> >
Deputado do ES usa bandeira de radicais ucranianos em sessão da Assembleia

Deputado do ES usa bandeira de radicais ucranianos em sessão da Assembleia

Bandeira ucraniana usada pelo deputado estadual Capitão Assumção foi apropriada por grupos de ultra-direita que defendem, por exemplo, perseguição de adversários e rupturas institucionais

Publicado em 16 de junho de 2020 às 20:35

Ícone - Tempo de Leitura 0min de leitura
Capitão Assumção exibiu a bandeira ucraniana durante a sessão da Assembleia nesta terça-feira (16)
Capitão Assumção exibiu a bandeira ucraniana durante a sessão da Assembleia nesta terça-feira (16). (Reprodução/Instagram)

O deputado estadual Capitão Assumção (Patriota) exibiu na sessão virtual da Assembleia Legislativa do Espírito Santo desta terça-feira (16) uma bandeira de origem ucraniana, apropriada por grupos de ultra-direita do mundo todo. A flâmula tem sido usada em manifestações pró-Bolsonaro nos últimos dias, por brasileiros que defendem a "ucranização" do país. 

Apesar de ser uma das bandeiras nacionais da Ucrânia, o símbolo foi apropriado por grupos de ultra-direita e de tendências neonazistas na Europa, como o Pravy Sektor, como explica o professor de História da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Odilon Neto.

"O surgimento deste símbolo no Brasil e o uso do termo 'ucranização' é a partir da defesa de posturas como a perseguição de lideranças de adversários políticos, agressões físicas, rupturas institucionais e até mesmo de atos de dimensões golpistas. Isso é o que defende a extrema-direita ucraniana. Não é que a bandeira seja neonazista, mas ela foi apropriada como estratégia para impulsionar atos antidemocráticos", afirmou.

Durante a sessão transmitida pelos canais oficiais do Legislativo, a bandeira ficou exposta atrás do deputado. Assumção, em diversos momentos, levantou da cadeira e deixou o símbolo no foco da câmera.  O parlamentar, no entanto, saiu ileso de críticas dos colegas de Casa, mesmo com a ampla divulgação de que flâmula é usada por grupos radicas, contrários à democracia. Não houve menções de repúdio ao ato durante a reunião. 

Assumção não chegou a citar o objeto, mas publicou em suas redes sociais uma foto que o mostra acompanhando a sessão com a bandeira e um quadro do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na parede. Na imagem, também aparece uma arma sobre a mesa dele.

O deputado estadual já havia posado para fotos com a bandeira ucraniana durante uma manifestação pró-Bolsonaro no último domingo (14), em Vila Velha. Antes da onda do bolsonarismo, não há registros de citações sobre a Ucrânia por Assumção na carreira política dele. 

Outros apoiadores do presidente  já publicaram fotos com símbolos relacionados à extrema-direita, mas Capitão Assumção foi o primeiro parlamentar a carregar a bandeira para dentro de uma Casa Legislativa no Brasil, que é conhecida como a "Casa do Povo", uma das mais importantes instituições do regime democrático.

No canto superior esquerdo, Capitão Assumção exibe, ao fundo, a bandeira que foi apropriada por movimentos radicais
No canto superior esquerdo, Capitão Assumção exibe, ao fundo, a bandeira que foi apropriada por movimentos radicais . (Reprodução/Ales)

O historiador Rafael Simões afirma que o deputado tem buscado se apresentar como o "expoente máximo da extrema-direita" no Estado e que o uso da bandeira por ele é uma forma de encontrar símbolos que o tragam certa repercussão nestes ambientes. Ele destaca ainda que o movimento é típico de quem "é um novo convertido a uma causa".

"É uma contradição histórica, porque vale lembrar que ele era do PSB, passou por essa migração de quem era de uma esquerda moderada para a extrema-direita. Ele tem feito uma espetacularização para demonstrar essa sua nova postura. É lamentável que esses episódios aconteçam dentro da Assembleia e que as providências não sejam tomadas. A Corregedoria da Assembleia e o Ministério Público são instituições que poderiam ter a atitude para impedir estes atos", disse. 

Assumção já foi deputado federal pelo PSB, partido do atual governador do Espírito Santo, Renato Casagrande. Hoje, com atuação expressiva nas redes sociais, é um crítico ferrenho da esquerda e do próprio governador. 

