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Lições dos superidosos: o que podemos aprender com quem passou dos 90 anos

Lições dos superidosos: o que podemos aprender com quem passou dos 90 anos

Veja casos como do seu Aquiles Mota, trabalhando aos 95 anos. Os superidosos podem nos ensinar sobre como envelhecer com saúde, autonomia, memória e sem depressão

Publicado em 3 de janeiro de 2020 às 18:00

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Raul Busatto Costa acaba de completar 90 anos e anda de mobilete pela cidade onde mora, em Vila Velha. (Monica Zorzanelli)

Viver muito. Ver filhos, netos, bisnetos e quiçá tataranetos crescerem. Presenciar o mundo passar por várias transformações. Todos nós aqui já podemos nos gabar de estar em uma geração que terá uma vida longa, passar nos 100 anos… Por que não?

Seremos cada vez mais velhos. E seremos muitos. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2050 haverá mais de 2 milhões de centenários no mundo. A grande questão é: como estaremos na velhice? Especialistas dizem que é exatamente esse o desafio. Não há uma receita específica a seguir.

Felizmente temos exemplos vivos (e bem vivos) que podem nos dar pistas de como trilhar esse caminho rumo ao que já podemos chamar de “quarta idade”.

Gente como seu Raul Busatto Costa que, com seus 90 anos recém-completados, gosta de sair por aí com sua mobilete. Ou seu Aquiles Mota, de 95 anos, que não abre mão de trabalhar o dia inteiro em sua loja. E o que dizer de Maria da Natividade de Almeida, a dona Naty, que comemorou a nona década de vida publicando um livro?

Os superidosos - apelido que combina bem com esses velhinhos incríveis - esbajam saúde, autonomia, bom humor, uma memória de dar inveja em muito marmanjo. Então, o que podemos aprender com eles? “Não há uma coisa única. Em geral, os superidosos têm alguns diferenciais: são menos obesos que a média da população, praticam mais atividade física e se alimentam melhor, são menos tabagistas e têm mais resiliência, ou seja, sabem lidar melhor com situações do dia a dia”, comenta a geriatra Daniela Barbieri.

Não existe fórmula mágica, como reforça o geriatra Roni Mukamal: “Hoje vemos centenários que se mantêm extremamente ativos. Os fatores são múltiplos para se chegar a essa idade. Mas não existe pílula da juventude”.

A genética pode dizer muito sobre seu futuro. “Em torno de 30% de nossa perspectiva de longevidade vem da genética. É algo a se considerar. Pesquisadores já identificaram gens em populações longevas que retardam o aparecimento de doenças e modulam processos que estão ligados ao envelhecimento, produzindo proteínas que ajudam nessa proteção”, explica Mukamal.

“Pessoas com centenários na família em geral vivem mais e melhor do que aquelas que não tem centenários em suas famílias. Então, a genética contribui para uma parte da longevidade. Mas a gente tem que fazer o resto”, complementa Daniela.

O que seria o resto? Os outros 70% estão relacionados a fatores não-genéticos. “O ambiente em que a gente vive, se há acesso a água potável, ar sem poluição… Tudo isso ajuda a gente e viver muito. Mas o fator mais importante é o estilo de vida”, aponta o médico.

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Pessoas com centenários na família em geral vivem mais e melhor do que aquelas que não tem centenários em suas famílias. Então, a genética contribui para uma parte da longevidade. Mas a gente tem que fazer o resto

Daniela Barbieri
Geriatra
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Ciência

Não é só a gente que está interessado em saber o segredo dos superidosos. A ciência também tem se dedicado mais a esse tema. Segundo Mukamal, as pesquisas estão focadas nas chamadas “bluezones”, regiões espalhadas pelo mundo em que as pessoas têm uma maior longevidade e qualidade de vida. Entre as mais famosas estão Okinawa, no Japão; Sardenha, na Itália; Loma Linda, na Califórnia; Icaria, na Grécia; e a Península de Nicoya, na Costa Rica, por exemplo, onde um enorme percentual da população vive até os 100 anos.

