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Decisão do STF sobre 2ª instância pode beneficiar condenados por tráfico no ES

Decisão do STF sobre 2ª instância pode beneficiar condenados por tráfico no ES

Levantamento feito por juíza do TJES mostrou quais são os principais crimes que os réus presos após condenação em 2ª instância respondem. Soltura depende de pedidos da defesa e decisões de magistrados

Publicado em 16 de novembro de 2019 às 06:00

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Coordenadora das Varas Criminais e de Execuções Penais do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), juíza Gisele Souza de Oliveira explicou que presos não são soltos automaticamente. (Divulgação/TJES)

Mais da metade dos réus do Espírito Santo que começaram a cumprir pena só após a condenação em segunda instância, por conta do entendimento anterior do Supremo Tribunal Federal (STF), que assim determinava, respondem a processos pelo crime de tráfico de drogas. De um total de mais de 120 pessoas que estavam sendo alvo da execução provisória da pena, mesmo ainda com recursos pendentes aos tribunais superiores, 65 foram condenados por tráfico. ?

Os dados foram extraídos do Banco Nacional de Monitoramento de Prisões (BNMP) na última quarta-feira (13) pela Coordenação das Varas Criminais e de Execuções Penais do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) a pedido de A Gazeta. Como o sistema é dinâmico, o número muda constantemente, sempre que há uma pessoa libertada. No domingo (10), eram 127 pessoas; na última quarta, 121. Os réus começaram a ser soltos desde a última sexta-feira (8), logo após o julgamento do STF que decidiu alterar a jurisprudência e definir que a pena de prisão só pode ser cumprida após o esgotamento de todos os recursos, o chamado trânsito em julgado.

Além dos condenados por tráfico, figuram na segunda colocação da lista do Espírito Santo os condenados por roubo, que são 17, seguidos por homicídio, que são 10. Há ainda oito que respondem por estupro, cinco por estupro de vulnerável (de menor de 14 anos), e sete por furto. Não há condenados por corrupção ou outros crimes contra a administração pública entre os que estavam em execução provisória da pena.

Como esses réus tiveram a prisão decretada com base no entendimento anterior do Supremo, é possível dizer que todos eles podem ser potencialmente beneficiados pela alteração da jurisprudência e ser soltos. Mas isso não é automático. É preciso que os advogados façam um requerimento à Justiça pedindo a soltura, ou ingressem com um habeas corpus, de acordo com a coordenadora das Varas Criminais do TJES, a juíza Gisele Souza de Oliveira.

"Quem pode se beneficiar dessa decisão são pessoas que responderam ao processo em liberdade e só tiveram a prisão decretada depois da confirmação da decisão em 2º grau. Ou seja, eram pessoas que até então não eram consideradas tão perigosas ou nocivas, tanto é que estavam respondendo em liberdade. É importante diferenciar da pessoa que respondia ao processo presa, porque aí a base da prisão é cautelar, preventiva", explicou.

RAIO-X

Ainda de acordo com os dados do BNMP, há no Espírito Santo hoje um total de 26.360 presos e 56 pessoas cumprindo medida de segurança, que é o tratamento ao qual se submetem os criminosos portadores de doença mental. Entre eles, há condenados pela Justiça Estadual e pela Justiça Federal.

Do total, a maioria são presos provisórios, 10.349 ao todo. Estes ainda não receberam nenhum tipo de condenação e estão na cadeia por meio da prisão preventiva, por serem considerados uma ameaça à ordem pública. Há também outros 9.594 presos em execução definitiva da pena, ou seja, que já foram condenados e para eles não cabem mais recursos.

Além deles, há 6.417 pessoas submetidas à execução provisória da pena, ou seja, que já receberam uma sentença do Judiciário em 1ª ou 2ª instância. Desses, só cerca de 120 começaram a cumprir a pena após a condenação do Tribunal de Justiça do Estado ou do Tribunal Regional Federal (TRF), ou seja, pela 2ª instância, o que significa 1,98% dos casos. O restante foi condenado em 1ª instância e ainda recorre, mas também está cumprindo prisão preventiva.

