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Publicado em 23 de março de 2021 às 02:00
- Atualizado há 5 anos
No fim de fevereiro, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) foi às redes sociais e publicou valores que teria repassado aos 26 Estados e ao Distrito Federal para combater a pandemia de Covid-19. Segundo o chefe do Executivo Federal, em 2020, o Espírito Santo teria recebido R$ 16,1 bilhões da União.>
O valor foi contestado pelo governador Renato Casagrande (PSB), que acusou Bolsonaro de torturar os números e incluir, no cálculo apresentado, transferências obrigatórias e previstas na Constituição, verbas sem relação com o combate à pandemia e recursos que não foram para o caixa do Estado.>
Inicialmente, Casagrande disse que o repasse ao Estado foi de R$ 2,2 bilhões, quantia sete vezes menor do que havia informado Bolsonaro. Contudo, ao se manifestar novamente sobre o assunto, esta semana, o governo estadual informou um valor diferente: R$ 1,34 bilhão. >
A Gazeta consultou portais da transparência e ouviu dois especialistas na área econômica para saber quanto, de fato, o governo federal enviou ao Espírito Santo. A conclusão é que o valor total transferido ao Estado, por meio de repasses, foi de R$ 2 bilhões.>
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Os dados foram obtidos pelos portais do Tesouro Nacional e do Ministério da Saúde e analisados com a ajuda do economista e consultor do Tesouro Estadual Eduardo Araújo e da coordenadora do curso de Economia do Insper, Juliana Inhaz. Os valores usados para o cálculo dos repasses são nominais, que é quando não há correções no valor com base na inflação.>
Repasses em 2020:
Dos R$ 2 bilhões de repasse, R$ 681,8 milhões foram repassados pelo governo do Estado a municípios, e R$ 1,35 bilhão ficou com o governo estadual. Os municípios também receberam, diretamente do fundo de saúde do governo federal, um valor total de R$ 338,1 milhões. Confira a tabela detalhada no fim da reportagem.>
Os repasses de recursos federais a Estados e municípios são feitos por meio de três tipos de transferências: as que são obrigatórias e estão previstas na Constituição; como é o caso do Fundeb, as que são voluntárias e firmadas em convênios; e as legais, que vêm de uma lei específica, a exemplo dos royalties. >
O portal da transparência do Tesouro Nacional é o recomendado pelos especialistas ouvidos pela reportagem para verificar as transferências feitas pelo governo federal para municípios e Estados. >
De acordo com os dados do Tesouro Nacional, do total de repasses enviados ao Espírito Santo em 2020, três deles foram transferidos para o enfrentamento da Covid-19: o socorro aprovado pela Lei Complementar 173/2020 para repor a perda de arrecadação; o auxílio financeiro previsto na Medida Provisória 938/2020; e o repasse ao setor cultural por meio da Lei Aldir Blanc.>
Com exceção deste último, os outros dois repasses são referentes ao que veio para o Espírito Santo, o que inclui valores para o governo estadual e também para os municípios capixabas. >
Pela Lei Complementar 173/20220, foram repassados cerca de R$ 1,44 bilhão.>
Há também R$ 286,5 milhões que chegaram pela Medida Previsória 938/2020 e mais R$ 31,9 milhões da Lei Aldir Blanc. >
Soma-se a esses três repasses, um quarto tipo, que foi recebido pelo Estado para cobrir gastos de saúde no enfrentamento da Covid-19. Essa transferência foi feita pelo Ministério da Saúde e os valores estão disponíveis no portal do Fundo Nacional de Saúde. >
Ao buscar os repasses de 2020 ao Estado, verifica-se que R$ 274,1 milhões foram enviados ao Espírito Santo para cobrir gastos com a Covid-19. Desse valor, R$ 3,3 milhões foram destinados ao Hucam, hospital universitário da Ufes. No portal, o valor do Hucam consta como desconto. Ou seja, no fim do cálculo, o Estado recebeu R$ 270,8 milhões.>
