Publicado em 15 de abril de 2025 às 05:39
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu na segunda-feira (14/04) a tramitação no país de todos os processos que discutem a legalidade da chamada "pejotização" – quando empresas contratam prestadores de serviços como pessoa jurídica (PJ), evitando arcar com os encargos trabalhistas ligados à contratação de funcionários através de vínculo formal de emprego.>
Na decisão, Gilmar Mendes argumenta que o STF tem sido sobrecarregado com demandas sobre o tema, porque a Justiça do Trabalho "descumpre sistematicamente" a orientação da Suprema Corte, que em diversos casos recentes tem decidido pela legalidade da pejotização.>
"Parcela significativa das reclamações em tramitação nesta Corte foram ajuizadas contra decisões da Justiça do Trabalho que, em maior ou menor grau, restringiam a liberdade de organização produtiva", diz Gilmar, ao justificar sua decisão.>
Em 2024, o número de reclamações trabalhistas recebidas pelo STF superou as civis pela primeira vez, representando 42% do total, conforme dados do painel Corte Aberta, citados em reportagem do portal Jota.>
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Foram 4.274 ações do tipo, um crescimento de 65% em relação a 2023 (com 2.594 reclamações) e de mais de seis vezes em relação a 2018, ano seguinte à aprovação da Reforma Trabalhista, que passou a permitir a terceirização da atividade principal das empresas.>
A decisão de Gilmar Mendes nesta segunda-feira ocorre após o plenário do Supremo reconhecer por maioria (com voto contrário de Edison Fachin) a repercussão geral do assunto – quando os ministros selecionam um processo para que seu desfecho sirva de parâmetro para todos os casos semelhantes, unificando o entendimento da Justiça brasileira sobre um determinado tema.>
Entenda o que está em jogo na decisão que paralisou milhares de processos trabalhistas em todo o país.>
O caso escolhido pelo Supremo para ter repercussão geral discute se um franqueado da seguradora Prudential deve ter o vínculo empregatício reconhecido.>
A ação foi julgada improcedente pela Justiça do Trabalho e o corretor de seguros interpôs um recurso extraordinário junto ao Supremo.>
Ao julgar o caso como de interesse geral, o STF deve decidir três questões, para além da validade ou não desse contrato:>
E de quem deve ser o ônus da prova para eventual caracterização de fraude, se do trabalhador ou do contratante.>
Embora o caso concreto discuta contratos de franquia, Gilmar Mendes deixou claro que a discussão não estará limitada apenas a esse tipo de contrato.>
Segundo o relator, "é fundamental abordar a controvérsia de maneira ampla, considerando todas as modalidades de contratação civil/comercial", frisou ele, no reconhecimento da repercussão geral.>
Até 2017, a interpretação sobre a terceirização era ditada pela Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que considerava lícita a terceirização de atividades-meio (aquelas não ligadas ao objetivo principal de uma empresa), mas ilegal a terceirização da atividade-fim>
Por exemplo, uma fábrica de sapatos poderia terceirizar a segurança e a limpeza da fábrica, mas não a fabricação de sapatos em si.>
A Reforma Trabalhista de 2017, porém, tornou legal a terceirização de toda e qualquer atividade.>
No ano seguinte à aprovação da reforma, um novo entendimento foi consolidado pelo STF, que decidiu então que a terceirização era possível de forma ampla e irrestrita – sem fazer a diferenciação entre atividade-meio e atividade-fim, como previsto na Súmula 331 do TST.>
Em 2022, o STF decidiu pela primeira vez pela legalidade da pejotização, num caso envolvendo a contratação de médicos como pessoa jurídica por um hospital de Salvador (BA).>
A diferença aqui é que, na terceirização clássica (tema da decisão de 2018), há uma empresa intermediária entre contratante e trabalhador. Já na pejotização, o vínculo entre as partes é direto, com o trabalhador constituindo empresa (como uma MEI, por exemplo) para prestar serviço ao empregador – o que a Primeira Turma do STF entendeu também ser lícito naquele ano de 2022.>
Ao longo dos anos seguintes, as duas turmas do STF tomaram decisões diversas reiterando a legalidade da terceirização via pejotização, e com placares cada vez mais favoráveis à tese, lembra o advogado trabalhista e professor de pós-graduação do Insper, Ricardo Calcini.>
Apesar das reiteradas decisões do STF, a Justiça do Trabalho seguiu tomando decisões em que reconhecia o vínculo empregatício em casos de pejotização considerados fraudulentos.>
E como o Supremo passou a aceitar reclamações com relação ao tema, as empresas, ao invés de discutirem a questão no âmbito da Justiça do Trabalho, passaram a recorrer diretamente ao STF.>
