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É advogado e professor de Direito Penal e Processo Penal, mestre em História Social das Relações Políticas pela Ufes

Limitação de decisões monocráticas no STF: remédio que cura também pode matar

É sobre essa mania de aprovar coisas importantes, que poderiam aprimorar as instituições, sem o devido debate e em momentos inadequados que precisamos pensar.

  • Lucas Francisco Neto É advogado e professor de Direito Penal e Processo Penal, mestre em História Social das Relações Políticas pela Ufes
Publicado em 27/11/2023 às 15h08

“O remédio que cura também pode matar”, ditado que virou samba na composição "Minha Filosofia", de Aluísio Machado, é um bom resumo quando tentamos explicar as decisões monocráticas, seus críticos e defensores e a investida do Senado para limitar sua abrangência. Ninguém, absolutamente ninguém, reclama quando em decisão monocrática um ministro ou desembargador concede um pedido. O problema é quando a decisão é desfavorável.

Como destacou o ministro Gilmar Mendes em seu discurso na abertura da sessão do STF, imediatamente, posterior à aprovação da PEC pelo Senado, o “casuísmo” é evidente. Curiosamente, a PEC não impede, por exemplo, decisões monocráticas em habeas corpus, mecanismo muitas vezes utilizado pela defesa dos mesmos agentes políticos que articulam a restrição aprovada.

Com o objetivo, ao menos declarado, de favorecer a celeridade processual, os tribunais criaram a previsão de que, quando a plausibilidade do pedido é evidente, quando a matéria já foi debatida pelo tribunal, quando o pedido encontra amplo respaldo na jurisprudência consolidada, nesses casos o relator poderá decidir monocraticamente.

Ocorre que, quando se recorre a um tribunal, o que se espera é justamente que um grupo de juízes se debruce sobre o caso e o discuta, sob várias óticas, para que a conclusão mais justa prevaleça. Isso reflete inclusive na maneira como os tribunais são formados no Brasil. Onde deve haver além de juízes de carreira, advogados e promotores. Essa regra vale em quase todos os tribunais, exceto no STF que chegou a ter em seus quadros o médico Barata Ribeiro.

Mas o que dissemos sobre a formação dos tribunais é importante para compreender o motivo de que um conselho deva ser formado para tomar as decisões. O processo decisório coletivo é inerente à democracia, traz transparência e aprimora a distribuição da justiça. De partida já podemos nos definir como defensores da colegialidade.

A conclusão lógica do que dissemos até aqui é de que defenderemos a PEC, mas não é possível seguir em defesa intransigente do texto. A uma porque é limitado e não discute a matéria como deveria, a outra, porque é absolutamente inoportuna. E é sobre essa mania de aprovar coisas importantes, que poderiam aprimorar as instituições, sem o devido debate e em momentos inadequados que precisamos pensar.

Em um momento de crise entre as instituições. Quando acabamos de viver um dos momentos mais tensos do período democrático atual. Não era a hora de uma nova crise. Consultando-se os maiores juristas desse país, poderia ser construído uma proposta de emenda à Constituição que, ao revés de ser rotulada como a PEC que limita o Supremo, poderia ser a PEC que aprimora o processo decisório no Supremo.

Em outra ocasião uma reforma seria bem-vinda, não em tom de ameaça, não enquanto se tenta discutir o fim da vitaliciedade do cargo de ministro. Não como uma retaliação. O parlamento é maior que uma demonstração de forças entre os poderes, que devem presar pela independência entre si, mas sem esquecer a harmonia. É no parlamento que o povo brasileiro expressa a sua vontade, mas jamais uma vontade “casuísta” que poderíamos comparar a uma “pirraça”.

Sessão plenária desta quarta-feira (13) no STF em que foi iniciado o julgamento de participantes dos atos de 8 de janeiro
Sessão do STF. Crédito: Carlos Alves Moura/STF

Quanto às decisões monocráticas, agradeceremos quando nossos processos forem distribuídos para um ministro que negaria o pedido e levado ao colegiado, o pedido seja concedido. Mas ficaremos desolados quando o relator é favorável ao pedido, e o concederia monocraticamente, e o colegiado negar. Como disse o samba, o mesmo remédio que cura pode matar.

A máxima vale para o modelo decisório e para a postura do Senado. Tudo em política pode ter resultados variados. E vendo a posição do presidente da Câmara, que parece não estar com tanta pressa em ver resolvida a matéria, imaginamos que poderemos aguardar muitas cenas em mais esse capítulo do folhetim televisivo em que se transmutaram as relações institucionais no Planalto Central.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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