Diferente dos repasses anteriores, em que o Estado recebe o valor total e distribui para os municípios, o fundo de saúde é enviado diretamente às cidades, ou seja, não passa pelo Estado. >
É possível encontrar outros valores de transferência para saúde, mas que não são específicos da pandemia, são transferências feitas anualmente por exigência da Constituição.>
Inicialmente, ao contestar a “prestação de contas” de Bolsonaro, o governo estadual informou que o Espírito havia recebido R$ 2,2 bilhões. Depois, apresentou um outro valor: R$ 1,34 bilhão. >
A diferença de valores se dá pela metodologia de cálculo utilizada, como explica o secretário da Fazenda, Rogélio Pegoretti. “Os R$ 2,2 bilhões abrangem o valor total repassado ao Estado, incluindo os repasses distribuídos aos municípios. Já o R$ 1,34 bilhão é o recurso exclusivo para o governo estadual.”>
O primeiro cálculo apresentado por Casagrande, de R$ 2,2 bilhões, incluiu o valor de adiamento do pagamento de dívidas, que é de R$ 249 milhões. Esse valor, contudo, não é um repasse, e, portanto, não foi considerado no cálculo pela reportagem, como orientam especialistas.>
O governo também inclui, no valor de R$ 1,34 bilhão do Estado, um desconto de R$ 13,1 milhões de incidência do Pasep. O secretário da Fazenda esclarece que este é um dinheiro que volta para o governo federal, como se fosse uma espécie de “tributo” em cima da transferência realizada.>
De acordo com o secretário da Fazenda do governo estadual, os repasses foram usados na contratação de profissionais de saúde, compra de equipamentos e leitos de UTI. O Estado não forneceu um levantamento total dos recursos empregados, mas Rogélio Pegoretti cita alguns gastos.>
"É complicado fazer esse levantamento agora, em um momento como este, mas de forma sucinta, foram R$ 481 milhões em leitos de UTI, R$ 89 mil em insumos para proteção, R$ 81 milhões em respiradores. Há outros gastos, mas no momento não consigo repassar", pontua. >
Para chegar aos R$ 16,1 bilhões, Bolsonaro somou todos os tipos de transferências enviadas dogoverno federal ao Estado e municípios, entre elas algumas constitucionais, como o Fundeb, Fundo de Participação dos Municípios, Fundo de Participação dos Estados, além do repasse dos royalties, que são devidos independentemente da pandemia da Covid-19. >
Para a soma, o presidente pegou os dados disponíveis no portal da transparência do governo federal. O site mostra que, em 2020, o Espírito Santo recebeu um total de R$ 9,7 bilhões de repasses, sendo a maior parte deles (R$ 7,2 bilhões) por transferências constitucionais e royalties. A menor parte (R$2,5 milhões) veio de transferências legais e específicas. >
Nessa conta, o governo federal também inclui R$ 5,57 bilhões do auxílio emergencial, que é um benefício enviado não ao Estado do Espírito Santo, mas de forma direta à população capixaba. Além disso, acrescentou-se um total de R$ 728 milhões, que seria do adiamento da dívida federal (que não é um dinheiro repassado). >
O governo federal também considerou nessa conta os valores de rotina repassados ao Fundo de Saúde, ou seja, que são estabelecidos por lei, e não apenas o que foi enviado devido à Covid.>
Segundo a economista Juliana Inhasz, o cálculo não pode ser feito desta forma, porque, além de confundir as pessoas, distorce o que de fato foi um auxílio do governo federal durante a pandemia de Covid-19. >
“Uma parte significativa dos recursos que foi incluso na conta do presidente está na Constituição, como é o caso de saúde e educação, que são valores repassados anualmente. São gastos fixos, obrigatórios, que independem de uma situação de calamidade pública ou de quem quer que seja o presidente do país”, conclui. >
Confira os gráficos com os repasses para o Estado e municípios:>
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