Elegeu-se em 2018 pelo PSL, partido ao qual se filiou em março daquele ano, com discurso ao estilo "bandido bom é bandido morto" e na esteira da greve da PM que, em fevereiro de 2017, deixou um rastro de 219 mortes no Espírito Santo. O oficial da reserva chegou a ficar preso por dez meses, acusado de incitar o movimento. Ele se entregou após, dias antes, fugir ao receber a ordem de prisão dada por um coronel.

Em março deste ano, Assumção foi expulso do PSL e se filiou, em abril, ao Patriota. Anteriormente, teve passagem pelo PROS, pelo PRB, pelo PMB e pelo Solidariedade, de Paulinho da Força.

O deputado pretende disputar nova eleição neste ano e se coloca como pré-candidato à Prefeitura de Vitória. Ao encampar símbolos utilizados pela ultra-direita radical, o parlamentar mira o eleitorado da Capital que escolheu Bolsonaro para comandar o país.

Em 2018,  o presidente foi votado por 63% dos eleitores da cidade, o que corresponde a 123.734 pessoas, sendo vitorioso em importantes regiões, como  Jardim Camburi, bairro mais populoso do município. 

LIBERDADE DE EXPRESSÃO?

Secretário-geral da ONG Transparência Capixaba, Rodrigo Rossoni, lembra que esta não é a primeira polêmica envolvendo Assumção, que ganha mais notoriedade pelas polêmicas do que pelas ações para o desenvolvimento do Espírito Santo na Casa. Em setembro, ele ofereceu no plenário uma recompensa de R$ 10 mil a quem matasse o assassino de uma jovem. Segundo o Código Penal, incitação pública ao crime, é, também, um crime. 

O caso chegou a ser analisado pela Corregedoria da Assembleia, mas foi arquivado. A Transparência Capixaba entrou com uma representação no Ministério Público do Espírito Santo, mas a ação não andou. Em outros episódios, Assumção chegou a postar uma foto em que mostra a filha, de 10 anos, empunhando uma arma. Em março, ele convocou um homem que fez críticas a ele em um grupo de seu condomínio para uma CPI na Assembleia. O ato, para especialistas, foi visto como abuso de autoridade.

Recentemente, o deputado também afirmou que esteve presente em uma visita surpresa a um hospital onde pacientes com Covid-19 eram tratados, o ato, segundo a Secretaria da Saúde e entidades médicas, colocou em risco outras pessoas. Ele não aparece nas imagens publicadas pelos outros parlamentares. 

"Infelizmente, nos últimos tempos ele tem se sentido muito à vontade para atentar dia e noite contra a democracia e a liberdade dos cidadãos. Ele faz apologia ao crime, à ditadura, oferece dinheiro para matarem alguém, o que é isso? Isso não é liberdade de expressão. Enquanto as instituições não se moverem, ele vai se sentir livre para continuar com atos como esse", critica Rodrigo Rossoni.

A reportagem procurou o presidente da Assembleia Legislativa, Erick Musso (Republicanos), mas a assessoria dele não deu retorno até a publicação desta matéria. Em postagens nas redes sociais, Musso tem repudiado atos antidemocráticos, como a defesa do Ato Institucional nº 5, que cassou o mandato de adversários durante a Ditadura Militar. "A maior conquista da sociedade brasileira nos últimos tempos está em sua representação por meio dos parlamentos", escreveu em suas redes.

O corregedor da Casa, deputado Hudson Leal (Republicanos), foi questionado sobre o episódio envolvendo a bandeira ucraniana, mas disse que, por exercer a função de corregedor, "não poderia se manifestar".

Segundo apurou a coluna Vitor Vogas, deputados estaduais confidenciaram que gostariam de uma punição contra Assumção, mas que, às vésperas das eleições municipais, os parlamentares temem "ser tragados" por uma disputa ideológica que não é a deles. 

A Gazeta também procurou o Ministério Público do Espírito Santo (MPES) e a Secretaria da Casa Civil para se posicionarem sobre o ocorrido. As duas instituições não responderam até a publicação deste texto.

OUTRO LADO

Procurado pela reportagem, Capitão Assumção disse que há uma tentativa forçada de interpretar erroneamente a utilização da bandeira ucraniana. O parlamentar destaca que a bandeira, utilizada desde o século XVI na luta contra invasores estrangeiros, virou um símbolo de luta dos ucranianos contra a ocupação russa.

"Utilizo a bandeira pela sua história comum com a dos brasileiros que querem, assim como eu, varrer qualquer alusão ao comunismo, regime cruel e antidemocrático implantado em vários países. A bandeira representa a luta de um povo que resistiu ao domínio comunista que ceifou milhares de vidas na Ucrânia", defendeu.

Este vídeo pode te interessar

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais