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Mães atípicas, amores típicos: alegrias, lutas e pequenos milagres diários

Mães atípicas, amores típicos: alegrias, lutas e pequenos milagres diários

Três mulheres relatam suas experiências com filhos no espectro autista e demonstram que o amor materno prevalece, a despeito de qualquer dificuldade

Publicado em 11 de maio de 2025 às 13:24

Dia das Mães: mães atípicas, amores típicos
Dayane e Pedro Henrique, Kamila e Heitor, Sabrina e Inácio: histórias de dedicação e amor  Crédito: Fotos: Ricardo Medeiros, Fernando Madeira e Carlos Alberto Silva/ Arte: Camilly Napoleão

Brincadeiras, escola, encontros de família e terapias, muitas terapias. A rotina de uma criança atípica é recheada de atividades próprias da idade e ainda exige uma série de acompanhamentos para seu pleno desenvolvimento. E nesse cotidiano de "estica e puxa" de agenda, para caberem todos os compromissos, lá estão elas: as mães. A maternidade atípica se revela uma caminhada de muitos desafios, mas também é carregada de alegrias e pequenos milagres diários.

É o que relatam três mulheres com filhos no espectro autista — Dayane, Kamila e Sabrina —, demonstrando que o amor materno prevalece, a despeito de qualquer dificuldade. Confira mais detalhes no vídeo.

O relato de mulheres que vivenciam uma maternidade não idealizada, mas cheia de afeto e pequenos milagres

A enfermeira Dayane Maciel Mainetti, 35 anos, é mãe de Pedro Henrique, de 5, que, na época em que recebeu o diagnóstico, não se comunicava verbalmente e apresentava outras limitações características do transtorno. O filho precisava de muitas horas de terapia para se desenvolver e, embora dividisse algumas tarefas com o marido, chegou o momento em que Dayane abriu mão da profissão para se dedicar exclusivamente à maternidade. 

Tentamos ajustar toda nossa rotina, toda a nossa vida, em prol de conseguir as terapias, medicação e conhecimento para lidar com Pedro Henrique. Corremos atrás de todo o tratamento que pudesse ajudar ele o máximo possível a ser o que é hoje

Dayane Maciel Mainetti

mãe de Pedro Henrique

Dayane pontua que, além de atividades como psicopedagogia e terapia ocupacional, o filho usa canabidiol para fins terapêuticos, como regulação do sono e foco na aprendizagem. 

A combinação de todos os recursos disponíveis contribuiu para que Pedro Henrique passasse do nível de suporte 2 (intermediário) para o 1 (mais leve). Hoje, ele já fala e melhorou a interação social. "O difícil agora é fazer lista de aniversário", brinca a mãe, que comemora cada conquista do filho como um milagre. 

É assim que também se sente a doutora em Educação e servidora pública Sabrina Barbosa Garcia de Albuquerque, 47, mãe de Inácio, de 9 anos. Cada aprendizado é uma vitória para o menino, que requer um pouco mais de suporte no seu dia a dia. 

É o aprendizado de uma palavra nova ou quando essa criança aprende a manusear o garfo sozinho sozinha. Às vezes, uma mãe típica não vai se dar conta de quanto isso é importante, mas uma mãe atípica vibra quando vê o filho conquistando coisas simples do cotidiano

Sabrina Barbosa Garcia de Albuquerque

mãe de Inácio

Sabrina conta que Inácio frequenta a escola desde os oito meses e sempre o questionava, ainda bem pequeno, como havia sido seu dia. "E ele nunca me respondia. Ele é autista verbal hoje, mas depois de muita terapia e de muito trabalho. E tem mais ou menos um ano que ele começou a responder; só aos 8 anos ele começou a contar para a gente o que tinha acontecido na escola."

