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É professora universitária, advogada, mestre em Direitos e Garantias Fundamentais e doutoranda em Estudos de Gênero pela Universidade de Lisboa

Neste Dia dos Namorados, não se esqueça do seu amor-próprio

Neste Dia dos Namorados que nenhum romantismo apague sua lucidez e que seu maior compromisso seja com aquilo que nos mantém vivas, livres e inteiras

  • Vanise Lima e Silva Cavalheiro É professora universitária, advogada, mestre em Direitos e Garantias Fundamentais e doutoranda em Estudos de Gênero pela Universidade de Lisboa
Publicado em 12/06/2025 às 11h39

“Na nossa cultura, os homens aprendem a amar muitas coisas; já as mulheres aprendem a amar os homens.”

As palavras contundentes da professora e psicóloga Waleska Zanello, em sua obra “Nas Prateleiras do Amor”, merecem nossa atenção.

De fato, o processo de subjetivação das meninas é bastante diferente do dos meninos. Em nossa cultura, as meninas são educadas para o amor romântico desde muito cedo. Elas aprendem, nos contos de fadas, que a felicidade dependerá da chegada do príncipe encantado, cujo ápice será o casamento — e então, “viveram felizes para sempre.”

Os modelos socialmente construídos a partir das princesas ensinam que as meninas devem sonhar com um amor eterno, comportar-se de forma dócil e valorizar a aparência. As personagens femininas que detêm algum poder, protagonismo, conhecimento ou autonomia são geralmente retratadas como bruxas, madrastas cruéis ou vilãs.

Zanello afirma ainda que as meninas se subjetivam na “prateleira do amor”, a partir do chamado dispositivo amoroso. A metáfora da prateleira é perfeita e tem total ligação com a ideia de amor romântico que forja as meninas-princesas. Elas não podem escolher; ao contrário, são escolhidas. E o pior: nem todas estarão no mesmo lugar da prateleira. O posicionamento de cada uma dependerá de diversos fatores, como peso corporal, idade, cor da pele, entre tantas outras intersecções. Os lugares mais “privilegiados” da prateleira pertencerão àquelas que mais se adequarem ao ideal estético vigente — ou seja, branca, loira, magra, jovem.

Como mãe de uma menina, hoje quase mulher, tentei educar minha filha mostrando que ela pode, sim, ser protagonista de sua própria história — seja nos estudos, seja na vida amorosa. Espero que ela nunca aceite esse lugar na prateleira do amor; ao contrário, que tenha uma postura ativa diante da vida. Sempre digo a ela que o amor é potência, é energia, é beleza — nunca deve ser aprisionamento ou controle. Ela não precisa se diminuir para caber na vida de ninguém.

O apóstolo Paulo disse isso na Primeira Carta aos Coríntios, capítulo 13: o amor não arde em ciúmes, não maltrata, é paciente, não se alegra com injustiças, mas celebra a verdade. No entanto, a romantização socialmente construída tem adoecido as relações amorosas em nosso tempo — e não é raro ouvir meninas dizendo: “Se ele não sente ciúmes, é porque não gosta de você”.

Dia do amigo: amigas
Que as meninas aprendam a se nutrir inclusive de outras fontes de afeto. Crédito: Shutterstock

A boa notícia é que até as princesas já estão acordando — e, melhor ainda, sem o beijo do príncipe. Isso se deve às críticas feministas e à luta pela igualdade de gênero. Afinal, as meninas já não consideram justo que a princesa precise perder a sua voz ou sair do seu reino, como fez Ariel, para humanizar-se por causa de um amor romântico.

Hoje já temos outros modelos de princesas: Moana, cujo objetivo é ultrapassar os recifes e defender seu território; Tiana, que quer abrir seu próprio restaurante; Merida, que luta por sua independência e pelo direito de escolha. E que bom que podemos reconstruir os processos que nos formam. Princesas podem ser corajosas, exercer liderança e até salvar a si mesmas.

Nesse novo cenário, o amor romântico deixa de ser o centro; a beleza, de ser o destino — e isso é mais saudável tanto para meninas quanto para meninos.

Neste Dia dos Namorados que nenhum romantismo apague sua lucidez e que seu maior compromisso seja com aquilo que nos mantém vivas, livres e inteiras.

É preciso ressignificar — e, se necessário, desconstruir — porque o que está posto não nos tem levado a bom termo. Os números não nos são favoráveis: de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 24% das adolescentes sofrerão violência física ou sexual por parte de um parceiro até os 20 anos. As meninas precisam se instruir sobre as formas de violência — às vezes sutis, travestidas de “zelo” e “cuidado” — e precisam estar atentas aos sinais desde cedo.

Que, nesta semana de celebração — mesmo que promovida por interesses comerciais —, haja espaço para rodas de conversa nas escolas, nas famílias, e que cada menina seja convidada a escrever uma linda carta de amor, sim, de amor-próprio. Porque só o autocuidado poderá livrá-la das armadilhas desse processo.

Namorar pode ser uma delícia — e é! Ficar bem juntinho de quem a gente gosta, trocar carinho, ter uma parceria para viver momentos bons e dividir os pesares da vida. Mas é preciso certificar-se de que não estamos em um relacionamento abusivo. Que as meninas aprendam a se nutrir inclusive de outras fontes de afeto, pois não há nada mais potente do que uma roda de amigas reunidas para partilhar amizade, cuidado e diversão. E não se esqueçam: nenhum aliado se sente intimidado pelo seu poder. Se alguém tenta te diminuir, levante-se e fuja — o quanto antes.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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