O Brasil acompanha o julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal em relação às condutas imputadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro e a outros corréus, pela suposta prática de delitos contra o Estado Democrático de Direito.
Conforme é de conhecimento público, os interrogatórios foram realizados recentemente e chamaram a atenção pela adoção de práticas processuais que já foram verdadeiramente banidas pelas atualizações do Processo Penal brasileiro.
A análise que se segue é exclusivamente jurídica e desprovida de interesses político-partidários. Garantias fundamentais, procedimentos e formalidades são elementos de segurança jurídica a que todos têm direito. Por isso sua defesa deve ser feita sempre, e incondicionalmente, a despeito de quem possa ser a pessoa potencialmente prejudicada.
Centrando nossa análise nos interrogatórios dos réus, é possível observar, com o devido respeito, um verdadeiro retrocesso processual diante de algumas condutas adotadas pelo Supremo Tribunal Federal.
Não é de hoje a árdua luta dos advogados criminalistas para que o Poder Judiciário cumpra fielmente as normas processuais penais e as garantias fundamentais dos indivíduos acusados. O STF, por sua vez, ao invés de dar um exemplo positivo de como conduzir um processo penal, fez justamente o contrário, o que pode gerar consequências desastrosas para os processos criminais em instâncias inferiores.
Inicialmente, registra-se que os réus não foram ouvidos separadamente por ocasião de seus interrogatórios, em desacordo com o art. 191 do Código de Processo Penal: “Havendo mais de um acusado, serão interrogados separadamente”.
O objetivo dessa norma é simples: evitar que o interrogatório de um acusado influencie no interrogatório de outro, a fim de proteger, por um lado, a liberdade e a defesa pessoal, bem como o esclarecimento da “verdade”.
O aspecto mais danoso do procedimento, entretanto, reside no modo como as perguntas das partes foram formuladas.
Tanto as defesas quanto a acusação tiveram que direcionar suas perguntas ao julgador, ministro Alexandre de Moraes, em vez de fazê-las diretamente aos réus, como não só permite, mas determina a legislação processual penal, desde 2008. Note-se que houve todo um movimento que culminou com alteração legislativa exatamente para que os atores processuais e as testemunhas possam se comunicar sem a intermediação do juiz. Recusar-lhes esse direito representa violação ao art. 212 do Código de Processo Penal e é um claro retrocesso procedimental.

É preciso lembrar que, diante da lógica do sistema acusatório, as iniciativas e a produção das provas incumbem às partes, cabendo ao julgador uma atuação subsidiária. O interrogatório é o momento da defesa individual, em que o réu exerce sua autodefesa, sendo ele o verdadeiro protagonista.
É fato que esses aspectos se veem prejudicados pela transmissão ao vivo dos julgamentos, o que impõe questionamentos quanto à sua viabilidade para assegurar o correto funcionamento do processo, em conformidade com a legislação vigente. A informação é fundamental, mas não pode prevalecer sobre as garantias do cidadão submetido ao sistema penal.
O mais importante é ressaltar que a questão jamais pode ser sobre quem é o acusado, mas sim sobre os fatos apurados e o respeito ao procedimento e às garantias que todos temos como cidadãos. A violação dessas garantias coloca em risco não apenas uma pessoa ou grupo, mas toda a coletividade.
Cada um de nós pode, eventualmente, ser alvo de uma investigação ou tornar-se réu em processo criminal. É preciso que regras e garantias sejam observadas à risca para que os resultados sejam válidos e justos. Condenações à margem da lei ou punições a qualquer custo prestam, na verdade, desserviço à democracia.
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