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É advogado, professor, mestre em História Social das Relações Políticas (Ufes)

Idosa de 72 anos presa em Viana precisava ser algemada pelos pés?

Assustador ver aquela anciã, andando a passos lentos, em visível fragilidade e algemada pelos pés. Assim como os senhores faziam com seus escravos, levados a ferros, há pouco mais de um século

  • Lucas Francisco Neto É advogado, professor, mestre em História Social das Relações Políticas (Ufes)
Publicado em 07/02/2023 às 15h09

A notícia é assustadora, e o senso comum grita. O que uma senhora de tamanha idade faz praticando uma conduta tão grave. “Vovó do tráfico”, “mas que velha danada”, “falta de vergonha”, “mas nessa idade?”  e ainda tantas outras expressões de espanto podem brotar. De fato, a manchete é pesada e a conduta no nosso ordenamento jurídico é tratada como grave.

Mas minha surpresa não foi a prisão. Vou explicar mais adiante. Eu me assustei na hora em que vi de relance a notícia no jornal de uma emissora de TV. A idosa de 72 anos sendo levada, pela imagem, a exame no DML. Nesse momento, o cameraman flagrou a senhora de 72 anos algemada pelos pés.

A súmula vinculante número 11 morreu no Espírito Santo? Minha cabeça de defensor pensou imediatamente. O texto diz o seguinte:

“Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.

Assustador ver aquela anciã, andando a passos lentos, em visível fragilidade e algemada pelos pés. Assim como os senhores faziam com seus escravos, levados a ferros, há pouco mais de um século. Assim, é o meu estado que leva em seu nome o título de uma das pessoas da Santíssima Trindade. Que vergonha!

Mais vergonhoso para mim, enquanto estudioso do fenômeno da violência, é perceber nas estrelinhas da descrição dos fatos o óbvio. De acordo com a Secretaria de Justiça (Sejus), a mulher não tem passagem no sistema penitenciário. O neto dela possui passagens por crimes de furto e roubo.

De acordo com a polícia, ela tinha em sua roupa um bolso falso, onde foram encontradas as drogas que ela estaria levando para o neto. Foram encontradas 16 buchas de maconha, cigarros e outras drogas.

Para deixar tudo ainda mais complexo: por que mulheres entram com drogas em presídios? Na maioria dos casos, não sei se é esse, presos mais poderosos ameaçam os mais fracos para que alimentem o sistema lucrativo de venda de entorpecentes no interior nas unidades prisionais. Tudo isso amparado pela já reconhecida falência do Estado em ter controle sobre o que acontece dentro dos muros das prisões.

Aproveitando um antigo texto de Diógenes Vicente Hassan Ribeiro (Desembargador do TJ/RS), lembro-me que essas ameaças costumam ser graves, e não é possível exigir que sejam denunciadas. Se o Estado não consegue garantir a segurança dentro da prisão, imagina fora, os familiares estão completamente vulneráveis. Vejamos:

“O Estado não dá conta de controlar os presídios e de impedir que no interior das casas prisionais sejam usadas drogas e continua prendendo pessoas por tentarem ingressar com drogas. O Estado prende mulheres em razão de homens presos. É um sistema esquizofrênico, perdido. É o cárcere que se reproduz”.

E por aqui parece que mais. Além de prender para encontrar culpados por sua falha estrutural, é preciso ir além: pôr a ferros, divulgar os nomes e as imagens. Tudo isso para que o cidadão imagine que o Estado está fazendo alguma coisa para reprimir a violência. Enquanto, dentro do muro da prisão vigora a mesma lei que aqui fora. A lei do mais forte. E dona Carmem não me pareceu tão forte.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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