Heitor, de 3 anos, ao contrário de Pedro Henrique e Inácio, sempre foi falante. Não foi essa característica que levou ao diagnóstico do autismo, mas, sobretudo, suas dificuldades comportamentais, sensibilidade a algumas texturas e o hiperfoco — hoje em tartarugas. E essa diferença, normal dentro do espectro autista, é motivo de desconfiança e preconceito, segundo afirma a mãe, Kamila Silva Vieira, de 32 anos. 

Ela diz que não é raro se deparar com questionamentos se o filho é de fato autista. Para alguns, o comportamento agitado e a dificuldade de interação social são sinais de birra e má educação. "Falta muita informação, principalmente porque nenhum autista é igual ao outro. Na cabeça de algumas pessoas, só é autista se for nível de suporte 3, que é o mais severo", ressalta. 

Kamila descreve que, embora já tivesse o Arthur, 12, quando o caçula nasceu, a maternidade atípica é outra realidade. "Eu tenho que dispor de mais tempo e ter muita paciência. E eu tento pesquisar muito para conseguir entendê-lo, entender o mundo dele para a gente não ter conflito o tempo todo. Apesar de já ser mãe, a forma de maternar com ele é totalmente diferente", constata.

Assim como a assistente administrativo, Dayane e Sabrina também se tornaram estudiosas do tema autismo, tanto para lidarem com as próprias demandas em relação aos filhos, quanto para poderem ajudar outras mães que buscam conhecimento, particularmente nas redes sociais. 

"Quando a gente recebeu o diagnóstico, via tanta coisa triste e a gente ficou muito desesperado. Parecia que nossa vida tinha acabado ali. Realmente, não é legal de lidar, mas existe uma evolução que a gente tem que acreditar e correr atrás", frisa Dayane, acrescentando que compartilha informações em seu perfil para que outras mães atípicas não se sintam desamparadas, como ela no início de sua trajetória.

Rede de apoio

Questionada sobre "quem cuida de quem cuida", Sabrina analisa que essa é uma tarefa muito solitária, embora existam algumas iniciativas de apoio. "Mas são iniciativas muito isoladas. A gente não vê, de fato, ações institucionais consolidadas para cuidar de pessoas que cuidam de outras", lamenta a servidora, que ainda pode contar com a parceria do marido. "A gente, mesmo com o suporte um do outro, encontra muitas dificuldades. Imagine uma mãe que não tem ninguém por ela e pelo filho!"

Muitas mães estão nessa situação. Kamila, por exemplo, se separou quando, segundo ela, o pai de Heitor rejeitou o diagnóstico do filho. Mas ela ainda tem uma rede de apoio familiar para enfrentar as adversidades. 

É uma rotina difícil, puxada, cansativa. Mas eu tento não olhar só esse lado. Se não, a gente fica presa nisso. Eu precisava do Heitor. Eu precisava dele na minha vida, mais do que ele precisa de mim. Ele ensina muito para a gente

Kamila Silva Vieira

mãe de Heitor

A psicóloga Tammy Andrade Motta observa que a maternidade, especialmente a atípica, é frequentemente construída sobre a ausência. "Seja do parceiro, de políticas públicas, de escuta, de tempo, de descanso. Quando a responsabilidade pelo cuidado fica só para a mulher, o risco de esgotamento e adoecimento é muito mais alto."

Embora não seja mãe, mas com a vivência profissional e por ela mesma estar no espectro autista, Tammy pontua que as demandas da maternidade atípica acabam sendo mais complexas, justamente pelo despreparo da sociedade para acolher pessoas com neurodivergências. 

"O que deveria ser simples, como acessar um serviço de saúde, garantir matrícula na escola, ou ser ouvido por um profissional, por exemplo, vira uma maratona de burocracia, capacitismo e negligência. E quem carrega isso nas costas? A mãe. O problema não é a criança atípica, nem a mãe. É o entorno, que empurra tudo para ela e depois cobra equilíbrio, paciência e heroísmo", conclui Tammy. 

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