Karla, Jamile, Léia, Renata, Aline e Jéssica: mulheres que escolheram empreender no agro
Karla, Jamile, Léia, Renata, Aline e Jéssica: mulheres que escolheram empreender no agro. Crédito: Acervo pessoal

Rainhas do agro: histórias de mulheres que lideram negócios rurais no ES

Mulheres comandando propriedades rurais cresceu 71% dos últimos anos segundo dados do IBGE e elas estão comandando negócios em áreas diversificadas

Tempo de leitura: 8min
Vitória
Publicado em 09/03/2024 às 19h08

Filha de produtores rurais, Karla Lievore deixou o distrito de Baunilha, em Colatina, para cursar faculdade de Direito, em Vitória. Com a formatura, os planos inicialmente eram continuar na Capital. Mas um convite feito pelo pai acabou mudando os rumos da sua trajetória profissional.

O pai de Karla tinha ficado doente e convidou a filha para tocar a fazenda da família, voltada para pecuária leiteira, com produção também de queijo artesanal.

“Quando voltei, pensamos em registrar nosso produto para ter maior visibilidade. Com a certificação de venda, acabou aumentando a demanda pelo queijo e, com isso, investimos na melhoria genética do gado e no bem-estar animal, o que melhorou a produção”, conta.

Karla Lievore ao lado da mãe Hermínia e da sócia e cunhada Andressa
Karla Lievore ao lado da mãe, Hermínia, e da sócia e cunhada, Andressa. Crédito: Cláudio Costa/Divulgação

A melhoria genética fez a fazenda sair de uma produção de 400 para 2.300 litros de leite por dia em oito anos. A produção de queijo minas e ricota fresca, que começou com receita criada por sua avó, já está em 245 pontos de venda da marca Reserva dos Imigrantes no Estado.

E o trabalho na venda dos produtos continua a ser protagonizado por mulheres da família. Além da Karla e sua mãe, Hermínia, a cunhada, Andressa, também atua na produção.

Reserva do Imigrante conta com galpão com cama de pó de serra para maior conforto dos animais
Reserva dos Imigrantes conta com galpão com cama de pó de serra para maior conforto dos animais . Crédito: Cláudio Costa/Divulgação

Karla faz parte de um grupo que cresceu nos últimos anos: o de mulheres que empreendem no agro. A transformação que ocorre no agronegócio passa pelas mãos de muitas mulheres.

Muitas delas são filhas de produtores rurais que saem para estudar e escolhem voltar para o agro e conquistam cada vez mais espaço, mostram a sua competência e deixam um importante legado de avanços para o meio rural.

Num setor que tem predominância de lideranças masculinas, a cada ano, as mulheres vêm adquirindo espaço em posições de destaque, seja como produtoras seja na gestão do negócio e das propriedades.

Em análise individual dos dados femininos, segundo o Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2006 o número de estabelecimentos rurais liderados por mulheres no Espírito Santo era de 8.590. Em 2017, passou a ser de 14.661, uma variação de 71%, índice superior à média nacional, que foi de 44%. Mesmo com o aumento, os estabelecimentos dirigidos por mulheres ainda representam apenas 13,61% do total. 

Investimento em cafés especiais

Jéssica Bittencourt produz cafés especiais
Jéssica Bittencourt resolveu investir na lavoura de café do pai. Crédito: Acervo pessoal

Assim como Karla, a produtora de cafés especiais Jéssica Bittencourt resolveu investir na lavoura de café do pai depois que se formou em Arquitetura. Ela passou a infância e adolescência em Iúna, na região do Caparaó, e morou em Vitória no período da faculdade.

“Me formei na época da crise e decidi voltar para Iúna para trabalhar com cafés especiais. Meu pai tinha uma pequena propriedade rural, mas o café nunca foi a atividade principal de trabalho. Comecei a ir para o sítio, fiz cursos e foi aí que me apaixonei e criei o Cereja Real”, relata.

E já são seis anos que Jéssica é responsável pela produção, da plantação até a torrefação. Ela conta que, desde então, já trocou algumas plantas para uma variedade mais produtiva, fazendo mudanças em prol da qualidade. Também fez investimentos em equipamentos com controle de temperatura e de torrefação.

O resultado é apresentado para o consumidor final em grãos, moído, no formato drip coffee (porção individual) e também em cápsulas. Na Grande Vitória, já são 10 pontos de venda, além da comercialização direto aos clientes, com pedidos feitos pela internet.

