Protesto no Rio de Janeiro em 1968, durante a ditadura militar
Protesto no Rio de Janeiro em 1968, durante a ditadura militar. Crédito: Arquivo Nacional

As eleições de 1970 e as prisões da Operação Gaiola no ES

Pessoas consideradas adversárias foram tiradas de cena em todo o país para garantir a vitória dos candidatos do partido de sustentação do regime,  a Aliança Renovadora Nacional (Arena)

Publicado em 31/10/2020 às 06h00
  • Alexandre Caetano

    É jornalista e historiador

Neste início de novembro, exatamente quando o Brasil se prepara para a realização de mais uma eleição, um episódio obscuro e quase esquecido da história política dos país estará completando 50 anos. Trata-se da Operação Gaiola, desencadeada pela ditadura que governava o país para garantir a vitória dos candidatos do partido de sustentação do regime, a Aliança Renovadora Nacional (Arena), nas eleições de 1970. O presidente na época, indicado pelos militares e eleito de forma indireta pelo Congresso Nacional, era o general Emilio Garrastazu Médici.

A ditadura havia sido escancarada desde a decretação do AI-5, em 13 de dezembro de 1968, quando o Congresso foi fechado, com posterior cassação de mandatos de parlamentares, aposentadoria compulsória de ministros do STF, a permissão de prisões sem mandados judiciais e o fim dos habeas corpus para presos políticos.

Não existem números oficiais, mas pesquisadores como o brasilianista norte-americano Thomas Skidimore e Maria D’alva Kinzo estimam que entre 5 mil a 10 mil pessoas consideradas adversárias do regime foram presas entre o final de outubro e a véspera das eleições de 1970. Não houve inquérito, processo, ordem judicial ou intimação. Era o exercício bruto do arbítrio e da truculência de um regime ditatorial.

O Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido da oposição consentida, criado pela própria ditadura em 1965 com a sigla governista, estava combalido pelas cassações feitas pelo AI-5 e tinha dificuldades até para montar chapas de candidatos em vários municípios e Estados. Mas ainda era pouco para o governo militar, que queria uma esmagadora maioria para consolidar sua imagem do regime aos olhos do mundo, varrendo para debaixo do tapete o sangue que espirrava das vítimas de torturas, execuções e “desaparecimentos” dentro e fora de instalações oficiais.

O jornalista Rubem Câmara Gomes, um dos formadores de opinião que foram presos no Espírito Santo naquela época, estima em 120 o número de pessoas presas no Estado, entre jornalistas, profissionais liberais, intelectuais, estudantes e formadores de opinião. O médico José Cipriano da Fonseca e o economista Antônio Caldas Brito acreditam que as prisões podem ter chegado a 200.

Os presos chegavam de todo Estado, inclusive do interior, em geral trazidos por policiais federais, e eram levados para Superintendência da Polícia Federal, que na época ficava na Avenida Vitória, sendo depois levados para o quartel do então 3º Batalhão de Caçadores (hoje 38º Batalhão de Infantaria), na Prainha, em Vila Velha.

Zezinho Cipriano

Ex-líder estudantil

"Um dia, perguntei a um major chamado Anésio o motivo da prisão, e ele me disse apenas que prenderam porque receberam ordem de prender"

Ex-líder estudantil, Zezinho Cipriano, como é mais conhecido, foi preso em Barra de São Francisco, quando atendia pacientes no centro de saúde local. “Nenhuma explicação foi dada, nem antes e nem depois. A gente apenas sabia que tinha gente sendo presa em tudo quanto é lugar. Um dia, perguntei a um major chamado Anésio o motivo da prisão, e ele me disse apenas que prenderam porque receberam ordem de prender”, relata.

Caldas Brito foi preso por militares do Exército em sua empresa, que ficava no Edifício A Gazeta. Câmara Gomes conta que, depois de três dias, ele e um grupo de presos foram levados para uma ala da Penitenciária Pedra D’Água, o IRS (Instituto de Readaptação Social), na Glória, que havia sido esvaziada com a transferência dos presos comuns até para delegacias do interior. Já Zezinho Cipriano e Caldas Brito permaneceram na enfermaria do quartel, com os outros presos de nível superior.

Entre os presos, eles citam os médicos Aldemar de Oliveira Neves e Caetano Magalhães; o escritor e folclorista Hemorgenes da Fonseca, o advogado Sizenando Pechincha, que mais tarde seria presidente do Vitória Futebol Clube, os jornalistas Vitor Costa e Ewerton Montenegro Guimarães – que estava se formando em Direito -, o ex-prefeito de Colatina, Moacir Brotas, e Cantídio Sampaio, que anos depois seria prefeito de Iúna. Nem candidatos às eleições daquele ano foram poupados, como o médico Gilson Carone, que concorria à prefeitura de Cachoeiro, e Benedito Elias, que disputava em Linhares.

Os presos só começariam a ser libertados nos dois dias que antecederam as eleições. O objetivo da ditadura, em parte, foi atingido, pois a Arena ficou com 87% das cadeiras do Senado, 71% na Câmara dos Deputados e 70,6% nas Assembleias Legislativas. O problema é que também houve aumento dos votos nulos e brancos, que nas eleições proporcionais passaram de 21,1% em 1966 para 30,3% em 1970.

Quatro anos depois, nas eleições de 1974, o MDB ganhou 16 das 22 vagas em disputa no Senado e dobrou a bancada na Câmara. Mas ainda seriam necessários mais de dez anos para que a ditadura saísse de cena, em 1985, deixando o legado da modernização conservadora da economia que teve como saldo a hiperinflação, um gigantesco endividamento externo, um crescimento urbano desordenado, aumento da pobreza e da concentração de renda e 434 brasileiros e brasileiras que morreram ou “desapareceram” nas mãos de agentes do Estado.

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