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É psicóloga, doutora e postdoc pela PUC-SP, especialista em Saúde Mental e Direitos das Mulheres

COP30 e gênero: quem protege as mulheres da crise climática?

Segundo a ONU Mulheres, até 2050 cerca de 158 milhões de meninas e mulheres serão empurradas para a pobreza extrema por efeitos climáticos. São 16 milhões a mais que homens e meninos

  • Gina Strozzi É psicóloga, doutora e postdoc pela PUC-SP, especialista em Saúde Mental e Direitos das Mulheres
Publicado em 21/11/2025 às 10h00

A crise climática não é neutra. Nunca foi. Toda vez que o planeta aquece, que a água falta ou que os eventos extremos avançam, como enchentes, secas, ondas de calor, alguém paga primeiro a conta. E essa conta, como sempre, tem nome, gênero, idade e cor: são mulheres, meninas e mulheres negras em especial, que estão na primeira linha do impacto.

Segundo a ONU Mulheres, até 2050 cerca de 158 milhões de meninas e mulheres serão empurradas para a pobreza extrema por efeitos climáticos. São 16 milhões a mais que homens e meninos. Em outras palavras: a desigualdade de gênero, que já é estrutural, ganha uma versão ampliada e acelerada pelo colapso ambiental. É o patriarcado encontrando a emergência climática e transformando tudo em crise social.

Por que as mulheres são mais afetadas? Porque a desigualdade não é um acidente. Ela é uma engrenagem.

Moradores de Castelo limpam casas e ruas após a enchente causada pela chuva forte que caiu na cidade
Em 2020: moradores de Castelo limpam casas e ruas após a enchente causada pela chuva forte que caiu na cidade. Crédito: Vitor Jubini/Arquivo

A cada novo evento climático extremo, aumenta o peso sobre quem já sustenta a sobrevivência diária das famílias: mulheres que cuidam, que buscam água, que administram escassez, que carregam sozinhas os impactos dos desastres, enquanto a reconstrução econômica, emocional e comunitária demora a chegar.

É por isso que falamos em justiça climática com perspectiva de gênero: sem esse reconhecimento, as políticas públicas produzem “neutralidade”, que é apenas outro nome para desigualdade.

Diretamente da COP30, especialistas como Anjani Kapoor, estrategista de advocacy de água e saneamento da organização SWA, declara de forma repetitiva uma verdade incômoda: as grandes economias, que carregam as maiores pegadas de carbono, ainda resistem em assumir compromissos que reduzam o peso desproporcional sobre mulheres em territórios vulneráveis.

E aqui entra o debate que o Brasil precisa ouvir: não existe transição climática justa sem enfrentar machismo, racismo e desigualdades territoriais.

A COP30 deveria ser o espaço da virada. Mas, até agora, estamos negociando migalhas. As interseccionalidades seguem fragilizadas nas mesas de negociação, especialmente no que diz respeito a mulheres negras, indígenas, ribeirinhas, quilombolas e adolescentes, um dos grupos mais impactados pelo deslocamento climático e pela perda de vínculos comunitários.

O direito climático é claro: políticas neutras violam direitos. A CEDAW, o Acordo de Paris e o Gender Action Plan determinam que Estados são juridicamente obrigados a adotar medidas climáticas com recorte de gênero. Não é gentileza diplomática. É cumprimento de tratados internacionais.

O que Adis Abeba e o Gender Action Plan (GAP) têm a ver com isso? Tudo.

A Agenda de Ação de Adis Abeba, verdadeiro coração financeiro da justiça climática e de gênero, estabelece que não há desenvolvimento sustentável possível sem financiar a equidade de gênero como eixo da resiliência climática.

O Gender Action Plan (GAP) da UNFCCC determina que todas as políticas climáticas devem integrar gênero, desde mitigação até financiamento, passando por adaptação e capacidade institucional.

Mas na prática? Países seguem produzindo Planos de Adaptação ao Clima que não dialogam com a vida real das mulheres. Como se adaptação fosse apenas sobre construir barragens e reforçar infraestruturas e não sobre garantir que mulheres tenham acesso à água, saneamento, saúde menstrual, renda, participação política e mobilidade segura.

Sem isso, adaptação não existe. Existe abandono.

Quando falamos em impactos, é preciso dizer com todas as letras: meninas negras e indígenas são as mais vulneráveis ao ciclo clima–pobreza–violência.

Em contextos de desastres ambientais, aumentam: casamentos forçados, exploração sexual, evasão escolar, fome, gravidez precoce, migração insegura.

O clima tem gênero. E tem cor. Negar isso é negar ciência, dados e vidas.

O que o Espírito Santo e o Brasil precisam fazer agora? Se quisermos proteger mulheres da crise climática, precisamos de medidas que deixem de tratar gênero como detalhe. Entre as medidas, estão:

  1. Planos de Adaptação com recorte de gênero e raça. Com metas, indicadores e orçamento. Sem isso, é retórica. 
  2. Acesso universal à água, higiene, saneamento e saúde menstrual. A falta d’água tem impacto emocional e físico imediato sobre mulheres. É política climática. 
  3. Participação de mulheres em todas as instâncias decisórias. Não como convidadas, mas como arquitetas da política climática.
  4. Financiamento climático feminista. Seguindo Adis Abeba e o GAP: sem recursos, igualdade é discurso; com financiamento, vira política pública.
  5. Proteção integral de adolescentes. Educação climática, saúde sexual e reprodutiva, prevenção de violência e programas de renda.

Podemos considerar o cuidado como tecnologia de futuro. Enquanto o mundo discute carbono, as mulheres estão discutindo sobrevivência. E talvez essa seja a grande fronteira: colocar o cuidado historicamente feminino como eixo estruturante da ação climática.

A pergunta que deixo para o leitor é simples e incômoda: quem cuida de quem cuida quando o clima colapsa? Se não respondermos isso agora, a próxima grande crise humanitária terá nome feminino. E o futuro mais uma vez será construído às custas do sacrifício das mulheres.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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