Comércio em Anchieta: queda de movimento fez coleta de impostos cair na última década
Comércio em Anchieta: queda de movimento fez coleta de impostos cair na última década. Crédito: Fernando Madeira

Anchieta vive retomada após caos econômico com paralisação da Samarco

Dez anos anos depois do rompimento da barragem que deixou a fábrica paralisada por cinco anos, vídeo mostra os impactos sofridos e a recuperação da cidade

Tempo de leitura: 6min
Vitória
Publicado em 06/11/2025 às 08h38

Dez anos após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), os efeitos da tragédia ainda são sentidos em municípios a centenas de quilômetros de distância do local onde teve início o desastre.

Em Anchieta, no Litoral Sul do Espírito Santo e a 200 quilômetros da foz do Rio Doce, a lama não chegou. Mas os efeitos vieram com a paralisação das atividades da Samarco, responsável pela barragem que se rompeu em Mariana. A mineradora ficou sem funcionar entre 2015 e 2020, o que resultou em impactos significativos na economia da cidade, que precisou se reinventar. À epoca, a empresa representava cerca de 6% do PIB capixaba e era a principal fonte de receita e emprego para o município de 30 mil habitantes.

Análise feita pelo Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) aponta que o PIB de Anchieta apresentou expressiva retração logo após o rompimento da barragem e a consequente interrupção das atividades da mineradora. De 2014 para 2015, o PIB municipal caiu de R$ 4,6 bilhões para R$ 2,7 bilhões, o que representa uma redução de 41,5% em apenas um ano, atingindo o piso de R$ 713,39 milhões em 2016.

"Essa queda reflete a forte dependência do município em relação às operações da Samarco. Entre 2016 e 2020, a produção manteve-se em patamares reduzidos, sem sinais consistentes de recuperação econômica significativa", diz a análise feita pelo pesquisador Vinicius Toledo Manhães, doutor em economia e analista na Coordenação de Estudos Econômicos do IJSN.

O estudo mostra que, a partir de 2021, houve uma recuperação expressiva coincidente com o processo de retomada gradual das operações da empresa.

"Nesse intervalo, o PIB de Anchieta salta de R$ 1 bilhão em 2020 para R$ 5,7 bilhões em 2021, o que corresponde a um crescimento de 457% em apenas um ano. Um movimento que sinaliza a reativação da atividade econômica local e o retorno do dinamismo industrial que caracterizava o município antes do desastre", afirma Manhães. 

De imediato, a suspensão das atividades da Samarco provocou uma queda de R$ 2 milhões mensais na coleta de impostos sobre serviços (ISS). Em 2014, ano anterior à tragédia, a cidade havia arrecadado R$ 48,8 milhões com a taxa.

Para o ex-prefeito Fabrício Petri, que assumiu a gestão em 2017, o impacto da interrupção das atividades foi devastador. Segundo ele, a Samarco chegava a responder por até 50% da arrecadação municipal.

"O ISS é particularmente relevante para a economia de Anchieta, pois reflete diretamente o nível de atividade dos setores produtivos e de serviços vinculados às operações industriais e portuárias locais — em especial, as relacionadas à Samarco. Assim, sua evolução ao longo do tempo constitui um indicador sensível da dinâmica econômica municipal, permitindo identificar os efeitos da paralisação e da retomada das atividades da mineradora sobre as finanças públicas", diz o pesquisador do IJSN.

A análise do IJSN acrescenta que, com a interrupção das atividades, a arrecadação em Anchieta despencou nos dois anos seguintes, atingindo o piso de R$ 8 milhões em 2017 e mantendo-se entre R$ 10 milhões e R$ 20 milhões até 2022. A partir desse ano, o estudo verifica uma recuperação consistente, com o valor do ISS saltando para R$ 63,61 milhões e permanecendo em trajetória ascendente, chegando a R$ 81,06 milhões em 2024.

"Essa retomada confirma a reação da economia local e o fortalecimento da base produtiva municipal após o retorno das operações industriais da Samarco", observa Manhães.

A perda dessa receita, somada à paralisação da cadeia produtiva, mergulhou a cidade em uma crise profunda. 

"O desastre trouxe reflexo e impacto socioeconômico em Anchieta. Encontramos um cenário de fechamento contínuo de estabelecimentos comerciais. Isso também acabou acarretando um alto índice de desemprego no município. Chegamos a ter 24% da população economicamente ativa desempregada", relembra Fabrício Petri.

