolescentes e jovens, como a aprendizagem, e na inclusão produtiva de pessoas com deficiência, como as cotas nas empresas com mais de cem empregados.
De uma hora para outra, o Estado se afasta, acreditando que o trabalhador, que passará obrigatoriamente de empregado para pessoa jurídica, sob pena de não conseguir trabalhar, conseguirá, individualmente, garantir minimamente condições de trabalho saudáveis e seguras.
Nas últimas décadas as relações sociais passaram por transformações, como nas relações parentais, conjugais e societárias. É compreensível que a regulação das relações de trabalho também se altere, considerando novas organizações produtivas e avanços tecnológicos.
Porém, o trabalho ainda é a base de subsistência e atividade preponderante na vida da imensa maioria das pessoas. Mudanças regulatórias de porte, como a que se avizinha pela decisão do STF, não podem vir desacompanhadas de modulações ou alterações legislativas que preservem patamares mínimos de civilidade, afinal, o valor social do trabalho e a dignidade da pessoa humana continuam como pilares do nosso sistema constitucional.
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