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Aposentadoria pode ser feita de forma gradual para não gerar ansiedade ou depressão

Aposentadoria pode ser feita de forma gradual para não gerar ansiedade ou depressão

Enquanto alguns idosos aproveitam o tempo livre para colocar em prática tudo o que sempre sonharam, outros ficam até doentes devido à sensação de improdutividade e solidão

Publicado em 18 de novembro de 2020 às 06:00

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casal maduro viajando, liberdade
Muitos aposentados aproveitam o tempo livre para viajar. (shutterstock)

A transição da vida profissional para a aposentaria é um momento de intensas emoções entre as pessoas da terceira idade. Se por um lado é considerada uma fase de dedicação à família e aos planos que ficaram guardados na gaveta durante anos, por outro pode virar até motivo de adoecimento, ocasionado pela sensação de improdutividade e solidão. 

Mas o que muitos não sabem é que é possível amenizar essa mudança abrupta de vida. Algumas empresas já contam com especialistas que as orientam nesse sentido. Com a participação de profissionais qualificados de várias áreas são realizados encontros e discutidos temas ligados à família, saúde, finanças e vida social. E mais: seis meses antes da aposentadoria ser efetivada, os futuros aposentados já começam a se adaptar, recebendo uma carga menor de trabalho.

Mas ainda são poucas as empresas que realizam essa adaptação. Felizmente, Antônio Carlos Guaitolini, 68 anos, e Naor Lessa Silva, 65, estão entre os privilegiados que foram preparados para esse momento. Os dois trabalham na mesma empresa há 40 anos e a partir de dezembro terão mais uma coisa em comum: a vida de aposentado. Cada um encarou o período de forma diferente, um com vontade de aproveitar o tempo livre e o outro com medo de se ver desocupado, mas ambos souberam lidar com seus sentimentos.

Guaitolini, que é especialista em compras, por exemplo, começou a planejar sua aposentadoria em 2010. Ele já não via a hora de ficar 100% disponível para a esposa Regina Célia, 63 anos, e os netos Gabriela, 5; Antônio, seis meses; e Manuela, que chega em dezembro para abrir com chave de ouro a aposentadoria do avô.

Antônio Carlos Guaitolini, 68, e a esposa, Regina Célia, 63.
Antônio e  Regina Célia pretendem curtir o tempo livre curtindo os netos e a família, sem hora marcada. (Reprodução/Facebook)

Em dezembro, ele afirma que vai cuidar de si próprio e da família, sem o "fantasma" das obrigações diárias. Pretende, ainda, separar um tempo para tirar vários sonhos do papel. “Meu único compromisso será curtir meus netos. Quero conhecer a região Sul do país, me dedicar a trabalhos sociais e aproveitar para caminhar na praia, mas nada com data e hora marcadas”, diz.

Ele admite, no entanto, que ainda é difícil imaginar-se longe do trabalho. “Vivi 46 anos e nove meses dentro de um mesmo grupo empresarial. Criei minhas duas filhas trabalhando lá, passei os meus melhores momentos e os mais difíceis exercendo a minha profissão. Por mais que a gente se prepare para este dia, é difícil se desapegar da rotina”, conta.

O outro lado da moeda

Apesar do bem-estar que esse momento traz para algumas pessoas, há também quem não o encare tão bem assim. No Brasil, não existem dados que apontem os efeitos da aposentadoria na vida de quem deixa o trabalho ou está prestes a deixá-lo, mas especialistas explicam que os índices de depressão, separações e até suicídios são altos quando as pessoas entram nessa fase.

Uma pesquisa realizada em 2013 no Reino Unido pelo Institute of Economic Affairs mostrou a relação entre a aposentadoria e a depressão. No processo de transição, o risco de as pessoas desenvolver a doença aumenta em 40%.

Foi o que aconteceu com o mecânico industrial Lessa, que passou do choque para um processo de desapego do seu posto de trabalho. Desde que teve a aposentadoria confirmada, o profissional precisou repensar como seria a vida dali para frente. Mas, segundo ele, essa tarefa não foi fácil. "Trabalhei 46 anos no mesmo lugar, é uma vida. É uma mudança muito abrupta", declara.

Participantes do PPA. De marrom, o engenheiro Naor Lessa.
O mecânico Naor Lessa (ao meio), perto de outros colegas que também vão se aposentar. . (Divulgação)

Agora, o mecânico acredita que esse será um caminho muito mais leve e, tal como a vida profissional, possível de ser planejado. “Hoje, eu já consigo entender o processo e enxergar novas possibilidades na minha vida. Amo o que eu faço, mas sei que é hora de curtir minha família e meu netinho”, afirma.

Motivos

Segundo a psicóloga Jaciara Pinheiro, os problemas físicos e emocionais relatados pelos idosos são alavancados por situações que, muitas vezes, os novos aposentados ainda não haviam vivido, como a super convivência familiar, a renda menor e a falta do que fazer.

“Muitos desses indivíduos trabalham tanto, que perdem o contato com alguns familiares e amigos. E quando se veem aposentados, não sabem como resgatar esse vínculo. Tudo se torna difícil, até mesmo lidar com o tempo ocioso”, explica Jaciara, que também é diretora técnica e CEO da Rhopen Consultoria.

Jaciara acrescenta, ainda, que o maior desafio nesse processo é fazer o indivíduo entender que a vida não se resume ao trabalho. Por isso, ter uma rede de apoio e restabelecer vínculos sociais torna-se essencial para realizar uma transição mais calma, sem se deixar influenciar pelos pensamentos negativos.

Isso pode ser amenizado, de acordo com ela, caso as empresas comecem a olhar para as necessidades do profissional. “Acompanhamos muitas empresas investindo em programas para desenvolver e reter novos talentos, mas poucas olhando de forma respeitosa para esse profissional no final de uma carreira bem sucedida e que tanto contribuiu para a organização. Precisamos ajudá-lo a entender as novas possibilidades após esses longos anos de trabalho”.

Apoio das empresas

Em toda a Grande Vitória, algumas corporações já tentam mudar esse cenário. É o caso do Programa de Preparação para o Amanhã (PPA), da Rhopen, que fica na Capital. O projeto ajuda os profissionais a partir de encontros, onde são discutidos temas ligados à família, saúde, finanças, vida social e coletividade. O PPA tem duração de quase dois anos e é acompanhado por psicólogos e profissionais de recursos humanos.

E para que eles não deixem a rotina acabar de uma hora para outra, seis meses antes da aposentadoria ser efetivada, os futuros aposentados já começam a se adaptar, recebendo uma carga menor de trabalho. Eles vão à empresa duas ou três vezes por semana, até o tempo ficar cada vez menor. Tudo para que a adaptação à nova vida seja gradativa.

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*Maria Fernanda Conti é residente do 23º Curso de Residência em Jornalismo da Rede Gazeta, sob supervisão da editora Mariana Perini.

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