Publicado em 12 de junho de 2020 às 11:42
Diante de mais um ato de violência no morro da Piedade na noite desta quinta-feira (11), que ocasionou a morte do estudante Fabrício Almeida, de 18 anos, o Instituto Raízes da Piedade, grupo que atua na promoção dos Direitos Humanos na comunidade, soltou uma nota em que lamenta o episódio, e fala em ausência do Estado para garantir a segurança dos moradores. Em entrevista, um dos integrantes da diretoria, Jocelino da Conceição Júnior, reagiu às declarações do secretário de Segurança Pública do Espírito Santo, Alexandre Ramalho, à TV Gazeta nesta sexta-feira. "A base [da Polícia no Morro] por si só não oferece elementos que protejam a vida das pessoas.">
"Mais uma vez a mãe carrega, desesperada, o corpo de seu filho em busca de socorro", diz o início da nota escrita pela diretoria do Grupo Raízes da Piedade, que atua na comunidade desde 2008. O texto relembra que, no início de maio, o secretário de Segurança Pública e o comandante da Polícia Militar estiveram na Piedade, "declarando que a comunidade receberia maior proteção do Estado", mas afirma que "no momento do forte ataque, não houve qualquer ação da polícia, que ocupa uma base na parte baixa da comunidade.">
Jocelino, um dos membros atuantes do grupo, sustenta que a intenção é cobrar do poder público ações que vão além da presença da polícia na comunidade. "A base por si só não oferece elementos que protejam a vida das pessoas. Tanto é que, mesmo com a base lá, tivemos homicídios, casas incendiadas e tiroteios", afirma. O que falta, para o grupo, é "vontade política para enfrentar a criminalidade com políticas públicas articuladas.">
Em relação à entrevista concedida pelo secretário Alexandre Ramalho, nesta sexta, Jocelino ressalta que a efetividade das promessas e das ações executadas pela polícia não são vistas nem pela comunidade, nem pela sociedade e nem pela mídia que noticia a mesma coisa toda vez. "Parece que são tragédias anunciadas." >
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Durante a entrevista à TV, o secretário afirmou que, logo após o crime, a polícia tomou o morro e fez buscas, mas ninguém foi preso até o momento. Ao afirmar que não existia uma liderança forte do tráfico na Piedade, Ramalho afirmou que existe uma "criminalidade juvenil" que precisaria ser combatida "por outra vertente". Jocelino questionou: "O que ele quis dizer? Leis mais severas? Há um movimento dos agentes de segurança de culpabilizar nossos jovens pela criminalidade, mas não se fala sobre a ausência do Estado para evitar que os jovens se envolvam com o tráfico de drogas. O que o Estado faz de análise sobre sua ausência ao longo dos anos?">
O grupo ressalta que desde 2018 famílias têm deixado a Piedade pelo medo da violência. "Estamos há algum tempo denunciando que, especificamente o Morro da Piedade, tem sofrido um processo de esvaziamento e extermínio de sua população. Lembram quando cerca de 200 pessoas deixaram o morro com medo? É um processo contínuo, reiterado e que parece estar longe de acabar, se não houver imediata atuação dos órgãos governamentais", diz a nota. Sobre a situação, Jocelino lamentou: "Quando isso vai acabar, quando a Piedade deixar de existir?">
A nota escrita pelo grupo também aponta o quanto a comunidade do morro da Piedade tem sofrido com a pandemia do novo coronavírus. "Já não basta a Covid-19, que coloca o Morro da Piedade em estado de alerta (com uma taxa de incidência de mais de 170 casos a cada 10 mil habitantes, o que dada a quantidade de pessoas que moram no morro, representa um risco de 5 novos casos por dia), agora novamente a violência nos faz reféns", diz o texto.>
"A Piedade é uma das áreas mais vulneráveis de Vitória. Estamos trabalhando no enfrentamento do coronavírus e temos, agora, que fugir de tiros dentro de casa", finaliza o ativista.>
Veja a nota na íntegra:>
MAIS UMA VEZ... Lamentavelmente, mais um episódio de grave violência à vida da juventude negra e da periferia dos morros de Vitória é registrada no Morro da Piedade, nesta noite de Corpus Christi. Mais uma vez de forma brutal. Mais uma vez a mãe carrega, desesperada, o corpo de seu filho em busca de socorro. Foram gritos impactantes. A vida de Fabrício dos Santos Almeida, 18 anos, estudante, jovem da paz e de bem com a vida, foi tirada pela violência naturalizada nas relações entre Estado x comunidade. Outros dois jovens foram baleados, mas encontram-se fora de perigo. Os morros do centro, desde 2018, vivem intensamente episódios drásticos de violência. Podemos aqui listar várias situações em curto espaço de tempo, em que a Piedade foi invadida e seus moradores acuados e amedrontados com o som dos tiros. Já não basta a COVID-19, que coloca o Morro da Piedade em estado de alerta (com uma taxa de incidência de mais de 170 casos a cada 10 mil habitantes, o que dada a quantidade de pessoas que moram no morro, representa um risco de 5 novos casos por dia), agora novamente a violência nos faz reféns. Um ataque organizado invadiu as casas das pessoas, fazendo vítimas aleatórias. E novamente vemos a ausência do Estado em oferecer segurança para uma comunidade que a todo tempo grita e pede paz. Estamos há algum tempo denunciando que especificamente, o Morro da Piedade tem sofrido um processo de esvaziamento e extermínio de sua população. Lembram quando cerca de 200 pessoas deixaram o morro com medo? É um processo contínuo, reiterado e que parece estar longe de acabar, se não houver imediata atuação dos órgãos governamentais. Recentemente, na noite de 01/05, o Secretário de Segurança Pública e o Comandante da Polícia Militar estiveram na Piedade, declarando que a comunidade receberia maior proteção do Estado. Hoje, 11/06, às 20h06, no momento do forte ataque, não houve qualquer ação da polícia, que ocupa uma base na parte baixa da comunidade. Este Corpus Christi não podia ser mais cruel e distante do significado do sacramento católico da partilha do pão e do vinho por Jesus na última ceia. Reafirmamos nosso posicionamento e compromisso com a cultura popular, de reconhecer os morros do centro de Vitória como o território do samba capixaba, através de ações que promovam a autoestima, a sociabilidade e a cultura de paz, reafirmando as identidades afro-brasileiras que permeiam esta região. O Instituto Raízes se solidariza com as famílias e amigos dos jovens, neste momento inconsolável. Colocamo-nos a disposição para apoio à comunidade na superação destes processos violentos, cobrando do poder público a efetividade de suas intervenções no território dos morros do centro, uma comunidade em que cerca de 70% dos moradores são negros com idade entre 0 e 29 anos, necessitando ter seus direitos e garantias fundamentais constitucionais garantidas. Solidariamente, Diretoria do Instituto Raízes>
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