Jessica Bittencourt produz café especial no Caparaó
Jéssica Bittencourt produz café especial no Caparaó. Crédito: Acervo pessoal

Jéssica Bittencourt

Produtora de café

"Produzir um café da lavoura ao consumidor final com todo o carinho é o que torna o café ainda mais especial. A bebida leva o amor e a dedicação que se coloca em cada pacote"

Qualidade nas amêndoas de cacau

Léia Loureiro resolveu apostar no cultivo do cacau
Léia Moura Loureiro resolveu apostar no cultivo do cacau. Crédito: Acervo pessoal

Cuidar da lavoura e de toda a produção de cacau virou rotina na vida de Léia Moura Loureiro depois que ela se aposentou, em 2019. Ela era professora de ensino infantil e fundamental em Linhares, no Norte do Estado, e depois que deixou a sala de aula comprou um sítio. E foi numa visita ao Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (Idaf), quando estava fazendo documentação da área, que conheceu o projeto Mulheres do Cacau. 

A partir daí, participou de eventos e cursos de capacitação dentro da cultura do cacau para cuidar da plantação e produzir amêndoas de qualidade. "Recebemos várias capacitações desde o plantio, a poda, a colheita do cacau, secagem e fermentação para produzir uma amêndoa de qualidade", conta Léia, que hoje faz parte da Associação das Mulheres do Cacau.

A dedicação foi tanta à produção do fruto que acabaram comprando outra propriedade, em Povoação, para iniciar uma nova produção, já que na primeira a família optou por ter gado.

"Tiramos cacau velho e plantamos mudas novas. Hoje tenho 1.200 pés de cacau e estou plantando mais mil mudas. Meu projeto é chegar a 3 mil árvores. Meu objetivo é fazer uma venda de qualidade, porque uma amêndoa de qualidade gera mais valor", afirma.

E o encontro com o cacau depois da aposentadoria tem relação especial na vida de Léia, pois a conecta com a infância. "Cacau para mim sempre foi uma paixão. Meu pai tomava conta de plantações no passado e lembro dele pilotando canoas no rio doce com muito cacau em polpa. Lembro muito do cheiro do cacau sendo fermentando. Por isso pensei em cacau de primeira quando compramos a propriedade", lembra. 

Ela conta com orgulho sobre o projeto do qual participa com as mulheres que cuidam de cacau em Linhares. 

Léia Moura Loureiro

Produtora de cacau

"Aprendemos com o projeto a produzir amêndoa de qualidade e até o beneficiamento. Muitas estão fazendo chocolate e doces com o cacau e é muito importante dar visibilidade a esse trabalho porque muitas vezes o trabalho da mulher não é totalmente visto pela sociedade. Elas conquistam dinheiro importante para suas famílias"

Padaria quilombola

Jamile Vicente ao lado da mulheres que fundaram a Padaria Mulheres Quilombolas
Jamile Vicente (ao centro) com  mulheres que fundaram a Padaria Mulheres Quilombolas . Crédito: Acervo pessoal

Reinaugurada neste ano, a Padaria Mulheres Quilombolas é um espaço de realização, autonomia financeira e conexão de família para mulheres da comunidade quilombola de São Pedro, em Ibiraçu.

Depois de enfrentar a rotina de passar anos trabalhando em colheitas de café para ter uma renda para a família — o que as obrigava a ficar meses fora de casa —, um grupo de mulheres da comunidade se uniu para começar a produzir o que já era tradição familiar: as massas.

Jamile Vicente faz parte do grupo, trabalhando como administradora da padaria, ao lado da mãe e de algumas tias. Ela conta que a casa onde faziam a fabricação das massas, ofício que veio da sua avó, teve problemas estruturais e precisou de passar por reforma. Nesse períodos, elas participaram de cursos de qualificação para diversificar a produção.

Foi então que começou uma nova fase na rotina do grupo, com a fabricação de biscoitos, bolos, pães, pizzas, além das massas. Com a reinauguração do espaço, ele passou a ser denominado padaria, pela diversidade dos produtos fabricados. 

Jamile agradece toda a ajuda recebida de empresas, prefeitura e governo para poderem criar e manter o negócio, que é primordial na renda das mulheres quilombolas. "Começamos a fazer produtos que já sabíamos e aprendemos novos. É importante para a gente da comunidade ter renda sem precisar sair daqui. No interior é mais difícil encontrar emprego. Por isso, unimos forças e resolvemos montar a padaria", conta.

Para distribuir os produtos, elas costumam levar para a cidade. O grupo aguarda agora um carro que conseguiu a partir de uma emenda recebida pela Prefeitura de Ibiraçu. Antes, a distribuição era por táxi, o que acabava ficando muito caro. "Agora que o carro está vindo, vamos fazer uma produção grande e separar um dia na semana para levar para Ibiraçu e cidades vizinhas", comemora.

