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É delegado na Polícia Civil do Estado do Espírito Santo, professor e palestrante

Terrorismo de fachada: o alto risco de rebatizar o crime organizado

A legislação separou essas categorias por um motivo simples: o que desarticula uma “empresa do crime” não é o mesmo que se aplica ao extremismo político. Misturar as chaves cria confusão conceitual, insegurança jurídica e incentiva atalhos de exceção

  • Eduardo Arcos É delegado na Polícia Civil do Estado do Espírito Santo, professor e palestrante
Publicado em 04/11/2025 às 17h52

Rotular PCC e Comando Vermelho como “terroristas” soa firme e rende manchete, mas é um atalho perigoso. Em vez de melhorar o combate às facções, embaralha conceitos do Direito Penal, abre brechas para abusos e ainda cria uma janela geopolítica pela qual países terceiros podem justificar pressões, até ações extraterritoriais, usando nossa própria lei como argumento.

Crime organizado e terrorismo não são a mesma coisa. As facções operam como empresas ilícitas: visam lucro, controlam mercados e exercem governança criminosa em territórios. O terrorismo, por sua vez, tem motivação política ou ideológica e busca produzir medo difuso para coagir governos.

A legislação separou essas categorias por um motivo simples: o que desarticula uma “empresa do crime” não é o mesmo que se aplica ao extremismo político. Misturar as chaves cria confusão conceitual, insegurança jurídica e incentiva atalhos de exceção.

“Vai endurecer a resposta?” O ganho é pequeno. O país já dispõe de meios robustos: inteligência financeira, confisco de ativos, cooperação internacional, colaboração premiada, infiltração, controle do sistema prisional e atuação integrada entre polícia, fazenda e Ministério Público. Nada disso depende do rótulo “terrorismo”. O que falta não é tipo penal; é execução consistente, dados integrados e foco no estrangulamento financeiro e logístico de quem dirige as redes.

O custo, por outro lado, pode ser alto. Ao rotular um fenômeno doméstico essencialmente econômico como “terrorismo”, o Brasil sinaliza ao mundo que enfrenta um problema de segurança internacional. Some-se a isso doutrinas controversas, como a “Unwilling or Unable”, segundo a qual um Estado poderia usar a força em território alheio quando o outro “não quer” ou “não consegue” neutralizar uma ameaça dita terrorista.

A combinação é explosiva: a violência persiste, acumulam-se episódios midiáticos e alguém lá fora afirma que “o próprio Brasil reconhece tratar-se de terrorismo; se não resolve, outros resolverão”. O rótulo interno vira peça retórica contra a nossa soberania e terceiros decidirão por nós.

O que fazer, então? Apertar as engrenagens que já existem. Priorizar a inteligência financeira: facção morre de asfixia, não de manchete. Atacar logística e governança criminal, quebrar a cadeia de lavagem, confiscar patrimônio quando houver nexo, ampliar investigações em cripto e finanças descentralizadas, cortar comunicação ilícita a partir das prisões e proteger territórios vulneráveis com presença estatal estável.

Polícia do Rio cumpriu 20 dos 100 mandados de prisão da megaoperação
Polícia do Rio cumpriu 20 dos 100 mandados de prisão da megaoperação. Crédito: Fernando Frazão/Agência Brasil

No plano externo, fortalecer a cooperação contra o crime transnacional (pedidos de prova, bloqueio e repatriação de ativos), publicar diretrizes públicas de cooperação com critérios e prestação de contas e inserir cláusulas de salvaguarda em acordos para evitar leituras expansivas. E, sempre, respeitar direitos não derrogáveis em situações de emergência.

Política criminal séria não se faz com slogans. Segurança pública melhora com método, gestão e paciência estratégica. É possível ser firme com facções sem inflacionar conceitos nem oferecer munição a terceiros. Reclassificar como “terrorismo” é aposta de alto risco e baixo retorno: não aumenta de modo relevante nossa capacidade de prender, confiscar e desorganizar redes.

Aumenta, sim, a chance de exceção interna e de pressão externa. Se o objetivo é proteger a sociedade e preservar a soberania, o caminho é menos vistoso, mas muito mais eficaz: usar todo o potencial do que já está na lei, integrar esforços e medir resultados por dinheiro retirado do crime e por cadeias de valor destruídas.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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