Publicado em 4 de janeiro de 2020 às 05:02
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) enviou ao Congresso Nacional o projeto de lei orçamentária para 2020 prevendo que R$ 2 bilhões em recursos públicos seriam destinados ao Fundo Eleitoral. Os parlamentares ensaiaram aumentar a verba para R$ 3,8 bilhões, mas o texto acabou aprovado com os R$ 2 bilhões mesmo, 17% a mais do que o R$ 1,7 bilhão destinado ao fundo em 2018. >
Agora, no entanto, Bolsonaro sinaliza que tem que sancionar o trecho que trata da verba para campanhas eleitorais não porque quer e sim porque, do contrário, poderá responder por crime de responsabilidade e sofrer impeachment. Será isso mesmo? >
No Twitter, o presidente mencionou o Artigo 85 da Constituição Federal. O artigo lista os crimes de responsabilidade. Entre eles estão "os atos do Presidente da República que atentem contra" (...) "a lei orçamentária". >
Também diz que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já enviou ofício solicitando os R$ 2 bilhões. >
>
Será que o presidente não tem mesmo escolha? Ouvimos especialistas em Direito Consitucional e Eleitoral e um cientista político para entender melhor essa história. Aqui o que descobrimos:>
O presidente pode ser acusado de cometer crime de responsabilidade por vetar parte do projeto de lei da lei orçamentária de 2020?>
Cláudio Colnago, advogado especialista em Direito Constitucional, diz que não: "Do ponto de vista jurídico essa afirmação dele não se sustenta. Uma das hipóteses (de configuração de crime de responsabilidade) é a não observância da lei orçamentária. Ele está usando uma interpretação elástica demais, em que o veto parcial ao projeto de lei orçamentária seria violação à lei orçamentária". "Ele pode vetar trechos do projeto de lei, tem um prazo de 15 dias para sancionar ou vetar. Se ele não fizer nada dentro desse período, ocorre a sanção automática", complementa Colnago.>
Especialista em direito eleitoral, Michel Bertoni Soares reforça que, após o projeto aprovado, o presidente pode vetar determinados dispositivos, alegando inconstitucionalidade ou inconveniência. O Congresso pode derrubar ou manter o veto. E o presidente não poderia ser acusado de crime de responsabilidade. >
Sobre a menção ao TSE, Soares diz que é apenas uma coisa de praxe. "A partir do momento em que é aprovada a lei, o TSE oficia para que os valores sejam separados para serem transferidos para que o TSE possa fazer depois a distribuição aos partidos. É algo de praxe, vai no automático, isso não impede o veto", afirma.>
"O veto é político, quando a matéria é considerada contrária ao interesse público; jurídico, se entendida como inconstitucional; ou por ambos os motivos inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público. Quanto à abrangência, pode ser total ou parcial, sendo que neste último caso deve recair sobre texto integral de artigo, parágrafo, inciso ou alínea", descreve o site do Congresso Nacional. >
O projeto de lei sobre o Orçamento de 2019, por exemplo, sofreu dois vetos parciais do próprio Bolsonaro. E tudo bem. >
No Twitter, o assunto repercutiu para além do perfil do próprio Bolsonaro: >
O cientista político Sérgio Praça, por outro lado, diz que Bolsonaro, pode sim ter motivos para temer. "A posição dos juristas não é unanimidade. Faz sentido, mas não é algo tão cristalino. Abriria espaço para alguém pedir impeachment dele. Ele está com medo que seja para ele o que foram as pedaladas para a Dilma", avalia.>
Há quem diga que a sanção do fundo eleitoral de R$ 2 bilhões poderia beneficiar o partido que Bolsonaro pretende criar, o Aliança pelo Brasil. Mas a legenda não deve ser instituída a tempo de disputar as eleições de 2020, então essa tese também não prosperaria. >
Por que o presidente faz questão de dizer que é praticamente obrigado a sancionar o fundo eleitoral? >
Este é um ponto pacífico: "Claro que muita gente que votou nele é contra o uso de dinheiro público em campanhas e está dando satisfação para esse público", resume Praça. >
"O presidente não quer comprar briga então usa esse discurso para jogar a responsabilidade para o Congresso. O fundo foi aprovado de acordo com o valor que o próprio Executivo enviou ao Congresso quando mandou a proposta de lei orçamentária. Ele mesmo encaminhou esse valor e não quer assumir isso. É para jogar para a torcida", destaca Soares. >
"Do ponto de vista político a gente entende a hesitação da parte dele em eventualmente vetar e sofrer derrota com a derrubada do veto", finaliza Colnago. >
Ainda tentando uma saída honrosa para justificar o endosso ao fundo de R$ 2 bilhões para campanha, Bolsonaro, nesta sexta-feira (03), adotou uma nova estratégia: "Eu estou vendo uma campanha na internet muito salutar: não vote em quem usa o fundão", disse, ao deixar o Palácio da Alvorada. >
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta