O Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) vai adotar medidas legais contra o projeto aprovado pela Assembleia Legislativo que suspende a integração de 27 comarcas no Estado. No entendimento da Corte, o decreto é inconstitucional e trata de um assunto de competência exclusiva do Judiciário.
"Dentro das balizas estabelecidas pelas Constituições Federal e Estadual, especialmente diante da independência e harmonia entre os Poderes, as medidas legais estão sendo estudadas e serão devidamente adotadas face à suposta violação dos princípios da separação dos Poderes e da hierarquia de normas, denotando uma inconstitucionalidade do referido ato normativo", disse o tribunal, por meio de nota enviada à reportagem.
O relatório apresentado pelo deputado estadual Marcelo Santos (Podemos), relator do projeto na Comissão de Justiça da Assembleia, é citado pelo TJES. Durante sessão na última segunda-feira (24), o parlamentar afirmou que o texto que suspendia a integração de comarcas era inconstitucional. Apesar disso, ele deu parecer pela constitucionalidade, permitindo que a proposta tramitasse na Casa.
"Destaco que o próprio relatório da Comissão de Constituição e Justiça lido no Plenário da Assembleia destacou por inúmeras vezes a inconstitucionalidade do Decreto Legislativo. Mas, face à sua aprovação, a inconstitucionalidade agora será analisada pelo órgão competente", frisou o presidente do TJES, desembargador Ronaldo Gonçalves, em nota encaminhada.
O relatório de Marcelo Santos deixou outros membros da Comissão de Justiça confusos. O deputado Fabrício Gandini (Cidadania) chegou a pedir cinco minutos para consultar a Procuradoria da Casa sobre a validade do parecer. Já Vandinho Leite (PSDB) tinha dúvidas sobre como proceder, já que o parecer do relator contradizia o relatório.
A solução encontrada por alguns parlamentares foi não anexar o relatório de Marcelo Santos e considerar apenas o parecer oral. De acordo com o deputado, o parecer dele foi uma decisão política.
O Tribunal de Justiça também destacou a autonomia administrativa que é dada ao Judiciário pela Constituição Federal e também pela Lei Complementar aprovada em 2014 pela própria Assembleia Legislativa. Foi graças a essa lei, inclusive, que o tribunal pôde realizar a integração de comarcas.
Na época, o presidente da Casa era o deputado Theodorico Ferraço (DEM), autor do projeto aprovado na Assembleia na última segunda-feira (24). Embora o decreto suste os efeitos da medida adotada pelo TJES, A Corte frisou que essa competência é do CNJ.
"Sempre é conveniente lembrar que a reorganização do Poder Judiciário é de competência administrativa do Tribunal de Justiça, sendo sua autonomia afirmada nas Constituições Federal e Estadual, bem como na Lei de Organização Judiciária do Estado do Espírito Santo [...] Além disso, a questão de fundo (integração de Comarcas) está atualmente em análise junto ao Conselho Nacional de Justiça, quem vai de fato decidi-la na próxima semana", registrou o TJES em nota.
A extinção de 27 fóruns no Estado foi determinada pelo TJES em maio do ano passado, após recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Na época, todos os desembargadores foram favoráveis à medida para reduzir gastos e adequar a situação fiscal do tribunal.
A decisão, contudo, está suspensa provisoriamente pelo CNJ atendendo a um pedido da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Espírito Santo (OAB-ES), que alega erros no estudo que embasaram a integração, além de prejuízos à população.
O julgamento do mérito da matéria, que é o conteúdo da medida adotada pelo tribunal, está em andamento no CNJ. A previsão é que ele seja retomado na próxima terça-feira (1º). Até o momento, apenas a relatora do procedimento, conselheira Ivana Farina, votou. Ela foi favorável à integração de comarcas.
O voto da relatora, que no ano passado havia sido responsável pela decisão liminar que suspendeu provisoriamente a integração de comarcas, gerou reação na sociedade civil.
Prefeitos e vereadores das 27 cidades onde os fóruns serão extintos, além de membros da OAB-ES e deputados estaduais, passaram a pressionar o Judiciário a voltar atrás. Foi nesse contexto que o decreto legislativo foi aprovado na Assembleia.
Nos bastidores, teme-se um estremecimento na relação entre o Legislativo e o Judiciário capixaba. Representantes dos dois Poderes, contudo, negam qualquer crise institucional e afirmam que há busca pelo diálogo.
"O interesse de ambos os Poderes é convergente, no sentido de prestar um serviço cada vez mais ágil ao cidadão capixaba", destacou o presidente do TJES em nota.
Um dos principais prejuízos apontados pela OAB e por outras instituições que se manifestam contra a integração de comarcas é o acesso limitado à Justiça que a população das cidades sem fóruns terão. Com isso, muitos moradores vão ter que percorrer vários quilômetros para realizar procedimentos judiciais, o que, entre outros fatores, demanda gastos financeiros do cidadão.
O Tribunal de Justiça, contudo, afirma que o serviço em muitos fóruns não atende com qualidade a população, já que não há juízes titulares e faltam servidores.
"Nem tão cedo poderemos dar concurso por impeditivo legal para contratar novos juízes e servidores, a cada dia mais se aposentam, muitas comarcas não têm juízes e outras em breve também perderão os seus, por isso não fazer a integração de comarcas agora significa, na verdade, negar atendimento à população, ao contrário do que se tem reclamado", complementa.
Segundo o tribunal, a extinção de comarcas é imprescindível para a melhoria do serviço prestado e pela própria sobrevivência do Judiciário, que precisa manter o equilíbrio fiscal.
"O que vai aumentar é a eficiência, a produtividade, a velocidade na resposta e, inclusive, o efetivo acesso à justiça, ao passo que no lugar dos prédios físicos haverá uma estrutura tecnológica disponível às Comarcas Integradas, cujo benefícios para o cidadão e o advogado são incomensuráveis."
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