Ataque terrorista às Torres Gêmeas do World Trade Center, em 11 de setembro de 2001, em Nova York
Ataque terrorista às Torres Gêmeas do World Trade Center, em 11 de setembro de 2001, em Nova York. Crédito: Robert Clark/AP

11 de Setembro: 20 anos depois, a ameaça terrorista vem de dentro dos EUA

Terrorismo externo não foi derrotado, apenas tornou-se mais difuso e focado em objetivos regionais: a Al-Qaeda permanece ativa em vários países, o Talibã retomou o poder, e a morte de Saddam Hussein provocou a emergência do  Estado Islâmico

Publicado em 11/09/2021 às 02h03
  • José Vicente de Sá Pimentel

    É embaixador aposentado

Em suas "Cartas de Inglaterra", escritas em fins do século XIX, Eça de Queiroz ironizava as invasões do Afeganistão, conduzidas pelo império britânico em 1847 e 1880. Dizia Eça que "quando por ali aparecer enfim o grosso do exército inglês, à volta de Cabul, atravancado de artilharia, com as suas longas caravanas de camelos, aquela massa bárbara rola-lhe em cima e aniquila-o… Foi assim em 1847! Há de ser assim em 1880! ". Profético.

Se vivo estivesse, Eça teria previsto também o fracasso da resposta do governo George W. Bush aos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. O balanço dos vinte anos da guerra ao terror é francamente negativo. Estudo recente da Brown University avalia que, nessas duas décadas, cerca de 900 mil pessoas morreram e 8 trilhões de dólares foram gastos, sem que fossem atingidos os objetivos declarados para justificar as invasões do Afeganistão e do Iraque.

terrorismo não foi derrotado, apenas tornou-se mais difuso e focado em objetivos regionais; a Al-Qaeda permanece ativa em vários países; o Talibã retomou o poder, e a morte de Saddam Hussein, em vez de acalmar, atiçou a turbulência no mundo árabe, além de provocar a emergência do Isis.

É verdade que apenas 7 mil americanos foram mortos em combates no Afeganistão e no Iraque. A evolução da tecnologia bélica, sobretudo a de drones, permitiu que as vidas daqueles que operavam os engenhos fossem salvas. No entanto, contam-se aos milhares os que voltaram com sérios distúrbios psicológicos, e intensa experiência com armas e técnicas militares.

Muitos desses se converteram em massa de manobra para setores radicais, que sempre estiveram presentes, de alguma forma, na história americana. Defensores da supremacia branca, do extremismo cristão, do nacionalismo chauvinista e outras ideologias antidemocráticas, que pareciam adormecidas desde a queda da União Soviética, voltaram à ativa, enquanto o pêndulo político oscilava progressivamente para a extrema direita.

No plano externo, a doutrina Bush esgarçou os princípios e valores que valeram aos Estados Unidos a liderança mundial desde 1945. Terminando a II Grande Guerra como vencedores do nazismo e do fascismo, os americanos utilizaram seu capital de credibilidade para implantar uma ordem internacional ancorada no conceito de democracia, que deveria valer também nas relações internacionais.

Ora, a doutrina Bush impunha aos parceiros a obrigação de apoiá-los em qualquer circunstância, pois, nas palavras do presidente americano, "ou você está conosco ou está com os terroristas". Isso era difícil quando, por exemplo, os americanos queriam os votos dos países amigos para aprovar, na ONU, a invasão do Iraque em busca das nunca encontradas armas de destruição em massa.

O "Patriot Act" de janeiro de 2002 permitiu que agências do governo espionassem cidadãos americanos e residentes, inclusive com a quebra dos sigilos fiscal e telemático. Paralelamente, o Pentágono transferiu, no primeiro mandato de Bush, cerca de 2 bilhões de dólares em equipamento militar para as polícias estaduais, militarizando as forças da segurança pública. O conceito de Estado com segurança máxima passou a ter ampla aceitação na sociedade, em detrimento das liberdades individuais e dos direitos humanos.

Criava-se um clima propício à difusão de teses estapafúrdias, mas de crescente apelo popular. Quem melhor captou o potencial eleitoral dessa onda foi Donald Trump. Com virtuosismo, usou o megafone das mídias sociais para vulgarizar o discurso radical populista e fidelizar supremacistas brancos, extremistas evangélicos, neonazistas, misoginistas, conspiracionistas, chauvinistas e outras tribos, cujo traço comum era o descompromisso com os cânones da democracia. Instalado na Casa Branca, o trumpismo legitimou o discurso da extrema-direita.

O aumento da violência extremista culminaria, em 6 de janeiro último, com a invasão do Capitólio por uma turba de apoiadores exaltados, descontentes com a abundantemente comprovada derrota de seu ídolo nas eleições de novembro do ano passado.

Vitorioso nas urnas, Joe Biden coloca as relações com a China e a defesa do meio ambiente no topo da lista de prioridades, e redireciona a engrenagem criada pelo "Patriot Act" para identificar e abortar a violência no interior dos Estados Unidos, que esteve em alta durante toda a presidência de Trump.

No ano de 2020, o FBI abriu mais de 2 mil investigações de atos de extremistas, o dobro das registradas no primeiro ano do mandato, com o triplo das prisões de supremacistas brancos. As estatísticas sugerem que o mal está enraizado e não será fácil extirpá-lo do cenário político-social americano. No vigésimo aniversário do 11 de setembro, a ameaça terrorista parece vir de dentro, e não de fora do território americano.

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