CONSEQUÊNCIA

O fato de a maior parte dos beneficiados pela nova jurisprudência do STF serem condenados por crimes hediondos ou equiparados - como o tráfico, roubo e estupro - e por crimes violentos, como o roubo, não é determinante na decisão do juiz para colocá-lo em liberdade ou não, conforme o doutor em Direito e professor da Ufes Ricardo Gueiros.

"A característica desses crimes pode, a princípio, gerar uma preocupação maior para a sociedade. Mas os números espelham a realidade dos crimes mais punidos nos presídios, pois são os mais praticados. Temos que ter em vista que não quer dizer que todos serão automaticamente soltos. Os juízes podem entender que embora tenha havido a decisão do STF, ainda há algum outro motivo para manter o réu preso", explicou.

Neste caso, aponta o professor, o juiz poderá converter a prisão em preventiva. "O fato de ele ter respondido todo o processo em liberdade e ter sido preso só após a condenação do tribunal torna mais difícil a justificativa do juiz para converter. Mas o réu pode estar apresentando comportamentos que exijam a prisão preventiva, como a demonstração de intenções de fuga, por exemplo", disse.

MOTIVAÇÃO

No julgamento do Supremo, os ministros tiveram de avaliar se um artigo do Código de Processo Penal está de acordo com a Constituição, e se a prisão após condenação em segunda instância não fere o princípio da presunção da inocência. Este princípio determina que incumbe à parte acusadora o dever de comprovar a culpa do acusado, não deixando ensejar nenhuma dúvida quanto a ela.

A Corte precisou voltar a julgar esta questão pois, desde 2016, autorizou a prisão após segunda instância quatro vezes, mas a análise de mérito de três ações no Supremo sobre esse tema permanecia em aberto. Por isso, juízes e até ministros do STF vinham decidindo de forma divergente sobre essas prisões. Agora, será obrigatório seguir o entendimento do Supremo.

O resultado da votação foi um placar apertado, de 6 a 5, considerando que os ministros Gilmar Mendes, Rosa Weber e Dias Toffoli já haviam votado de maneira diversa e mudaram de posicionamento.

Os argumentos dos ministros favoráveis à prisão em segunda instância, entre eles Cármen Lúcia e Luís Roberto Barroso, giraram em torno de pontuar que a maior possibilidade de recursos aumenta as chances de prescrição e contribui para a impunidade ao incentivar a interposição de recursos protelatórios.

Já os ministros contrários, cujo entendimento prevaleceu, alegaram que a Constituição não permite margem de interpretação, pois define expressamente que o réu só é considerado culpado após o trânsito em julgado. Eles também criticaram o alto número de prisões automáticas e a grande proporção de presos provisórios. Entre eles, estavam Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski.

ENTENDA

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    O STF decidiu que ninguém poderá ser preso para começar a cumprir pena até o julgamento de todos os recursos possíveis em processos criminais, incluindo, quando cabível, tribunais superiores (Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal). Antes disso, somente se a prisão for preventiva. A execução da pena só poderá ocorrer após o trânsito em julgado, que é quando não se pode mais recorrer, seja porque já passou por todos os recursos possíveis, seja porque o prazo para recorrer terminou. 

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    A decisão é de cumprimento obrigatório. Serão beneficiadas as pessoas que responderam o processo em liberdade e foram presas só após terem sido condenadas em 2ª instância - ou seja, pelo juiz e depois por um Tribunal - com o fundamento de estar dando início ao cumprimento da pena.

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    A saída da cadeia depende de pedidos de cada defesa ou de solicitações do Ministério Público aos juízes de execução penal, que administram o dia a dia das penas. É possível também que os juízes de primeira instância determinem a soltura sem serem provocados pelas partes.

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    A decisão não vale para o preso em flagrante, o preso temporário, ou o preventivo. A prisão preventiva pode ser aplicada em qualquer momento do processo, ou seja, antes mesmo da condenação, como também após a decisão de 1º ou de 2º grau. Ela é usada em casos em que o acusado ou suspeito de um crime representa risco à ordem pública ou às investigações em curso.

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