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É advogado criminalista e consultor em Compliance (CPC-A) e PLD/FT. Pós-Doutor em Direito Penal (Goethe-Universität) e em Criminologia (Universität Hamburg). Professor da FDV

Equiparar facções a terrorismo: alto custo regulatório, baixo retorno penal

O direito já oferece instrumentos robustos; a tentação de “chamar de terrorismo” pode render manchetes e votos, mas ameaça credenciais internacionais de compliance e cria brechas para pressões externas indevidas

  • Raphael Boldt É advogado criminalista e consultor em Compliance (CPC-A) e PLD/FT. Pós-Doutor em Direito Penal (Goethe-Universität) e em Criminologia (Universität Hamburg). Professor da FDV
Publicado em 11/11/2025 às 15h46

Equiparar facções criminosas a terrorismo parece uma alternativa punitiva atraente, mas abre flancos sérios na economia e na soberania. No plano jurídico, a Lei 13.260/2016 tem desenho próprio — com motivação e finalidade específicas — que não se confunde com o crime organizado orientado ao lucro. Forçar essa chave amplia elasticamente o conceito de terrorismo e cria incerteza normativa, o pior combustível para riscos regulatórios.

Do ponto de vista econômico-financeiro, a mudança pode disparar gatilhos no regime global antilavagem e contra o financiamento do terrorismo (AML/CFT). O Grupo de Ação Financeira (GAFI), uma organização intergovernamental que estabelece padrões e promove a implementação de medidas legais e operacionais para combater a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo, exige que países tipifiquem e punam essas condutas, aplicando sanções financeiras direcionadas.

Porém, definições vagas desvirtuam os objetivos e favorecem “over-compliance” bancário, encarecendo crédito, seguros e operações de comércio exterior. Uma reforma legislativa que misture organização criminosa com terrorismo pode pressionar correspondentes, elevar custos de due diligence e provocar “de-risking” em cadeias de pagamentos transfronteiriças.

Há ainda o vetor geopolítico. Ao rotular facções locais como grupos terroristas, o Brasil se expõe à estratégia de designações unilaterais e a pretensões extraterritoriais dos EUA, com potenciais impactos sobre ativos e empresas brasileiras, inclusive por sanções secundárias.

Esse enquadramento já é usado como justificativa para intervenções e pressões na América Latina. Uma etiquetagem apressada, portanto, pode importar a agenda externa para dentro do nosso ordenamento jurídico, com custo diplomático e comercial.

No Congresso, o tema avança em regime de urgência, apesar de críticas consistentes: a proposta pretende levar à lei antiterrorismo condutas típicas de “poder paralelo” e dominação territorial, com penas majoradas a líderes desses grupos. A retórica da urgência, porém, não substitui a necessária análise de impacto regulatório: quais os efeitos sobre relatórios de operações suspeitas, matrizes de risco e a Avaliação Nacional de Riscos em curso no âmbito do Coaf? Sem respostas, o mercado precifica incerteza.

Polícia faz megaoperação no Complexo da Penha e no Alemão, Rio de Janeiro
Polícia faz megaoperação no Complexo da Penha e no Alemão, Rio de Janeiro. Crédito: EGBERTO RAS/Agencia Enquadrar/Folhapress

Soberania, aqui, é também capacidade de calibrar políticas criminais sem importar categorias impróprias para a realidade brasileira. Fortalecer investigações financeiras, apreensão de ativos, integração federativa e controle de arsenais atinge a economia do crime com menor dano colateral sistêmico.

O direito já oferece instrumentos robustos; a tentação de “chamar de terrorismo” pode render manchetes e votos, mas ameaça credenciais internacionais de compliance e cria brechas para pressões externas indevidas. Em suma: é política criminal de alto custo e baixo retorno — e o mercado, atento ao GAFI, costuma cobrar a conta.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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