José Luiz Gobbi interpretou a solteirona Marly na peça 'Hello Creuzodete': 
José Luiz Gobbi interpretou a solteirona Marly na peça "Hello Creuzodete": . Crédito: Arquivo Pessoal

Como Marly, ator José Luiz Gobbi refletiu o espírito de uma época moralista

Na peça "Hello Creuzodete", com 130 apresentações no Estado,  houve quase uma simbiose entre a personagem e o ator, morto no  dia 13 de maio, aos 66 anos

Publicado em 29/05/2021 às 02h04
  • Luiz Carlos Almeida Lima

    É dramaturgo e poeta, doutor em Teatro pela PUC/SP. Autor das peças "Ed Wilson, o Bandido da Luz de Neon" e "O Monstro mais Monstruosamente do Mundo" e do livro de poemas "O Livro do Afeto", entre outros

Alguns anos atrás, numa coluna sobre cultura, consegui reunir Milson Henriques e José Luiz Gobbi numa entrevista em que cada um fazia perguntas ao outro. Além disso, um relatava sua opinião sobre o outro. Milson descreveu Gobbi com essas palavras:

“Gobbi é antes de tudo um sonhador. De genética intelectualmente privilegiada, para nossa felicidade ele optou pelo teatro, esta arte que está cada vez mais vilipendiada e carente de renovação. Sem optar pelo mais fácil e comercialmente rentável, ele preferiu ousar, mas sempre respeitando e conservando a cultura teatral tradicional... que continue assim. A cidade de Vitória, que precisa tanto do vício da cultura, agradece.”

Essa parceria rendeu muitos frutos e foi responsável pelo grande sucesso “Hello Creuzodete”.

Mas a trajetória de Gobbi começou bem antes, nas mostras de Teatro Universitário, na Ufes,  que tiveram seu início em 1976 e o término em 1980, com cinco edições anuais consecutivas. As mostras movimentaram os diretórios acadêmicos que, tradicionalmente, tinham sua atuação centrada na parte esportiva e uma participação política (de inúmeras facções) de resistência militar na época.

Gobbi dirigiu e atuou em “O Auto da Compadecida", um clássico de Ariano Suassuna, apresentado, televisionado e filmado em todo o Brasil, principalmente pelos grupos amadores de teatro.

Gobbi também montou “Como conquistar um Coronel sem fazer força", de Milson Henriques, uma comédia que despertou o interesse do público pela possível identificação de pessoas conhecidas da cidade com personagens da peça. Começa aí uma parceria que seria longeva e de muito sucesso.

Grande parte de sua carreira foi marcada pelo trabalho como diretor em peças como “A Rainha do Rádio (com Tião Sá), apresentada até na Europa, “Ed Wilson - o Bandido da Luz de Neon" (de minha autoria junto com Beto Costa), e a obra satírica “O Guaranizinho”.

Como Marly, personagem de "Hello Creuzodete", houve quase uma simbiose entre personagem/ator . Ele “encarnou” a personagem solitária e carente que refletiu o espírito de uma época moralista e machista que colocava as mulheres num papel secundário. O deboche e a ironia, aliados à comédia, denunciavam com uma linguagem popular esse estado de coisas.

Essa simbiose passou para a plateia capixaba nas suas 130 apresentações da personagem que saiu do papel nos anos 90, incorporou-se nos palcos e entrou no imaginário de uma época.

Nessa breve retrospectiva, dois aspectos se ressaltam:

1. Gobbi teve uma carreira como ator e diretor (e professor) de sucesso em que se destacam a crítica social, a inovação e a ousadia.

2. A constatação de uma vida dedicada à arte (ao contrário dos últimos anos de gestões culturais pífias, com teatros e museus culturais fechados ou inacabados como o Teatro Carlos Gomes e o Cais das Artes), com plateias lotadas e uma vida cultural intensa.

Repetindo Milson: Vitória e  Espírito Santo agradecem a Gobbi por toda essa dedicação e talento.

A Gazeta integra o

Saiba mais
Cultura Espírito Santo espírito santo teatro

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.