Para fazer alguns dos produtos, são usados ingredientes que elas mesmos plantam, como no caso dos bolos de aipim e banana e do pão de aipim, conta Jamile. 

Jamile Vicente

Administradora da Padaria Quilombola

"Acredito que as mulheres se sentem realizadas porque conseguem renda para a família e sustento com esse trabalho dentro da nossa comunidade. Antigamente, para conseguir uma renda, muitas ficavam meses fora de casa, em colheitas"

Gestão de fazendas

Renata Erler tem empresa de gestão de fazendas
Renata Erler tem empresa de gestão de fazendas. Crédito: Acervo pessoal

Também criada em fazenda e crescendo vendo movimento de gado de leite, café e horta de tomate, Renata Erler foi para a cidade cursar o ensino médio e a faculdade. Muita gente da família achava que seu caminho seria na área de Humanas ou no esporte. Mas a escolha por cursar Zootecnia acabou a deixando mais próxima das suas origens.

Logo que se formou, a intenção de Renata era trabalhar com o pai. Mas sua vida profissional começou como assistente técnica de uma empresa de nutrição animal. No início, foram muitas dificuldades, principalmente por ser nova, com 21 anos, e mulher.

"Eram essas duas as barreiras que enfrentava batendo na porta de fazendas para fazer atendimento. Muitos não me ouviam por ser muito nova. Mas o que ajudou foram os homens que trabalharam e pavimentaram o caminho junto comigo", lembra.

De lá para cá, Renata saiu do Estado para trabalhar em multinacionais, onde chegou a ser gerente atendendo a um número maior de fazendas. Toda essa experiência com a orientação aos negócios no campo a motivou a começar uma transição de carreira, para trabalhar com consultoria.

"Comecei atendendo a uma fazenda, conciliando com o trabalho principal, atendendo aos finais de semana e feriados. Atendi a essa fazenda por seis anos. Durante a pandemia, a consultoria cresceu e, logo depois, deixei a empresa onde trabalhava para me dedicar a minha consultoria", destaca.

 Seu trabalho tem sido de desenvolvimento de plano de negócio para fazendas, com ajuste do processo produtivo, pois as ações impactam no caixa da fazenda.

"No meu setor tem poucas mulheres trabalhando aqui no Estado. A mulher tem facilidade por ser organizada e por prestar mais atenção nas pessoas. Mas ainda há muitos desafios. Ir para os lugares sozinha, pegando estrada onde não conhece ninguém, é um risco muito maior que assumimos", frisa.

Nutrição de plantas

Aline Rodrigues se especializou em nutrição das plantas
Aline Rodrigues se especializou em nutrição das plantas. Crédito: Acervo pessoal

Filha de produtores rurais de Minas Gerais, Aline Rodrigues saiu para fazer o ensino médio com curso técnico no Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) de Santa Teresa, na região serrana do Estado. De início, ela não pensou em seguir carreira no agro, mas, quando estava formando, decidiu pela Agronomia. "Fazia mais sentido pela minha história e vivência dos meus pais", lembra.

Ela estudou Agronomia na Escola Agrotécnica de Santa Teresa e depois fez mestrado, pois tinha intenção de seguir carreira acadêmica. "Antes de me formar, tive a oportunidade de fazer entrevista na Natufert e comecei como assistente técnica de campo, atendendo a produtores. Depois, virei representante comercial atendendo o Norte do Espírito Santo", detalha.

Atuando como coordenadora comercial de uma empresa de fertilizantes, Aline já deu início aos próximos passos da carreira. Neste ano, abriu sua própria empresa para dar consultoria, ainda na área que gosta de atuar, que é cuidar na nutrição das plantas.

"Quando comecei, em 2019, eram poucas mulheres atuando no mercado. Em contrapartida, as turmas de Agronomia já tinham mais mulheres. Mesmo assim, ainda vemos poucas mulheres no campo atendendo a produtores, e como o mercado do agro ainda é muito machista os desafios são muitos. Temos que mostrar que somos capazes de resolver problemas. Ainda ouvimos algumas piadas, mas é melhor deixar de lado e não deixar isso atrapalhar", conta.

Aline Rodrigues

Consultora e coordenadora comercial

"As mulheres deveriam explorar mais a gestão de propriedade. É um setor diferenciado e tem muita oportunidade. As mulheres têm de estar no agro e fazer o que gostam. A gente é competente para isso "

A Gazeta integra o

Saiba mais
Agronegócio Economia Todas Elas Mulheres Empreendedora

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.