Isso inundou o Supremo de reclamações constitucionais de natureza trabalhista, fazendo da Corte uma instância revisora da Justiça do Trabalho, observa Calcini.>
Em meados de 2024, com as reclamações trabalhistas superando as processuais civis no STF, Gilmar Mendes começou em seu gabinete a declinar a competência para julgar esses casos, devolvendo-os à Justiça comum – ora sendo vencedor, ora vencido nas decisões da Segunda Turma quanto a isso.>
Calcini avalia que o STF já poderia ter decidido antes pela repercussão geral do tema mas, na sua avaliação, o que mudou agora é que o TST estava prestes a discutir a licitude da pejotização em caráter vinculativo.>
Assim, os ministros do STF podem ter antecipado a discussão, imaginando que a decisão do TST pudesse ser contrária à opinião do Supremo. Com isso, a discussão no TST e no país inteiro foi paralisada, e a Suprema Corte terá a palavra final.>
"Para tudo", resume o professor do Insper.>
"Todos os processos que discutam essa relação de vínculo de emprego via pejotização, nessa temática da terceirização, ele [Gilmar Mendes] mandou parar, sem diferenciar instâncias.">
Em 2025, só até fevereiro, foram ajuizados 53.678 novos casos envolvendo reconhecimento de relação de emprego, o que coloca o tema em 15º lugar no ranking dos que mais levam as pessoas à Justiça do Trabalho, segundo estatísticas disponíveis no site do TST.>
No ano inteiro de 2024, foram 285.055 novos casos, um crescimento de 89% em relação a 2018, quando foram registrados 150.500 processos envolvendo reconhecimento de vínculo de emprego e o tema ainda ocupava a 25ª posição no ranking dos assuntos mais recorrentes.>
O crescimento do número de casos coincide com a vigência da reforma trabalhista, cuja lei foi aprovada em 2017, e que passou a permitir a terceirização da atividade-fim das empresas.>
"Quando a reforma permite a terceirização, existia a dúvida se essa permissão trazida pela lei seria considerada lícita ou não, à luz do entendimento que existia até então", lembra Calcini.>
Em 2018, quando o Supremo chancela a questão da terceirização, a lei ganha um "sinal verde", considera o advogado trabalhista.>
A partir daquele momento, as empresas, por uma questão financeira – para reduzir custos como o pagamento de plano de saúde, vale-refeição, vale-transporte, Participação nos Lucros e Resultados (PLR) e outros ligados ao emprego formal, conforme previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) –, passam a adotar com mais frequência contratos de pejotização com seus colaboradores.>
"O número de ações cresce por conta disso, porque as empresas mudam a forma de contratação e muitas pessoas passam a judicializar esse tipo de discussão", diz Calcini.>
O advogado trabalhista lembra que a pejotização hoje envolve desde trabalhadores altamente qualificados, com ensino superior e altos salários – como empresários, médicos, advogados e outros profissionais liberais PJ –, até pessoas que ganham um salário mínimo.>
Calcini avalia que, com a paralisação dos processos em âmbito nacional, deve haver uma mobilização institucional – por parte da Justiça trabalhista, de entidades de classe, das associações patronais e da própria Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – para que o STF julgue o caso rapidamente.>
No entanto, ele observa que, pelo histórico de outras ações do Supremo com repercussão geral na área trabalhista, é improvável que uma decisão saia já esse ano, o que jogaria a questão para 2026.>
Além disso, avalia Calcini, as empresas devem ver a decisão de Gilmar Mendes como um sinal de que o Supremo provavelmente vai reconhecer a legalidade da pejotização, o que pode acelerar esse tipo de contratação.>
Quando o STF tomar sua decisão, o impacto da medida vai depender do que for decidido e se haverá modulação da decisão. Por exemplo, se o reconhecimento da licitude da pejotização passa a valer somente para novos casos, ou se retroaje, englobando também casos já em tramitação ou até mesmo aqueles já decididos.>
"Estamos numa situação de muita imprevisibilidade do que vai acontecer", diz Calcini.>
"Acredito que o que o Supremo, ao tentar resolver um problema que é o número excessivo de reclamações que ele decide, prejudicou todo o sistema, que é muito maior do que o Supremo, com todo o respeito à Corte", opina o advogado trabalhista.>
"Isso paralisa o trabalho de todo mundo, do Judiciário e da advocacia. E quem é o principal prejudicado é a parte [empresas e trabalhadores, que são partes nos processos trabalhistas], então o impacto é realmente enorme.">
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