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É artista-educador e produtor cultural

Carnaval no cercadinho: com rua proibida, folia é só para quem pode pagar

Festas e shows continuarão acontecendo durante o feriado de carnaval com a permissão dos órgãos públicos, tendo o passaporte vacinal como protocolo. Mas nada foi pensado como alternativa para o povo pobre e a juventude negra

  • Winny Rocha É artista-educador e produtor cultural
Publicado em 17/02/2022 às 02h00
Carnaval, chapéu, confete, serpentina
A pandemia quebrou um ciclo que mobiliza e organiza as comunidades que vivenciam as escolas de samba. Crédito: Pixabay/anncapictures

carnaval é uma das festas mais populares do Brasil, e já foi usado nos discursos como sinônimo de expressão democrática do povo, de diluição das desigualdades de raça e classe, e espaço de outras possibilidades da vivência dos gêneros. Quem nunca ouviu que “no carnaval não tem pobre, nem rico, nem branco, nem preto”?

Sabemos que os dias de festas de momo não dão conta de suspender as opressões presentes na nossa sociedade, talvez elas se mascarem em momentos de alegria e catarse coletiva. Entretanto, para nosso povo preto, comunidades periféricas, artistas populares, ele é sim um operador de deslocamentos de poder.

No mês de fevereiro a atenção se volta para os morros e periferias com a produção dos desfiles das escolas de samba; a rua e os tambores negros dos blocos ganham seu protagonismo; em Vitória, o Centro Histórico retoma seu destaque dentro da cultura capixaba.

Entretanto, a pandemia quebrou um ciclo que mobiliza e organiza as comunidades que vivenciam as escolas de samba. Para quem faz parte, o carnaval é muito mais do que o dia dos desfiles. Cada ano sem a festa impacta subjetivamente e estruturalmente o cotidiano de famílias, trabalhadores e trabalhadoras, jovens e crianças que têm nas escolas de samba sua forma de resistir.

Os blocos de rua também se tornaram agrupamentos fortes de promoção da cidadania para seus integrantes e, no carnaval, tornaram-se uma opção democrática de participação dos mais distintos públicos. Blocos como o Afro Kizomba, Puta, Das Pretas, Simpatia, Batuqdellas, Regional da Nair, Esquerda Festiva, entre outros, levam para o espaço urbano bandeiras de felicidade, liberdade e superação dos preconceitos e opressões de forma pacífica, organizada e, principalmente, acessível.

A rua é a expressão maior do sentido democrático da festa. Ainda mais neste momento de empobrecimento agudo da maior parcela da população, em meio a uma tragédia sanitária e política. Tudo que precisávamos era um momento de alegria que o carnaval oferece para continuar a luta cotidiana. Se a rua não é realmente possível agora, qual a alternativa pensada para aqueles que querem a festa, mas só podem pagar a passagem de ônibus e levar no isopor sua própria bebida?

decreto publicado em Vitória no último dia 14 de fevereiro destaca a proibição de blocos, manifestações populares espontâneas ou qualquer aglomeração recreativa em espaço público. A rua está proibida para a festa. Porém, ao mesmo tempo, acompanhamos eventos privados com ingressos nada populares reunindo milhares de pessoas. Festas e shows continuarão acontecendo durante o feriado de carnaval com a permissão dos órgãos públicos, tendo o passaporte vacinal como protocolo principal. Ambulantes também têm sua autorização suspensa até março.

A pandemia é relativizada a partir do interesse privado, e o povo pobre, a juventude negra, os artistas e coletivos populares ficam de fora das comemorações de momo ou contam com o risco da violência policial, caso insistam em se divertir. Pois já percebe-se uma política agressiva de segurança na dispersão de eventos espontâneos de rua na cidade de Vitória. O governo se mostra mais perigoso que o vírus com suas intervenções violentas, desconsiderando a proteção de quem só tem a rua como opção.

Nada foi pensado em alternativa de política de cultura e lazer para o acesso seguro e democráticos da população nos próximos dias na Capital ou mesmo nas outras cidades. E esse modelo do “carnaval do cercadinho” tem que ser olhado com atenção, pois pode ser o “novo normal” para a festa nos próximos anos. Um carnaval com altos custos para quem participa e sem o compromisso do Estado para garantir a promoção da cultura para a população em geral, para quem quer e precisa viver os 5 dias de festa e trabalho para continuar a sustentar as riquezas do Espírito Santo no resto do ano.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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