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As mulheres que atuaram com Tiradentes, mas foram esquecidas pela história

As mulheres que atuaram com Tiradentes, mas foram esquecidas pela história

Personagem da história do Brasil, Joaquim José da Silva Xavier teve aliadas femininas no movimento da Inconfidência Mineira; conheça algumas dessas inconfidentes

Publicado em 21 de abril de 2023 às 09:28

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Mulheres da Inconfidência Mineira
Mulheres da Inconfidência Mineira. (Reprodução)

Celebrado neste 21 de abril, o Dia de Tiradentes faz uma homenagem a Joaquim José da Silva Xavier, personagem da história do Brasil que foi enforcado por ter participado do movimento conspiratório contra a Coroa portuguesa, que ficou conhecido como Inconfidência Mineira, ocorrido por volta de 1789.

Apesar de os inconfidentes de Minas Gerais terem sido de um grupo majoritariamente masculino,  mulheres também tiveram papel importante no movimento, mas acabaram esquecidas pela história. Os inconfidentes eram integrantes da elite cultural e social da região e estavam descontentes com a cobrança compulsória de impostos sobre a produção de ouro e medidas como a derrama, que faria moradores pagarem à Coroa com os próprios bens. 

Tiradentes foi morto após organizar movimento contra pagamentos de impostos abusivos
Tiradentes foi morto após organizar movimento contra pagamentos de impostos abusivos. (Enciclopédia Ilustrada do Brasil/Reprodução)

Uma das figuras femininas mais importantes no movimento foi Hipólita Jacinta Teixeira de Melo, nascida em Prados, interior de Minas. Educada, culta e de personalidade forte, casou-se com Francisco Antônio de Oliveira Lopes, companheiro do alferes Joaquim José da Silva Xavier, como explica a professora do Departamento de História da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Juliana Simonato.   

Foi Hipólita que escreveu uma carta a Francisco Antônio, seu marido, alertando que o líder Tiradentes e o traidor Joaquim Silvério dos Reis estavam presos no Rio de Janeiro depois de o plano ter sido delatado. A professora relata que, no início, ela também ajudou na comunicação entre os inconfidentes, arriscando-se a distribuir cartas e comunicados. Outros inconfidentes também foram alertados por Hipólita para que procurassem proteção.

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Dou-vos parte, com certeza, de que se acham presos, no Rio de Janeiro, Joaquim Silvério dos Reis e o alferes Tiradentes, para que vos sirva ou se ponham em cautela; e quem não é capaz para as coisas, não se meta nelas; e mais vale morrer com honra que viver com desonra

Hipólita Jacinta Teixeira de Melo
Em mensagem a inconfidentes
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Mais tarde, com os principais líderes presos, ela também teve papel importante, tentando organizar uma articulação com militares mineiros para levar a revolução adiante.

Seu marido era membro ativo do grupo de Tiradentes — a afinidade entre os dois nasceu quando serviam no Regimento dos Dragões de Minas, em Vila Rica —, e Hipólita tinha pleno conhecimento e apoiava o movimento. O que não existe, segundo seus biógrafos, é uma imagem da inconfidente.

Hipólita Jacinta, em ilustração de Arthur Starling
Hipólita Jacinta, em ilustração de Arthur Starling . (Acervo do Projeto República/UFMG)

A historiadora da Ufes também conta que Hipólita marcava presença na política mineira. Seu pai, Pedro Teixeira de Carvalho, era um rico minerador e capitão-mor da Vila de São José Del Rey, atual cidade de Tiradentes. Ele deixou toda a sua fortuna para a filha, inclusive a Fazenda da Ponta do Morro, onde Hipólita continuou a morar com Francisco depois de casada.

"A fazenda tornou-se uma 'célula' dos inconfidentes graças à sua localização estratégica: ficava próxima à Estrada Real, facilitando a comunicação entre os conjurados das cidades próximas, como São João del-Rei, Prados e a capital da província, Vila Rica", detalha.

A professora conta que o historiador Ronaldo Simões cita no livro "Hipólita - A Mulher Inconfidente" que a casa do casal foi transformada em ponto de encontro de outros descontentes com a Coroa, onde compareciam heróis da Inconfidência Mineira. 

Juliana cita outro episódio importante que demonstra o envolvimento de Hipólita, como o fato de proibir o marido de entregar ao então governador de Minas, o Visconde de Barbacena, uma carta-denúncia delatando o movimento. A carta, que seria entregue pessoalmente por Francisco Antônio para tentar diminuir sua pena por participar da Conjuração Mineira, foi queimada por Hipólita, que também destruiu outros documentos que pudessem delatar os revolucionários.

Apesar de os autos da devassa registrarem apenas o julgamento e as penas dos integrantes masculinos da conjuração, Hipólita sofreu os efeitos da derrota dos inconfidentes. Durante anos, lutou para reaver os seus bens, confiscados pela Coroa. Inclusive a fazenda onde morava, que havia sido herdada de seu pai, outra característica.

E nesse caso teve papel de protagonismo, tendo escrito ela própria uma carta ao secretário do Ultramar, dom Rodrigo de Sousa Coutinho, em Lisboa (Portugal), solicitando a restituição de boa parte do patrimônio sequestrado em Minas Gerais, alegando ser herança paterna. E sua estratégia funcionou, tendo recuperado a fazenda e alguns bens.

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Ela quebra um pouco da imagem da ideia da sociedade patriarcal das mulheres submissas. Ela troca mensagens com inconfidentes, vai atrás de dom Rodrigo para reaver sua herança. E a história esquece de mostrar parte da luta e do envolvimento ativo de Hipólita

Juliana Simonato
Professora de História da Ufes
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Outras mulheres no contexto histórico

 Maria Dorothea Joaquina de Seixas, inconfidência mineira
Maria Doroteia Joaquina de Seixas. (Reprodução)

Apesar de não terem participação efetiva no movimento, outras mulheres foram importantes no período da Inconfidência Mineira, lembra a professora Juliana. Nos versos de Marília de Dirceu, o poeta Tomás Antonio Gonzaga declarava seu amor à jovem Maria Doroteia Joaquina de Seixas, por quem era apaixonado e de quem se tornou noivo.

Filha da tradicional família mineira, Maria Doroteia acompanhou seu noivo ser preso e exilado para a África, pouco tempo antes do casamento, acusado de participação na Inconfidência Mineira. Gonzaga nunca mais voltou ao Brasil. Maria Doroteia acabou sendo conhecida como a noiva da Inconfidência.

Outra personagem a ser lembrada é a jovem Bárbara Heliodora Guilhermina da Silveira, de São João del-Rei. Filha mais velha do advogado José da Silveira e Sousa, aos 18 anos, ela conheceu o poeta carioca Alvarenga Peixoto, que na ocasião era o ouvidor na Câmara de São João. Seu marido foi preso por participação na Inconfidência.

Bárbara Heliodora Guilhermina da Silveira, inconfidência mineira
Bárbara Heliodora Guilhermina da Silveira. (Reprodução)

"Assim como Hipólita Jacinta Teixeira de Melo, de quem era conhecida, Bárbara Heliodora não se deixou abater e lutou para reaver seus bens confiscados pela Coroa portuguesa. Como ocorreu com a amiga de Prados, ela também conseguiu salvar sua fortuna e a ampliou nos anos seguintes, tomando a frente dos negócios de mineração, agricultura e comércio de escravos", detalha a historiadora.

Inconfidência sob governo feminino

A Inconfidência Mineira ocorreu no período da gestão de Dona Maria I como rainha de Portugal, cujo governo foi apelidado de “Viradeira”,  lembra a professora da Ufes. Segundo ela, Dona Maria conseguiu afastar do poder o controverso Marquês de Pombal, que conspirou contra sua aclamação, além de ser inimigo dos jesuítas e da velha aristocracia que a apoiavam. Dona Maria foi amante da paz e soberana dedicada às obras sociais.

O seu reinado foi de grande atividade legislativa, comercial e diplomática, na qual se pode destacar o tratado de comércio que assinou com a Prússia em 1789, a professora detalha. Dona Maria I reconheceu a independência dos Estados Unidos da América, estabeleceu convenções com o império de “Todas as Rússias” e assinou tratados com o Reino de Túnis. Encaminhou pioneiramente “tratados de paz e amizade” com povos originários do Brasil e da África, entre outros. Foi durante seu governo que ocorreu a Inconfidência Mineira. Contudo, já na época encontrava-se em uma intensa melancolia (depressão), e a administração portuguesa havia sido assumida pelos conselheiros.

Dona Maria I, rainha de Portugal entre 1777 e 1815
Dona Maria I, rainha de Portugal entre 1777 e 1815. (Reprodução)

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