Fabricio Petri foi prefeito de Anchieta de 2017 a 2024
Fabricio Petri foi prefeito de Anchieta de 2017 a 2024. Crédito: Fernando Madeira

O cenário descrito pelo ex-prefeito era a realidade vivida pelos comerciantes locais. Gelsineia Fernandes Albino, proprietária de um restaurante no centro de Anchieta, viu seu negócio, antes movimentado por funcionários da Samarco e de empresas terceirizadas, parar quase que por completo.

Gelsineia Fernandes Albino, dona do restaurante Doce Prazer
Gelsineia Albino viu movimento em seu restaurante despencar durante paralisação da Samarco. Crédito: Fernando Madeira

Gelsineia Fernandes Albino

Dona de restaurante em Anchieta, sobre queda de movimento após paralisação da Samarco

Quando parou tudo (na Samarco), a cidade parou. Ficou um caos. Eu tinha 15, 16 funcionários. Depois, fiquei com oito. Aí, depois, ainda fiquei com sete

A paralisação das atividades prejudicou muito os vários fornecedores da companhia instalados no Estado. Em 2016, cerca de 260 empresas pequenas e médias, de municípios como Anchieta, Guarapari e Cachoeiro de Itapemirim, já haviam fechado as portas, provocando demissões.

Impacto no mercado de trabalho

Um estudo contratado pela BHP Billiton, uma das acionistas da Samarco, em 2017, apontou que o Espírito Santo deixou de contar com 4.111 vagas de emprego, diretos e indiretos, em razão da interrupção das atividades da mineradora. Já o quadro de funcionários diretos da empresa caiu de 3 mil para 1,3 mil (somados Minas Gerais e Espírito Santo).

Sobre o mercado de trabalho, o estudo do IJSN, realizado a partir de dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), mostra que, em relação à frequência de empregos, o setor industrial representava cerca de 25% do total de vínculos formais em Anchieta, em 2014, sendo 16% provenientes da indústria extrativa e 9,2% da indústria da transformação.

"Essa proporção manteve-se praticamente estável em 2015, mesmo após o desastre de Mariana. A partir de então, observa-se uma queda gradual da participação industrial no emprego formal do município, atingindo, em 2021, 16,8% do total, dos quais 8,7% estavam na indústria extrativa e 8,1%, na indústria de transformação, refletindo o longo período de paralisação da Samarco", diz a análise do IJSN.

A crise também aumentou a demanda por serviços públicos de saúde, educação e assistência social, já que muitas famílias perderam seus empregos e planos de saúde, bem como a capacidade de pagar mensalidades em escolas particulares.

Como somente cinco anos depois da tragédia Anchieta entrou na lista de cidades reconhecidas como impactadas pelo rompimento da barragem, durante esse tempo a gestão municipal apostou em políticas de fomento ao empreendedorismo para diversificar a economia local.

Usina de produção de pelotas de minério de ferro da Samarco, em Anchieta
Usina de produção de pelotas de minério de ferro da Samarco, em Anchieta. Crédito: Fernando Madeira

Fabrício Petri cita que, durante sua gestão, buscou facilitar a abertura de empresas, capacitar o comércio local para participar de compras públicas e incentivar a agricultura familiar,  por meio de programas como Anchieta Criativo e Empreendedor. A iniciativa surtiu efeito, e o número de microempreendedores individuais saltou de pouco mais de 1 mil em 2017 para mais de 3 mil em 2024. "A gente detectou que havia vida econômica além da Samarco", afirma o ex-prefeito.

Retomada da Samarco

A retomada gradual da Samarco, iniciada no fim de 2020, trouxe um novo fôlego para Anchieta. Atualmente, a mineradora opera com 60% de sua capacidade e tem a meta de alcançar 100% até o início de 2028.

A produção atual é de cerca de 15,5 milhões de toneladas de pelotas e finos. O objetivo é atingir entre 26 milhões e 27 milhões de toneladas anuais quando chegar à capacidade total. Para alcançar essa meta até 2028, a empresa planeja um investimento de R$ 3,5 bilhões para modernizar suas usinas mais antigas, em um projeto que deve envolver cerca de 4 mil pessoas.

Sérgio Mileipe, diretor de Operações da Samarco
Sérgio Mileipe afirma que a Samarco tem compromisso com a economia de Anchieta. Crédito: Fernando Madeira

Sergio Mileipe, diretor de Operações da Samarco, afirma que a empresa tem compromisso com a economia local.

Sérgio Mileipe

Diretor de Operações da Samarco

Nossos fornecedores foram de fato parceiros estratégicos. Temos o grande compromisso com o povo capixaba de fazer com que esses recursos fiquem na sua maioria aqui, gerando emprego e renda

A Gazeta integra o

Saiba mais

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.