Publicado em 19 de março de 2020 às 15:58
Desde que o governo brasileiro confirmou o primeiro caso de infecção no país do coronavírus, no dia 4 de março, o presidente Jair Bolsonaro tem continuamente dado declarações avaliadas como inapropriadas ou contraditórias, sob o ponto de vista da saúde pública. Além das afirmações, ele próprio tomou atitudes que vão contra as recomendações de distanciamento social do Ministério da Saúde e de órgãos internacionais. >
Em mais de uma oportunidade, tratou algumas medidas que estão sendo adotadas no exterior e por governadores no país como exageradas, e falou na existência de um clima de "histeria". A Gazeta procurou médicos especialistas em infectologia para esclarecer, do ponto de vista da saúde pública, se algumas posturas do presidente da República podem ser consideradas equivocadas. >
Ainda com supeita de coronavírus e orientado a ficar em isolamento até refazer testes, Jair Bolsonaro cumprimentou apoiadores, tirou selfies e chegou a colar o rosto ao de apoiadores para fazer fotos, em frente ao Palácio do Planalto, enquanto ocorriam manifestações do dia 15 de março. >
Em resposta, às críticas, ele declarou: >
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em entrevista à Radio Bandeirantes,
em 16 de março.Na avaliação da infectologista Rúbia Miossi, a atitude do presidente foi imprudente. "Ele já tinha orientado no pronunciamento nacional a população a não comparecer. Se ele fala para as pessoas não irem, mas vai, é incorreto. Ele deveria ter cumprido o que as autoridades sanitárias orientaram. Não é porque é o presidente que pode agir da maneira que ele quiser. Assim como ele, qualquer liderança que tivesse tomado essa atitude estaria errada." >
No último dia 15, data da manifestação, cinco pessoas que viajaram com o presidente para os Estados Unidos fizeram os exames e já tinham descoberto que pegaram coronavírus. Mesmo que seu exame tenha dado negativo, médicos e autoridades ligadas ao governo recomendaram que ele evitasse contato com aglomerações.>
em entrevista à Radio Bandeirantes,
em 16 de março.O professor da Ufes Crispim Cerutti frisou que atitudes como a do presidente têm sim um risco real. "O fato de você se deixar envolver em qualquer contato físico nessa época é temerário, principalmente tratando-se de alguém com suspeita de estar infectado, como o presidente. Isso coloca as pessoas em vulnerabilidade, anda na contramão do que recomendam as autoridades. A nossa responsabilidade é evitar o contato físico o máximo possível. É melhor que se comece a tomar providências agora, do que depois, quando o país não suportar dar assistência médica". >
"Se eu trabalho em equipe, tenho que seguir o que a equipe define. Se a orientação é seguir um distanciamento social para evitar que o vírus se dissemine, é o que deve ser feito. Principalmente os cargos de liderança, pois suas condutas inspiram a população", concordou a infectologista Jacqueline Rueda, professora da UVV.>
Bolsonaro comentou sobre as medidas que diferentes governadores adotaram nos últimos dias para diminuir a circulação de pessoas em seus estados, numa tentativa de reduzir a velocidade de disseminação do vírus. >
afirmou à rádio Super Tupi,
em 17 de março.A médica Jacqueline Rueda pontuou que qualquer tipo de aglomeração tem o potencial de disseminar o coronavírus. "Estamos em um momento que sabemos que o vírus tem alta contagiosidade, que quanto mais pessoas circulando, maior será o risco de contaminação. O perigo de eu me contaminar ocorre em qualquer ambiente, mas o risco é maior em locais em que ocorre aglomeração. É importante entender e diferenciar o perigo e o risco", explicou. >
Em entrevista a uma rádio, Bolsonaro afirmou fará uma "festinha tradicional" para celebrar seus 65 anos, completados neste sábado dia 21, mesmo com todas as recomendações de que as pessoas evitem contato físico. >