“Sabe-se que, além de serem pessoas com bons hábitos alimentares, elas são sempre ativas e têm forte senso de propósito e senso social. Todas acreditam que têm um papel importante dentro de sua comunidade, de sua família. São muito valorizadas e criam fortes laços”, diz ele.

Como você espera envelhecer? Sem doenças? Não precisa tanto. “O fato de ter uma doença crônica não torna uma pessoa não saudável. O que vale é o bom controle dessa doença. Não é não ter diabetes, mas tê-lo controlado, sem complicações, como alteração visual, problema renal… Para isso, basta fazer um bom acompanhamento de saúde, seguir as orientações médicas”, afirma Daniela Barbieri,

Os superidosos de hoje têm alguns pontos em comum, de acordo com a geriatra Gabriela Bortolon. “Em geral, eles envelheceram bem porque sempre se movimentaram. Tiveram toda uma vida mais saudável, com alimentação mais regrada”, cita. Envelhecimento, reforça a médica, não é sinônimo de doença. Mas também não significa total ausência de doenças.

Alguém como seu Raul Busatto Costa, que acaba de soprar as velhinhas e anda de mobilete para cima e para baixo pelo bairro onde mora, em Vila Velha, como se não tivesse nove décadas nas costas. “Cuido sozinho das finanças de casa, pago as contas, dirijo”, conta o bancário aposentado. Para ele, não tem muito segredo: “É viver. São 65 anos de casamento e cinco filhos, tudo em volta de mim. Faço questão do convívio familiar, do controle de vida financeiro. Nunca ganhei muito, mas tinha tudo sob controle para não esquentar a cabeça”.

Raul Busatto Costa acaba de completar 90 anos e anda de mobilete pela cidade onde mora, em Vila Velha. (Monica Zorzanelli)

Outro que tem tudo em ordem é seu Aquiles Mota. Durante o dia, ele pode ser encontrado em sua loja, em Cachoeiro de Itapemirim, de onde só sai às 18h. Nem parece que é alguém nascido na década de 1920. “Ele realmente não aparenta ter essa idade. Parece ter, no máximo 80 anos. É jovem de espírito também”, orgulha-se Maíta Mota, 63 anos, uma das filhas dele. São seis filhos no total, 16 netos, quatro bisnetos. Ah, não fez as contas da idade? Seu Aquiles tem 95 anos. Nas horas vagas, faz exercício com seu personal trainer e costura aventais para vender.

Seu Aquiles Mota, de 95 anos: ele trabalha o dia inteiro em sua loja, no interior do Estado(Arquivo pessoal)

Maria da Natividade de Almeida é um pouco mais jovem: tem 90 anos. E é cheia de saúde. “Estou bem, graças a Deus. Mas vou ao ortopedista, ao cardiologista. Outro dia fui fazer meu check-up anual e ganhei nota 10 do médico. Jogo bola com meu neto de 7 anos. Só falo para ele: ‘Devagar! Porque a vovó tem as perninhas fracas”, conta ela, aos risos.

Dona Naty, como é chamada por todos, não tem nada de fraca. Quando pode, sai pra dançar. “Outro dia fui à festa de 70 anos de um amigo e dancei bastante! Danço qualquer coisa que aparecer, mas vou de leve”. Baiana, ela mora sozinha em Salvador, mas passa boa parte do ano em Vitória, onde criou os três filhos.

Na família, outros também viveram muito, “Meu bisavô materno foi até os 114 anos. E minha avó materna viveu até os 105. Morreu sem doença, O coração cansou, disseram os médicos”. Mas Naty cuida do corpo e da mente. “No meu tempo, a alimentação era melhor, tudo mais simples. Evito qualquer conserva. Nunca tomei bebida alcoólica. E sempre fui calma, ponderada. Procurei o melhor estilo de vida”. O resultado é uma memória impecável. Está tudo no livro que ela acaba de publicar. “São histórias que anotei do meu passado. Digo que é o primeiro livro. Posso ter tempo para escrever, tem mais história”. Alguém duvida?

Maria Natividade de Almeida, 90 anos, escreveu um livro de memórias. (Carlos Alberto Silva)

Os desafios da longevidade

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