afirmou à rádio Super Tupi,
em 17 de março.Pequenas festinhas, mesmo que em casa e com grupos pequenos e familiares, também devem ser evitadas neste período de combate ao coronavírus, reforçou a infectologista Rúbia Miossi. "Não é o momento para as pessoas fazerem festinhas, qualquer que seja o cunho. Estamos pedindo para desmarcarem festas. Não é hora de juntar pessoas, crianças, de fazer visitas aos amigos e parentes. É hora de cada um ficar na sua casa, para que a gente consiga evitar que esse vírus se espalhe de forma rápida." >
O professor Crispim Cerutti endossou a recomendação. "A probabilidade de contato físico nesses eventos é grande. Não é hora de festa, temos que guardar as comemorações para quando superarmos essa fase. É hora de proteger os vulneráveis. Todo encontro que puder ser evitado ou adiado, deve assim ser feito".>
Bolsonaro já deu declarações relativizando os riscos do coronavírus, pelo fato de que a população já convive com outros vírus que afeitam o sistema respiratório de forma grave, como a gripe. >
em entrevista no Palácio do Alvorada,
em 11 de março.Médicos infectologistas consideram que esta é uma visão equivocada. "Quando olhamos em números absolutos, a gripe comum pode matar mais, mas contamina menos. A infecção por coronavírus, por contaminar mais, faz com que o número de pessoas que vão precisar de assistência ou ir a óbito seja maior. A questão não é só a letalidade, é a alta contagiosidade", explica a médica Jacqueline Rueda. >
O professor da Ufes Crispim Cerutti complementa: "A última doença respiratória que matou mais que essa foi a gripe espanhola, de 1918. De lá para cá, nenhuma chegou perto. O vírus influenza (gripe) sazonal tem um percentual de óbito de 1%. O coronavírus chega a mais de 3%, e nos grupos vulneráveis, a 15%. É um problema grave.">
Nos últimos dias, em diversas oportunidades Bolsonaro afirmou que o coronavírus não deve ser motivo de histeria. Nesta quarta-feira (18), em entrevista coletiva, reafirmou este posicionamento. >
disse em entrevista coletiva,
em 18 de março.afirmou em entrevista à CNN Brasil,
em 15 de março.A infectologista Rúbia Miossi avalia que as medidas drásticas contra o coronavírus estão de acordo com a gravidade que a pandemia pode atingir. >
"Essa classificação como 'histeria' também foi feita por outros presidentes, como Donald Trump, e eles tiveram que voltar atrás nessa declaração. O que a gente quer, com esse pedido de manter as pessoas em casa, é evitar que a gente chegue a uma situação como a da Itália. As pessoas devem ficar em casa, em especial os idosos. Já é o momento deles se recolherem e não saírem mais, e isso não é histeria nem pânico. Essas informações que as autoridades em saúde estão passando têm base científica. Pânico e histeria são as informações falsas que estão sendo repassadas, pessoas estocando comida, e outras atitudes". >
Em entrevista, o presidente afirmou que o Brasil só estará livre do vírus quando um certo número de pessoas for infectado e criar anticorpos, que passam a ser barreira para não infectar quem não foi infectado ainda. Para isso, o ideal seria diluir a incidência do vírus ao longo do tempo. >
em entrevista à rádio Tupi,
em 17 de março.O infectologista Crispim Cerutti faz ponderações a esta afirmação. >
"Esse raciocínio não funciona, porque o vírus é um organismo que se multiplica. Onde ele acha campo para penetrar e se multiplicar, ele vai fazer isso. Ele cresce exponencialmente. Deixando correr solto, ele vai ser um problema crescente, como um fermento no bolo, que você não consegue conter depois. O raciocínio do presidente é equivocado, porque parte da premissa que o vírus é algo limitado, mas não é, ele vai aumentando progressivamente. A partir do momento que você tem o vírus, transmite ele para mais 3 pessoas", esclareceu. >
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